HELOÍSA
Novamente eu estava dentro do banheiro do hotel. Mas, dessa vez, sem expectativas e com muito sono. Sentada no degrau que levava a banheira, o único barulho que se ouvia era do extrator de leite, que me ordenhava enquanto eu avistava a minha imagem amarrotada através do espelho da pia.
Quase resmunguei ao perceber que teria de levantar da cama. Só não o fiz para não acordar Hans. Ele costumava dormir pouco e ter o sono leve, por isso, tive todo o cuidado ao me retirar daquele imenso e confortável colchão.
Na hora de descartar meu leite, fiquei com pena, porém, eu não tinha outra opção no momento. Até porque daria muito transtorno sair de casa com potes esterilizados dentro da bolsa. Outra coisa; onde eu congelaria o leite? No frigobar do hotel? Não mesmo!
Lá se foram alguns mililitros pelo ralo.
Fechei o roupão felpudo (que tinha três vezes o meu tamanho) e retornei ao quarto. Hans dormia de bruços. As costas, a perna esquerda e uma parte da sua bunda estavam descobertos. Não dava para negar o quanto era bonito ver aquele homão pelado esparramado numa kingsize, mas o frio começava a se intensificar. Então contornei a cama para cobri-lo melhor.
Quando comecei a esticar o edredom, me veio à mente algo novo e diferente, no qual fugia totalmente da linearidade que minhas memórias costumavam aparecer.
Por coincidência, estávamos num quarto também. Não era um lugar impessoal, pois sobre a cômoda de madeira maciça havia alguns dos meus frascos de perfume preferidos e um porta-retrato, cuja fotografia era uma versão de mim mesma ainda criança. A decoração do ambiente se aproximava do Art Nouveau com incrementos de contemporaneidade, de muito bom gosto, diga-se de passagem, porém os acabamentos denunciavam que não estávamos no Brasil. Além disso, o que me fez perceber que eu estava em outro país foi o pote de sorvete que eu abraçava ao meu corpo nu. O formato arredondado e exageradamente grande do recipiente confirmava a minha localização: o apartamento da minha mãe em Nova Iorque.
– Volta pra cama, Helô. – Hans estava sentado com as costas apoiadas na cabeceira acolchoada. Por estar sem camisa e parcialmente coberto do quadril para baixo, deduzi que estivesse nu também. Chamou-me a atenção o seu corte de cabelo, quase raspado, exatamente como ele se encontrava na atualidade. Portanto, entendi que não se tratava de uma lembrança longínqua. – São três da manhã e nós dois temos aulas daqui algumas horas.
– Preciso conversar com você sobre algo. – Abaixei a cabeça e remexi a colher na sobremesa de chocolate. – Algo que tenho pensado com frequência.
– Então venha aqui, se cubra e fale.
Não fiz o que me pediu. Permaneci no mesmo lugar, próximo a porta que levava ao corredor. O frio do sorvete se misturava com o frio que contorcia o meu estômago. Mas, como covardia não combinava comigo, levantei a cabeça e disse:
– Não quero mais tomar remédios. Nenhum deles, incluindo o anticoncepcional.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, dava para ver que processava a informação.
– Por quê? – enfim, perguntou.
– Pela saúde do meu corpo. Por mais que os comprimidos psiquiátricos me mantenham equilibrada, sei que a longo prazo eles me trarão algum efeito colateral prejudicial a minha saúde física.
– A medicina evoluiu quanto a isso, os medicamentos estão cada vez melhores.
– Eu sei, – dei alguns passos para frente. – mas nada tira da minha cabeça que meu corpo precisa de um tempo. Por exemplo; há anos tomo anticoncepcional, não sei até onde isso me afetou. E se esse troço me deixou estéril?
