Capítulo 25

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HELOÍSA

Minutos depois eu estava sentada na minha cama com o caderno dourado em mãos. Dentro dele havia o endereço, o login e a senha do e-mail que eu trocava com F.F., ou melhor, Francine Fox.

De repente ocorreu-me que eu poderia ter falhado ao acessar a conta pelo meu telefone no dia anterior. Existia o risco de qualquer hacker pé-de-chinelo invadir meus dados, ainda mais depois de ouvir Judah dizer algo sobre eu ter arremessado meu antigo aparelho no rio Tietê. Nada me garantia que a Heloísa de meses atrás foi cuidadosa a ponto de se comunicar com Francine através de um dispositivo altamente protegido. A meu ver, seria possível que sim. Sempre fui cautelosa com certas questões. Porém, havia a dúvida. Visto essa circunstância, no agora eu tomaria todas as precauções necessárias.

Também lembrei que havia uma espécie de checklist anotado no caderno, e antes que eu pudesse conferir cada item, Hans entrou no quarto.

– Achou um dos seus diários? É isso que quer me mostrar? – ele já estava com a camisa para dentro da calça e afivelava o cinto, olhando para mim. – Uma vez te perguntei o que tanto anotava nesses cadernos. Você me respondeu que eram...

– Coisas. – Completei por ele, sorrindo sem graça.

– É. – Ele sentou na poltrona para calçar os sapatos. – E eu disse que era um diário de menina...

– E eu rebati, dizendo que também escrevia possibilidades e fazia planos. – Sustentei a feição serena, mas abaixei minha cabeça.

Não era fácil lembrar que naquela noite, depois de defender sua dissertação de mestrado, ele apareceu em minha casa bêbado e confessando um pouco dos seus sentimentos por mim. Foi a declaração mais sofrida que se pode dizer e ouvir. Na manhã seguinte, ele terminou o que tínhamos e se retirou da minha vida sem olhar para trás. Agora as pontadas de angústia cutucavam meu peito. Hans e eu estávamos bem, e mesmo que à minha vista estivesse a colcha da cama amarrotada como prova da nossa nova e boa fase, rememorar a primeira desilusão doía. Não pela mágoa, pois esta já se encontrava inexistente. Era simplesmente uma cicatriz emocional.

– Sempre uma exímia e passional estrategista.

Ao ouvi-lo tranquilo e receptivo, retomei o foco.

– Mas este não é um dos meus diários. – Engolindo em seco, levantei a cabeça e fui direto ao assunto. – O quão influente Judah é?

– Na área de atuação dele? – gesticulei um sim com a cabeça. – Bastante.

– Ele pode ferrar com a carreira da minha mãe?

Hans não respondeu de imediato. Refletiu, mostrando que acabara de compreender um dos meus receios.

– A tia Mônica saberá lidar com a situação. – Por fim, expressou sua opinião. – Judah não é o único no ramo, tem concorrentes e desafetos como qualquer pessoa atuante na área dele. Existe outros empresários competentes que não pensariam duas vezes em agenciar a carreira de uma cantora já consagrada.

Fiquei alguns segundos absorvendo suas palavras. Ele tinha razão, Mônica saberia se virar, pois era isso que sempre fez na vida. Assim sendo, estava hora de começar a preparar o terreno antes de jogar a bomba.

Mansa e melindrosamente, dei início a minha fala.

– Eu tinha dezesseis anos quando fui morar com ela. Antes eu estava tão vulnerável que acabei indo com tudo numa rebeldia muito maluca. Fiquei sem limites. Fiz coisas que em algum momento da minha vida podem vir à tona e se voltarem contra mim. – Interrompi a fala brevemente para explicar-me com mais calma. Então, tomando uma longa respiração, prossegui: – Nessa época, meu pai não sabia o que fazer comigo, então ele e minha mãe chegaram à conclusão que eu, estando longe, me acalmaria. Lembro do dia que arrumei minha mala neste quarto, das músicas que tocavam na caixa de som, do caminho até o aeroporto, do avião, do sorriso forçado de uma das aeromoças e da raiva que eu sentia de tudo. Mas as imagens param por aí. Não existe Nova Iorque aqui dentro. – Apontei a minha testa com o dedo indicador. – Só existe espaço vazio e a impressão de uma adolescente revoltada. Daí vem o desconhecimento sobre a primeira vez que morei com minha mãe. Eu vivia uma fase conturbada e existe a possibilidade de eu ter dado margem a Judah. Ou quem sabe, se ele me assediou, não duvido de que eu possa ter gostado da atenção de um homem mais velho.

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