(ainda dentro das memórias de Helô)
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Ele tinha se sentado de frente para mim. Ambos estávamos nas cadeiras de encosto de palha trançada, as mesmas que os pacientes faziam as consultas e recebiam seus diagnósticos.
– Vocês têm certeza disso? – perguntei com um aperto no peito.
– Quase. – Respondeu taciturno.
– Então tem chances de não ser...
– Chances praticamente inexistentes. – Sua fala me fez prender o ar nos pulmões. Há alguns meses eu tinha notado uma certa lentidão nos movimentos do nosso avô e Hans disse que verificaria se havia algo errado. Bem, pelo visto, algo estava muito errado. – Doenças degenerativas demandam uma análise minuciosa. Apesar dos exames que auxiliam, o diagnóstico é muito mais clínico.
– Parkinson. – Falei, reflexiva. – Isso é mais sério do que eu esperava.
– Ainda está no início. – Disse, tentando mostrar fleuma diante da situação. – Aqui mesmo na clínica temos uma equipe competente que é referência.
– Eu sei. Só não sei se isso é sorte ou ironia do destino. – De repente, senti muito frio. Mas, ao invés de abraçar o meu próprio corpo, continuei com as mãos agarradas nas laterais de madeira da cadeira.
Vendo meu estado, Hans se encurvou, apoiando os antebraços nas pernas, e disse:
– Escuta, Helô, demência não é a minha área de atuação, mas seu pai e eu vamos acompanhar de perto. Nosso avô terá o melhor tratamento.
– Era sobre isso que vocês conversavam agora a pouco? – ele afirmou com um meneio. – Essa notícia me pegou de surpresa. Estou... quer dizer... a situação como um todo... não sei... parece ser... ser...
– Injusto?
Vi sombras de apreensão se formarem em seu rosto. Ele estava preocupado comigo, em como seria a minha reação. Eu não queria ser o tipo de pessoa onde os outros sempre precisam ter cautela para dar alguma notícia importante. Era hora de provar que eu poderia ser razoável, mesmo em meio as turbulências da vida.
– Não é não. Injusto é o final de Chinatown. – Gracejei sem jeito. Assim como eu, Hans conhecia muito bem o filme noir de Roman Polanski. – Estou falando bobagem, né? Comparando a vida real com ficção.
– Não está. – Disse ainda em tom sério, porém, sem acusação.
Permanecemos calados por um momento. Encarando um ao outro. Quando meus pensamentos se formularam com um mínimo de coerência, soltei as mãos da madeira para ficar numa posição semelhante à de Hans. Deste modo, falei:
– Deus nos dá a vida, e na vida recebemos as oportunidades. Você ainda acredita na soberania divina? Acredita que nada foge do controle Dele, Hans?
– Sim – respondeu baixo, mas sincero. Isso era um alívio, pois a fé sempre foi muito importante para mim.
Com isso, prossegui:
– Se pararmos para pensar, o nosso avô fez boas escolhas. Ele teve e ainda tem uma vida abençoada. Então não é indignação que estou sentindo, porque sei que ninguém é eterno. – Emiti um pequeno riso. – Óbvio que também não quero pensar em despedidas.
– Nem eu, menina.
Abaixei a cabeça. Não tive certeza se gostei ou não de ser chamada de menina por ele. Principalmente naquele tom, com uma certa dose de consternação. Passei a língua em meus lábios ressecados e fitei nossas mãos tão próximas. Eu queria tocá-lo e ser tocada, sentir o consolo do seu abraço quente. Quase dei o primeiro passo, pois, se eu movesse míseros centímetros, nossos dedos se encontrariam. Mas não. Não seria justo com meu coração e nem seria justo com Matias. Preferi, então, retomar com minha fala.
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