EpílogoMeu coração parecia pulando enlouquecidamente no peito. Havia muito barulho, ainda que fosse pedido para que as pessoas ficassem em silêncio. Gerson me fez um sinal de que estava tudo certo e eu assenti.
Conseguia ver Rashid e minha família torcendo por mim na arquibancada. Eles estavam no espaço VIP que Rashid fez questão de comprar para me ver de pertinho. Sorri ao ver que Rashid não desgrudara os olhos de mim.
Tinham sido meses de muito treinamento e ele até tinha definido ainda mais o corpo dele conforme me ajudava também nos treinamentos. Havia feito uma alimentação equilibrada para mim nos últimos dias para que eu continuasse no peso no qual eu concorria pelo meu país.
Tinha dado certo, eu não só estava no peso ideal como estava me sentindo com muita energia para lutar até o fim.
Aquela era a minha última luta. Tinha sido um caminho longo até ali. Tive que lutar contra muitas competidoras de outros países até conseguir a posição na qual agora me encontrava. Era a minha última luta, mas certamente uma das lutas mais importantes, pois ela definiria quem ganharia a medalha de ouro.
Limpei o suor do meu rosto que era abundante e ajeitei o hijab de combate que eu estava usando, firme. Nesse meio tempo eu havia me tornado muçulmana, digamos que o Sheikh Mohammed Rashid, pela sua atitude paciente e pelas suas belas palavras e por todo o auxílio que tinha dado a mim e a Rashid havia me convencido de aceitar Deus através do islã.
Ajeitei minha roupa e amarrei a faixa preta novamente antes de adentrar o tatame. A minha oponente era uma jamaicana tão forte e batalhadora, ao que parecia quanto eu.
Nos cumprimentamos como sempre fazemos em respeito antes de começar uma batalha. O árbitro nos cumprimentou também e então iniciou a nossa competição. Nossas primeiras ações foram tentar buscar a barra do kimono para começar os golpes que passamos dias treinando.
O judô é um treino de paciência, mas também de ver nos pequenos detalhes. Alguns oponentes não ficam tão focados o jogo todo como acreditam que ficam. É necessário apenas um segundo de um piscar mais longo para que entremos com um dos golpes que treinamos durante anos para realizar.
O foco era fundamental, ainda mais pela competição pela medalha de ouro.
A minha oponente parecia estar tão atenta a isso quanto eu.
Ela tentou realizar um golpe ippon, o qual me derrubaria no chão e eu precisei agir tentando também derrubá-la com isso.
Estava soando até a última gota da minha alma ali e a jamaicana também estava no mesmo nível de suor. O problema? O suor deixava as nossas mãos mais escorregadias e isso deixava mais difícil que conseguíssemos completar os golpes que valiam três pontos e poderiam nos levar à vitória que tanto queríamos.
O tempo continuava correndo.
Consegui derrubar a jamaicana no chão, mas ela logo se protegeu para que eu não a virasse e conseguisse o ponto completo. Comecei a tentar virá-la de frente, o que daria mais um ponto para mim, mas ela estava tão ferrenha no ponto quanto eu. Não queríamos abandonar de jeito algum as nossas últimas forças.
O árbitro precisou apitar para que voltássemos a ficar de pé e voltássemos ao jogo e assim fizemos. A jamaicana tentou me derrubar com um golpe parecido que eu realizei, mas eu também tentei fazer o mesmo e ficamos em um impasse.
Começamos a puxar a camisa uma da outra, mas o jogo estava quase empatado. E o tempo corria. De soslaio olhei e percebi que Rashid torcia para mim. Havia um sorriso no canto dos seus lábios. Era quase como se ele já soubesse que aquele jogo era meu e que eu venceria.
Bem, eu havia prometido a mim mesma, primeiro, que venceria e levaria aquela medalha de ouro para casa. Eu tinha forças, eu tinha garra e eu era merecedora. Eu podia conseguir o que queria.
Motivada mentalmente o suficiente, aproveitei que a jamaicana veio tentar um golpe em mim e aproveitei do empenho que ela tinha que usar do próprio corpo para isso para pegá-la e derrubá-la com tudo no chão.
Houve uma gritaria incomum e o ponto parece que me foi dado. Só entendi a gritaria realizada quando voltei a posição de combate achando que o jogo continuaria, pois ainda não havia alcançado os pontos para finalizar, tampouco achava que o tempo tinha acabado, quando o árbitro levantou a minha mão indicando que a vitória tinha sido da minha parte.
O tempo havia acabado, ao que parecia.
Fiz uma vênia em respeito a oponente e até apertei a mão dela, mas logo comecei a pular de felicidade para fora do tatame sem acreditar. Não, era demais para acreditar. Mais parecia um sonho do qual eu certamente não conseguia me ver acordando.
Pisquei diversas vezes e abracei Gerson sem acreditar. Ele também parecia muito feliz sem acreditar tanto quanto eu.
― Você conseguiu Malena! Caramba, você conseguiu mulher!!!!! É Brasil, conseguimos!! ― E eu realmente não conseguia acreditar nisso enquanto me sentia em plenas nuvens.
Era demais para um atleta que passou pelo tanto que eu tinha passado no meu último ano, mais precisamente nos meus últimos 8 meses de treinamento.
Quando subi no palanque e recebi a minha medalha de ouro, foi com muitas lágrimas nos olhos que acabei me ajoelhando perante todos e agradecendo a Deus por aquela vitória em minha vida. Nada disso teria sido possível, mesmo com tanto empenho nos últimos meses de treinamento, se Deus não tivesse realmente abençoado para que isso fosse possível.
O hino do Brasil começou a tocar e eu me levantei novamente para cantar com todos os brasileiros que orgulhosos como eu agradeciam por serem brasileiros e não desistirem nunca, independentemente das dificuldades que se fizessem presentes na vida.
― Obrigada senhor. ― Agradeci a Deus mais uma vez antes de ver Rashid novamente sorrindo ao longe e piscar. ― Obrigada por todas as surpresas que o senhor operou na minha vida.
E essa era a mais pura verdade. Eu estava realmente muito feliz por tudo o que tinha sido operado na minha vida, por tudo que Deus tinha gerado e por mesmo diante de todas as dificuldades, ele não ter nos abandonado em momento algum.
Eu agora era uma medalhista de ouro pelo Brasil.
Mas também tinha sido agraciada com uma medalha de ouro no amor.
Na família.
Em todos os aspectos da minha vida.
E por tudo isso eu era realmente grata.
FIM.
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Golpe Certo
RomanceConsequência de um passado conturbado, Rashid tem problemas quando decide beber, perdendo as estribeiras no que fala e faz, seja com mulheres ou homens. Ele não esperava encontrar seu inimigo quando conheceu a única mulher que achou que seria capaz...