Olá, a imagem acima e as imagens no final do capítulo me inspiraram para descrever o cenário desta cena. O Instagram das fotos é: sanctuaryhomedecor (o mesmo nome para o pinterest).
Tenham uma boa leitura.
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HELOÍSA
Eu tinha certeza de que a bancada da cozinha era de quartzo.
Fundo branco, estrias cinzas e elegante. Fria no contato com a pele, mas calorosa aos olhos por estar alinhada ao restante dos acabamentos almofadados dos armários. Em nada lembrava o estilo industrial. Havia riqueza de detalhes por todos os lados; panelas de cobre à mostra, lustres de ferro, puxadores em ouro velho, duas bancadas em ilha. Ambas retangulares e paralelas. Uma servia para refeições, a outra dispunha de uma pia central e gavetas na cor cinza metálico azulado.
Ou seria azul metálico acinzentado?
Eu estava em dúvida...
Porém, quanto ao restante dos armários provençais espalhados pelo ambiente, eu sabia que eram off-white, onde a madeira —perfeitamente emoldurada — continuava pelo rodapé até se alastrar pelo canto alemão.
Quartzo, off-white e canto alemão.
Por que eu me lembrava de coisas aleatórias quando não precisava delas? Por que minha mente devaneava tanto?
Eu deveria estar concentrada, forçando o meu cérebro a se reconectar com o passado, precisamente oito anos atrás! Rever a adolescência, voltar aos meus dezesseis; à época em que vivi com minha mãe. Apenas para entender como foi, ainda que nada garantisse segurança à minha sanidade. Aquela era uma zona escura da minha existência. O desconhecido. Como um buraco negro no qual ninguém tem certeza do que tem dentro, é preciso cruzar seus limites, é preciso se arriscar e ser ciente de que não tem volta. O ponto sem retorno.
Um ano morando em Nova Iorque, e eu só me recordava do meu regresso à minha cidade natal. São Paulo nublada, apesar do verão de fevereiro. As janelas e as cortinas fechadas do meu quarto. O gosto de fel impregnado na boca em reflexo ao meu coração esmiuçado.
Eu era como o resultado de uma estrela que entrou em colapso com ela mesma. A densidade crescente de um corpo celeste, que vai se comprimindo em meio a resistência até que fatores arredores provocam uma explosão.
O brilho intenso. A gloriosa morte estelar: Supernova.
O que vem depois? Escuridão.
Do auge a decadência.
Deus, estou com tanto medo!
Sempre ouvi dizer que, apesar do fator genético, transtornos como o meu precisam de causas externas para se desencadearem. Estava claro que alguma disfunção se rompeu na adolescência, e talvez por isso que eu enxergava um certo pesar em Hans. Foi nessa fase, quando começamos a ter relações íntimas e, em especial, depois que ele terminou comigo pela primeira vez, que reagi mal. Mas eu não poderia afirmar que o gatilho se deu exatamente ali. Não poderia e nem queria acreditar nisso! Houve um pouco de rebeldia; uma revolta fugaz de menina rica que buscou anestesiar a dor de levar um pé na bunda. Eu, assumidamente eu, fui responsável por esses atos. Hans não merecia carregar essa cruz. Não quando minha primeira permanência em Nova Iorque relevou ser conturbada! Não quando havia Judah no meio da zona escura do meu esquecimento!
Então, sentada na baqueta da cozinha, eu não sabia o que fazer primeiro. O copo com água estava pela metade. Hans esperava que eu bebesse tudo, mas não dava, chateações travavam a minha garganta.
A cada revelação, um novo grande obstáculo surgia, quando tudo que eu queria eram respostas. Isso estava me cansando, pois me exigia um esforço plurilateral. Constantemente precisava de reorganizar as ideias, buscar equilíbrio interno, não deixar que meus perrengues atingissem Helena e nem interferissem em minhas relações familiares.