TIA CRIS
Hans carregava Helena em um de seus braços. Com a mão livre, fez sinal de silêncio e gesticulou para que entrássemos.A criança, que dormia placidamente com a chupeta na boca, estava bem cuidada. Entretanto, não dava para dizer o mesmo do meu filho mais velho. Seu semblante era de cansaço; as dermatites tinham atacado a região do nariz e uma mancha de golfo branco se destacava sobre sua camiseta escura.
- E a Helô? Onde ela está? – perguntei baixo, colocando minha bolsa sobre a mesa de jantar.
- No quarto. – Hans economizou na resposta.
Reparei que Viktor analisou o irmão com divertimento. Em seguida, colocou as mãos nos bolsos da calça e olhou ao redor. O lugar não estava tão desorganizado, mas havia um colchonete de trocar fraldas sobre o sofá, uma cadeirinha de balanço ao lado da televisão, um chocalho na mesa de centro e mais alguns objetos de bebês dispersos pela sala. Uma mudança drástica num cenário que costumava exalar muita solteirice.
- Pois é, cara... – disse meu filho mais novo ao se acomodar no sofá de braços abertos. – ... acho que agora não tem mais jeito. Helô conseguiu te enlaçar de vez.
Hans ignorou o comentário do irmão, e com cuidado, colocou Helena no moisés. Já Viktor, pegou sobre a mesa de centro algo que parecia um álbum de fotografia e o abriu.
Voltei minha atenção para meu filho mais velho e perguntei:
- Está tudo bem por aqui?
Ele não me respondeu de imediato. Primeiro, terminou de cobrir a menina. Depois suspirou, passou a mão no rosto, coçou a cabeça, arou os cabelos praticamente raspados com os dedos. Só então me encarou para falar.
- No momento, sim.
Sua resposta foi simples e honesta. Supus que o motivo do mal-estar, aparentemente superado, tinha a ver com a visita de Pamela. Eu queria ter certeza de que era só isso, mas não sabia como entrar no assunto sem revelar que André nos ajudava. Antes que eu pudesse pensar em algo rápido, Hans continuou:
- Hoje ela teve outras lembranças. – Falou com mansidão para não despertar a bebezinha, mas era nítida a sua tensão. - Lembrou da época que teve depressão, dos remédios. Perguntou por Karen e chorou quando contei como Leandro morreu.
- Cristo! Foram muitas informações de uma vez. Ela teve algum surto?
- Não chegou a isso. Helô se segurou. Apesar de ter juntado algumas roupas e mencionar que ia embora, conseguiu se controlar na medida do possível. Por fim, resolveu ficar aqui até domingo. – Ele mordeu o lábio de nervoso e continuou: – O que me preocupa é ela estar há quase três horas dentro do quarto da Helena. Não quis comer, mal responde as minhas perguntas. Parece apática. Não gosto quando ela fica assim. Tenho medo de que a depressão volte, que ela viva o mesmo inferno para adaptar com a medicação...
- Por quê? – Viktor entrou na conversa ainda olhando para o álbum de fotografia. – Caso Helô fique deprimida de novo, você vai pular fora como da outra vez?
- O que foi que você disse, Viktor? – Hans perguntou, dando um passo na direção do sofá, com o semblante fechado.
- Você é um idiota. – Meu filho mais novo falou com calma, mas o sorriso debochado de minutos atrás tinha desaparecido. Ao colocar o álbum de volta sobre a mesinha, levantou e ficou de frente para o irmão.
- Ei, meninos! O que é isso? – intervi, mas foi como se eu não tão tivesse sido ouvida.
- Você é a pessoa mais burra que conheci na vida, Hans. Tão imbecil que tenho vontade de te encher de porrada.
Sem entender, o mais velho perguntou:
- Qual é o seu problema?
- Nenhum. Quem tem problema é você, que não enxerga a sorte que tem.
- Seja direto antes que eu agarre seu colarinho e te expulse daqui. – A voz de Hans saiu baixa e entredentes.
- Por favor, meninos. Não briguem. – Tentei intervir, outra vez, quase entrando no meio deles. - Vocês não são assim. Além disso, Helena está aqui.
- Ninguém vai brigar, mãe. Muito menos perto da minha prima bebê, ou melhor, – Vik encarava o irmão. - ... não farei isso na frente da minha... sobrinha?
- Fala logo e vaza da minha casa, seu moleque. – Hans cruzou os braços e levantou o queixo.
Viktor, que poucas vezes ficava tão sério, permaneceu em silêncio por alguns segundos. Pensei que o nervosismo me sufocaria, quando, finalmente, ele decidiu começar:
- Está claro que Helô fez o álbum de fotografias que acabei de ver. Fotos bonitas, meu irmão. – Enquanto ele falava, Hans pendeu um pouco a cabeça para o lado em sinal de impaciência. – Vocês dois têm uma história, e não é qualquer uma. Nem todos têm esse privilégio. Basta olhar para mim. Veja bem, já passei dos trinta. À medida que envelheço, sou mais exigente na escolha dos meus relacionamentos. Estou ficando chato, cheio de manias. Coisas que eu não me importava há alguns anos, hoje eu me importo. Isso não é bom, porque eu quero encontrar alguém para amar, casar e formar uma família. Mas até essa mulher aparecer na minha vida, até eu entender que é com ela que eu quero ter tudo, até termos confiança, cumplicidade, até conseguirmos ler as emoções um do outro num único olhar, levará um bom tempo. – Viktor demonstrou lamento ao falar, mas não perdeu a sobriedade, estava bastante consciente. - É por isso que você tem sorte. Se a Heloísa é doida varrida? E daí? Ninguém é perfeito! Pelo menos ela nunca te expôs, nunca saiu contando as coisas que vocês faziam às escondidas! Ela te aceitou com toda a sua bagagem! Te amou pra valer! Que homem ficaria insatisfeito tendo uma mulher como a Helô?
- O que quer dizer com essa pergunta? Por acaso é apaixonado por ela? – Hans estreitou os olhos.
- Guarde esse seu ciúme fora de hora. Eu amo a Heloísa, mas como minha irmã! Então, se me der licença, quero conversar com ela agora. A sua menina costuma ouvir os meus conselhos. Tentarei limpar a sua barra porque, apesar de você ser burro, é meu irmão e eu te amo.
Enquanto meu coração batia forte, Hans permaneceu imóvel, sem esboçar reação. Viktor voltou a sorrir, e sorriu largo, do jeito que o deixava lindo por dentro e por fora.
- Ouviu bem? Eu te amo, cara.
- Tudo bem. – Hans disfarçou o embaraço com rudeza. – Mas antes de ir falar com a Helô, leve uma vitamina de frutas e a faça beber.
- Eu posso fazer a vitamina! – me ofereci para ajudar.
- Não vai dizer que também me ama, irmão? – meu caçula provocou.
- Não. – Hans ensaiou um sorriso. - Meu crédito acabou. Chega de eu te amo por hoje.
Tive que rir com essa resposta, pois, ficou óbvio com quem ele tinha gastado sua cota de Eu te amo.
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Até Breve,
Naty
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