Capítulo 30

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(ainda dentro das memórias de Helô)

HELOÍSA

A vaidade foi saciada. O corpo estava satisfeito com o desejo consumado, mas meu espírito continuava aflito.

Matias era único. Apaixonante, alentador, o amante experiente, além de incansável, como se espera de um atleta profissional.

– Você é tão bonita. – Foi o que ouvi no auge do ato sexual, naqueles instantes antes do clímax, quando as mentes estão alucinadas e dominadas pela busca do prazer. Seu corpo estava sobre o meu, ambos em movimentos sincronizados como se nos conhecêssemos há mais tempo. –  Muito bonita mesmo. – Ele repetiu com tanta devoção que fiquei constrangida.

Eu deveria me considerar sortuda. Parte das minhas amigas sofriam da Síndrome do Dedo Podre. Elas tinham uma forte inclinação em atrair e se apegar a homens de caráter duvidoso. Às vezes eu ficava pensado se faltava critério na hora da escolha afetiva; talvez o excesso de carência deturpasse o julgamento do outro, pois, parecia que estabeleciam sempre um mesmo padrão de parceiros.

A única coisa que Matias se assemelhava com Hans era na aparência. No resto, existia muitas diferenças de personalidade entre os dois.

Por mencionar meu primo, foi divertido receber sua mensagem perguntado Que porra foi aquilo na sorveteria? depois que beijei André. Quase escrevi uma resposta engraçadinha, do tipo: Não é sorveteria, e sim gelateria!. Mas deixá-lo no vácuo pareceu-me mais interessante.

Afinal, se esse era todo o esforço ele que conseguia fazer para me reivindicar, a situação estava ruim para o meu lado. Ok. Ok. Vamos por partes na minha linha de raciocínio: eu tinha plena noção de que falara para Hans não interferir na minha relação com Matias. Mas no fundo eu esperava que ele fizesse o
contrário, queria que ficasse na minha cola, lutando por mim.

Pensar no quanto eu era patética e no quanto ele era um banana, fazia o sentimento de indignação crescer.

Com isso, comecei a implicar com ele das maneiras mais infantis que podiam existir. Teve uma vez que cheguei a comer quase uma travessa inteira de cuscuz de tapioca, deixando apenas sobras para ele. Engoli a gororoba por pura pirraça, e não me arrependi nem mesmo quando passei dias com a barriga inchada de tanto carboidrato. Tudo que ele falava, eu fazia questão de ir contra. Se ele preferia Cristiano Ronaldo, Coringa e as montanhas, eu escolhia Messi, Pinguim e o mar. Atingi-lo virou algo divertido, um desafio à minha criatividade.

Enfim, eu tinha um dom nato em ser pentelha.

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Dezembro terminou e em janeiro viajei com minha mãe para Tenerife, na Espanha. Foram dias tranquilos de muita praia, paella e topless. Gostei tanto do tom amorenado sem marcas de biquini que, voltando para o Brasil, dei um jeito de reforçar o bronze em meu deck. O local não era o ideal, mas pela quantidade de plantas em volta e por estar longe das câmeras de segurança, me dava maior privacidade do que a área da piscina.

Mais tarde eu teria um encontro com Matias e não queria ficar com a pele desbotada. Ele estava em São Paulo a negócios, mas não ficaria por muito tempo. Tínhamos apenas uma noite. Já fazia quase um mês desde a nossa última vez.

Foi debaixo do sol daquela tarde de verão que a minha revolta e meu coração aflito atingiram um novo patamar. Enquanto Sex Action do Crucified Barbara gritava em meu fone de ouvido, abri os olhos e, de longe, avistei uma figura conhecida.

Parado como uma estátua, Hans estava de braços cruzados. Sua cara era de poucos amigos e, em nossa troca de olhares, balançou a cabeça de um lado para o outro, reprovando a minha falta de roupa.

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