1. tolerate it

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Acredito que todos temos dias ruins. Eu só tenho tido eles com mais frequência que o habitual.

Faz noventa dias que me separei.

Há quase três meses me desvinculei de uma pessoa com quem jurei que passaria o resto dos meus dias.

Ethan me traiu.
De todas as formas possíveis.

Ele tomava banhos longos para não me procurar à noite. Para que quando ele saísse do banheiro eu já estivesse dormindo. Ele não me olhava mais com a mesma intensidade, e nem me tocava com frequência.

Ethan me fez acreditar que eu não era digno de amor.

Eu não sei onde nós começamos a nos perder no caminho, mas olhando para trás, consigo ver o inevitável.

Era óbvio. Foi tão óbvio que na lua de mel nas montanhas nevadas da Escócia, eu soube. Soube naquele instante que tinha tomado a decisão errada em me casar com Ethan. Sentindo o ar gélido do outono escocês eu me arrependi de ter dito sim para aquele pedido inusitado e precipitado, quando ele se ajoelhou em frente a minha família e me pediu simplesmente para me casar com ele. Sem emoção, como se fosse um passo inevitável que tínhamos que dar no nosso relacionamento de dois anos e meio.

Lembro da minha mãe dando pulinhos animados enquanto batia as palmas das mãos. Ela sempre foi fã de Ethan.

Se ela apenas soubesse da missa um terço…

Lembro do olhar de condescendência de Gemma. Ela sempre me conheceu melhor que ninguém, e sabia que meu "sim" nada mais era do que uma forma de tentar fazer com que aquele momento fosse um tanto menos constrangedor do que se eu soltasse um "posso pensar a respeito?"

Eu amava Ethan. Eu ainda o amo. Mas tudo foi se perdendo no abismo de uma vida a dois. Todos os dias quando ele chegava em casa, eu preparava o jantar e o esperava sentado à mesa que tinha montado com dedicação e carinho, e o assistia jogar a pasta sob o sofá me dizendo que tinha jantado fora. Eu recolhia tudo, todos os talheres e louças, e colocava a lasanha ou o nhoque intocado na geladeira. Eu também não jantava, já que meu estômago parecia retorcer quando isso acontecia.

Eu o observava tolerar minha presença. E quando o tocava a noite, ele simplesmente dizia que estava cansado e com sono, e eu por diversas vezes me virei, dando as costas para ele enquanto chorava baixinho até que o sono me atingisse.

Ethan não me desejava mais. Ele já não me desejava desde o pedido de casamento, o que me fazia questionar o porquê dele ter pedido minha mão em casamento afinal.

Era tudo tão cinza, frio, e calculado...exceto quando eu mencionava a minha vontade de engravidar e ser pai. Ethan parecia se transformar em outro ser humano, algo bem mais diabólico e grotesco.

ㅡ Nós já discutimos isso, Harry. ㅡ Ele dizia com a voz fria e calculada de um analista de negócios.

Como eu odiava o fato dele me tratar como trata os seus colegas de trabalho. Como se a porra da minha gravidez fosse um sistema de micro serviço que estava em teste e não poderia ser aprovado para entrar em produção.

ㅡ Ethan, eu estou envelhecendo. Preciso me preparar para gerar um bebê. ㅡ Eu dizia tentando soar mais calmo do que realmente estava, o observando batucar os dedos sob a mesa do escritório de nossa casa. ㅡ Você sabe que quanto mais eu adiar, mas serão as chances da minha gravidez ser de risco. Precisamos repensar.

ㅡ Harry. ㅡ Ele finalmente me olhou, com seus olhos castanhos claros e frios. ㅡ Eu estou ocupado demais para falar sobre esses assuntos. ㅡ Ele desviou o olhar, voltando a fitar a tela do seu notebook.

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