50-A caçada do coiote

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Tito sentiu o rosto se chocar contra o piso violentamente, causando eco entre as paredes do imenso espaço.

Imediatamente, Tirso e Baltazar o localizaram, o rapaz já exausto e sem esperança, sentiu o gosto amargo da morte invadir novamente sua garganta, porém desta vez, não poderia ser ressuscitado, não haveria guardião dos ventos ou uma alma que pudesse ser oferecido para trazer a dele de volta, não haveria claridade ou a luz no fim do túnel... restava apenas dor e escuridão, a aceitação do seu martírio fim.

Quando o jovem pensou em mover seu frágil corpo para longe dali, na tentativa de pelo menos chegar até o cadáver de Nerfa e despedir-se dela, totalmente desolado, sentindo-se a criatura mais desgraçada e miserável que já existiu —, por não conseguir fazer nada por ela, por não conseguir ter a oportunidade de lhe agradecer cada nova aurora que passaram juntos, cada refeição, cada toque especial, os cuidados, o amor que ela lhe deu...

— Me perdoe, me perdoe, Nerfa. — Ciciou o infeliz rapaz que mal conseguia abrir completamente seus olhos encharcados, não somente pelas lágrimas, mas também por tantas lembranças destruídas, tantas palavras que viraram poeira, tanto tempo que poderia ter usufruído com mais proveito, por ventura ele sabia que estava na hora de dizer adeus aquele mundo.

O mundo dos titãs e dos humanos.

Mundo esse que veio à ruínas.

Quando Baltazar levantou a espada para cortar o corpo do humano já entregue a morte inevitável. Um estampido feroz surgiu, fazendo-o ser lançado contra uma coluna com tanta intensidade, que ela se rachou ao meio, Tirso também voou violentamente, parando em algum lugar do corredor, entre os cacos de vidraça quebrada.

A criatura que entrou, rodopiava feito o bater de asas de um beija-flor, cem vezes por minuto era pouco para deduzir aquela velocidade do movimentar dela.

— Olá! Escória. — Cumprimentou a voz impactante, em uma serenidade letal.

Tito não quis olhar por cima do ombro e ver quem era aquela que podia ser a salvação, assumindo o "dever", que foi lhe enfiado garganta a dentro, injustamente.

— Sentiu saudades, Baltazar? — Debochou a inesquecível voz, enquanto aquela silhueta movia-se em direção à ele, sem errar um passo, sem desestabilizar seu foco visual nele, lançando espinhos pelas pontas dos dedos pálidos nos homens do exército dele, que avançam na tentativa de matá-la, impedindo que chegasse até o seu general.

— Você destruiu toda minha corte, como devolução, irei arrancar seu coração do peito e mastiga-lo enquanto ainda bater. — Jurou a sedenta e perversa mulher dos cabelos escuros.

A extensa trança arrastava no chão de tão longa, os pés dentro das botas de couro eram reconhecíveis em qualquer lugar...

Azaya? — Proferiu Tito, incrédulo.

O pobre infeliz segurava o busto de Nerfa em seus joelhos, acariciando o rosto jovial da belíssima mulher féerica, morta.

Podiam passar anos, ele envelheceria e ela continuaria jovem e ¹etérea, impecável e fascinante, como uma estrela que surge toda noite sob a imensidão do céu, despretensiosa, admiradora da terra, queimando a quilômetros de distância e jamais sentindo-se insuficiente ou abalada.

Era ela a estrela daquelas terras.

Ela quem brilhava por todos naquela cidade tenebrosa. Era o sopro da vitalidade.

O findar do martírio e da solidão eminente.

— Sua ¹vil! Irei caçar-te, arrancar tua pele dos ossos e empalar tua cabeça em uma estaca, na lareira dos meus aposentos! — Replicou o homem tatuado, que não cansava-se de agir de maneira tão desprezível e covarde —, num pulo ligeiro, estava de pé — pronto para lutar com a mulher dos braços cobertos por tinta vermelha de fonte desconhecida.

— Teu coração será apenas mais um! Em minha coleção de órgãos e cadáveres! — Esbravejou Azaya, empunhando a espada do seu boldrié e partindo para cima do homem de cabelos brancos molhados.

— A diferença entre eu e você, é que eu não demoro a sentir o gosto do sangue! — Azaya acrescentou, tão determinada a matá-lo, que derrubou os guerreiros dele em um rodopio único, os lançando contra os vitrais ali e os fazendo cair lá embaixo no solo destruído que agora estava em chamas.

Azaya tinha astúcia nos momentos, cada golpe era prejudicial suficiente para deixar o oponente em desvantagem, ferido drasticamente. Ninguém entraria no caminho dela, ninguém seria imbecil o bastante para impedir o juramento dela de ser cumprido —, seria em vão tentar também, afinal, Azaya mataria sem piedade alguma, quem ousasse ter essa audácia estúpida.

— De fato, não aprendeu nada em tantos anos de treinamento nos campos! O que lhe ensinei? Não usou nada disso em seu planejamento de ataque, ruivinha? — Baltazar girou a espada e quase a acertou no olho direito da mulher sardenta, que desviou por um centímetro.

— Aprendi que nunca deve-se atacar seu inimigo com seu melhor golpe, no começo da batalha! — Debochou ela, da atitude impulsiva dele que o tornou estúpido, o deixando em más estratégias futuras, Azaya puxou a lâmina de trás das costas após erguer rapidamente e deu uma cabeçada na testa dele, Baltazar foi arremessado longe —, o golpe foi planejado e tão veloz, que o guerreiro mal pode pensar em defender-se antes de ser atingido.

Foi burrice a dele, usar seu melhor golpe por pura soberba, achando que poderia vencê-la naquele momento. Erro drástico que lhe custou a perda da espada do cabo de bronze.

— Rasteje seu rato imundo! — Ordenou a mulher do olhar de coiote, o semblante fúnebre lhe corrompeu, Tirso avançou nela —, porém, foi derrubado com um tapa no ar que atingiu em cheio seu maxilar, o quebrando no mesmo instante.

Quem visse aquela esguia mulher, que tinha nariz fino, lábios proporcionais e aspecto adorável e simpático, não imaginava o quanto era sanguinária e firme em seus propósitos. Não acreditavam que pudesse ferir alguém a ponto de moer os ossos e fazê-los de enchimento para sacos de estopa, por tédio ou diversão.

O homem do casaco de couro com pele de lobo branco na gola, levantou-se rapidamente, cuspindo a bola de sangue que incomodava sua garganta, sob o piso polido que reluzia sua imagem.

Partindo em direção à Azaya, que queria matá-lo com suas garras vermelhas e pontuadas que perfurariam um crânio facilmente —, se os dois batessem de frente (o que pretendiam, correndo em uma linha única, um rumo ao outro) causariam um colapso catastrófico para aquele local.

Não devido à magia, pois usariam apenas a estrutura para matar um ao outro, mas sim porque aquelas criaturas tinham no mínimo 2,20 metros de altura, então o palácio poderia desabar na cabeça do pobre rapaz que tentava lutar contra sua vertigem, contra a culpa e o fracasso.

Suor gelado escorria pela pele negra clara dele, fazendo suas vestes sujas devido aos escombros caídos do teto, ficarem ensopadas, seu corpo já não respondia a seus comandos, seus ossos pareciam desmanchar, náusea subiu a garganta.

Esperança morta.

𝗔 𝗧𝗶𝘁𝗮̃. [Finalizada] Onde histórias criam vida. Descubra agora