33-Tilintar de espadas.

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O raiar do sol mal havia chegado, galos cantavam fazendo arder os ouvidos do humano que mal conseguiu dormir a madrugada toda, ansioso pelo treino.

— Bom dia querubim, vamos, temos muito treino pela frente. — Disse Nerfa, entrando no quarto a passos rápidos e decididos.

Tito suspirou cansada, abatido demais.

— Tem que ser hoje? — Se fez de manhoso, afundando o rosto no travesseiro babado.

— É óbvio que sim! A guerra não espera você docinho, você espera por ela, e se prepara para não levar coice, agora vem. — Nerfa respondeu entusiasmada, procurando algo pelos cantos do quarto.

Tito bufou indignado, mas levantou.

— As profundezas vermelhas foram atacadas ontem, levaram maior parte das espadas e equipamentos de guerra. — Falou Nerfa, se aproximando dele e lhe dando roupas limpas dobradas e cheirosas.

Tito não pode deixar de reparar no boldrié dela, que a deixava parecendo maior corporalmente e também fazia com que intimidasse ainda mais qualquer um.

Os cabelos brancos como os da irmã, estavam presos em uma trança firme, a pele sem nenhuma pintura e os olhos vermelhos pareciam brilhar ainda mais.

— Você mora sozinha nesse palácio? — Perguntou Tito após tossir, ficou resfriado após o voo dos dois no dia anterior que chegou a cidade dos tormentos.

— Está é uma pergunta para outra hora, anjinho, agora vista-se, espero lá fora para tomarmos café. — Desconversou gentilmente e saiu movendo os pés dentro das botas por toda extensão do cômodo, Tito notou o tanto de armas já guardadas na armadura da titã anfitriã da casa.

Tito e a mulher da mesma altura que ele, tomaram café e depois que ele foi ao banheiro, os dois saíram rumo ao treino

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Tito e a mulher da mesma altura que ele, tomaram café e depois que ele foi ao banheiro, os dois saíram rumo ao treino.

Cada passo se tornou um sacrifício para o corpo exausto do rapaz negro, ele sentia a secura da garganta estalar fortemente.

— Quer que eu te carregue? — Nerfa ofereceu gentil, vendo o estado precário do pobre coitado que estava tão magro que seus ossos da costela apareciam sob a pele.

Tito cogitou resmungar, porém, conteve-se.

— Acredito que você esqueceu que tem mais energia que eu, Nerfa. — Murmurou ele ofegante por subir aquela íngreme montanha usando uma picareta, junto dela.

Nerfa não respondeu.

Quando chegaram no topo, ele quase sentiu que ia despencar, suas coxas ardiam por tanto esforço físico, ele sentia que o coração logo explodiria caso não parasse imediatamente —, seguindo a abaixo daquele espaço da montanha rochosa, corria um infinito rio pelo horizonte — o fato macabro era que não era feito de águas cristalinas comuns..., mas sim de sangue, espesso e puro, e cheirando a ferro-velho.

Aquilo facilmente poderia ser cenário de almas despejadas, crânios partindo-se ao despencar e sumir no nevoeiro que cobria as ervas daninhas e musgo presentes ali, junto dos galhos secos e árvores quaisquer.

Amargura tomou a boca do humano.

— Aguente firme limãozinho, iremos começar agora. — Ponderou Nerfa, empolgada como se aquilo não fosse nada que fizessem olhos arregalar e pernas tremerem, aquele horror era comum a titã —, o ressuscitado anêmico quase vomitou.

— Não sei se posso aguentar... estou exausto Nerfa, isto foi uma péssima ideia. — Expressou Tito trincando os dentes, ele não sabia ao certo se a féerica dos olhos vermelhos tinha lhe colocado expectativa suficiente ou se estava só querendo matá-lo na unha mesmo —, patético pensar que o infeliz rapaz podia escalar aquela montanha e ainda ter forças para treinar.

Os dois colocaram-se em pé e Nerfa puxou a espada com cabo revestido em joias vermelhas, de ouro entalhado em curvas leves e rústicas —, Tito tentou preencher os pulmões de ar para puxar sua espada também —, aquilo era insanidade pura.

— Acredita mesmo que eu sei lutar com uma espada Nerfa? Pelo amor. — Expressou aborrecido, ciente de que mal sabia empunhar a arma no ar sem desequilibrar, ele era um desastre, inapropriado para tal coisa como uma coruja para caçar um jaguar ou um javali selvagem.

Contudo, Nerfa não demonstrou desconfiança nele, tampouco hesitou em continuar com aquilo, era a única que não o tratava feito um imbecil imprestável e fraco, pelo contrário, parecia achá-lo igual a ela ou a sua irmã e as guerreiras titãs.

Movendo um pé para trás e curvando levemente o joelho direito, Nerfa tornou o olhar desafiador e sombrio —, envolvendo com firmeza os dedos no cabo da espada.

— Em posição, segure firme, Tito. — Ordenou friamente, referindo-se a espada, o rapaz dos cachos brilhantes quase tombou para o lado ao tentar erguer a espada a frente do rosto cheio de pintinhas, a uma distância considerável para não ferir a si próprio e acabar estragando tudo.

O gosto metálico invadiu o céu da boca, as articulações dele travaram, não podia esquecer-se do que havia passado nos últimos dias... fora assassinando por uma lâmina parecida com aquela, que rasgou seu pescoço sem nenhuma piedade —, o esforço da sua amiga titã que não saia de seus pensamentos limitados, para trazê-lo de volta... tantas coisas o afligiam.

A saudade dos pais e até dos irmãos ordinários e preguiçosos dele.

— Tito! — Nerfa o tirou da hipnose particular quando lhe cutucou no braço.

— Não consigo... por favor... — A voz resfriada quase virou um chiado, suplicando por compreensão dela.

Nerfa desamarrou o cinto do boldrié onde ficavam as adagas e outros adereços e suspirou cansada, parecendo com preguiça daquela situação, os ventos frios que engoliam o corpo dele amenizaram —, as sombras delas não fizeram menção de aparecerem ali, enroscando nela.

— Tudo bem, tentamos novamente amanhã, mas, terá que prometer se esforçar... pela sua família, por você. — Nerfa apoiou a mão no ombro rígido dele.

Tito assentiu e a encarou por quase um milênio, em seguida em um ato impulsivo de carência e gratidão, envolveu ela em um abraço apertado e caloroso demais.

O ato a deixou surpresa, estática por segundos incontáveis, até que reagiu.

— Eu não entendo por que me trata assim... não fui nada agradável quanto te conheci e mesmo assim... — Tito buscou entender, ainda abraçado a ela, sentindo os fios brancos roçarem em sua bochecha.

Nerfa afogou o rosto no ombro dele, como se quisesse sentir o cheiro dele, seu calor.

— Porque você é bondoso e nobre, inocente deste mundo tão horrendo, puro de coração... valente e doce. — Respondeu ela com doçura, baixinho no ouvido dele.

Tito não conseguia enclausurar a ideia de que ela era uma daquelas que escravizada seu povo menos favorecido há anos, que por causa deles a economia dos mercados como; pesca, caça, peles e ferreiros. Havia sido tão prejudicada e agora viciam na miséria —, pensou em como sua família estaria vivendo a mercê disto em Varselha, sua aldeia do outro lado da muralha.

Ela tinha a beleza gentil de Velancia, mas um vestígio de escuridão apagava o brilho que poderia igualar-se ao da tal fada.

Tito preferiu não acreditar naquilo, afastar aqueles pensamentos de que ela era igual, igual a Iduna, igual a Azaya, a Amenade.

𝗔 𝗧𝗶𝘁𝗮̃. [Finalizada] Onde histórias criam vida. Descubra agora