44-Estilingue

15 4 10
                                    

Amenade acordou antes do galo cantar pela terceira vez consecutiva, vestiu seu conjunto de calça e camisa de veludo azul-escuro, bebeu um pouco de chá e partiu com sua irmã Ierra rumo ao outro lado da muralha, onde o povo humano vivia em miséria e sem saber do possível ataque que sofreriam logo logo, quando Baltazar se recuperasse do golpe da guerreira Iduna.

— Você o ama? — Ierra perguntou, descendo do seu gigante cavalo.

— Incondicionalmente. — Respondeu ela com olhar cabisbaixo, puxando a rédea para que o seu alazão preto brilhante parasse e ela descesse do belo animal.

Ierra bebeu água de sua garrafa de cerâmica bege e guardou de volta na lateral da cintura em seguida, dando a mão para a irmã e a ajudando a descer do manso cavalo. Amenade suspirou triste quando pisou em terras humanas.

Na casa de Jael.

— Boa tarde, Jael. — Cumprimentou ela ao pisar na porta da casa do velho homem.

Ierra lançou um olhar antipático a ele.

Jasé e o irmão ficaram a alguns metros de distância, atrás do pai deles, por segurança, pois somente o olhar de Ierra os fazia tremer. Ela sentiu odiou imensurável quando soube da história de Tito com eles.

O quanto era injusto com um rapaz tão novo. Ser responsável por tudo na casa.

Ierra soltou um sorrisinho de canto ao pensar em uma coisa.

— Bu! — Ela se movimentou de maneira inesperada e assustou Joanatabe que deu um pulo para trás todo se tremendo.

Ierra começou a dar risada e Amenade revirou os olhos por ver a irmã ser tão imatura quando queria. Jasé bufou do outro lado, achando aquilo desnecessário.

Jael apenas ignorou enquanto conversava com Amenade. Já sabia que os filhos eram medrosos e não dava muita importância.

— Talvez ele me mate, não tenho como prever... Então quero que diga ao seu filho, caso ele retorne da cidade dos tormentos após isso... Que eu o amo muito. — Falou Amenade segurando as lágrimas nos olhos.

— E que nunca irei esquecê-lo. — Acrescentou a titã, sensível demais agora.

Jael pegou a carta que tinha nas mãos dela e não disse uma palavra sequer. Acreditava que aquela relação jamais daria certo, teria um fim trágico, não queria isso para Tito.

Ierra apenas aguardava em silêncio letal.

— Quando ele descobrir, tenho certeza que não mudará nada que sente por você, rainha titã. — Falou Jael, com um olhar sábio dirigido a mulher alta em sua frente.

— Os sentimentos dele já mudaram há um tempo considerável, e não foi por mim... — Ela não terminou a frase que lhe doeu dizer. Amenade olhou pela última vez para os irmãos do caçula, que poderiam ser seus cunhados, caso as coisas fossem diferentes.

Ela havia mandado Tito para Nerfa de propósito, para protegê-lo. Jael acenou lentamente, a rainha acenou de volta com o rosto inexpressivo, se despedindo do homem. Ierra estranhou aquilo, porém ficou em silêncio por minutos, até dizer em meio a cavalgada de volta a Sportarend:

— Se o ama, por que o deixou ir para os braços da nossa irmã, Amenade? — Ierra realmente não entendia, queria entender.

Amenade levantou a mão e puxou uma maçã do galho da macieira que quase lhe acertou a cabeça, quando passava debaixo.

— Iduna te atirou uma pedrada na cabeça com um estilingue, quando se conheceram, deixou de amá-la por isso? — Questionou Nad afastando os fios do cabelo branco para trás dos ombros, Ierra deu risada.

— É claro que não, aquela praga é tudo para mim. — Confessou Ierra, olhando para o horizonte alaranjado que já ia embora.

Era o jeito de Ierra de demonstrar amor.

Amenade lembrou-se do beijo que os dois deram, o toque dele, o cheiro, tudo nele lhe fazia sentir sentimentos novos e intensos, e mesmo que não pudesse tê-lo, ainda queria protegê-lo do mal que viria hora ou outra.

Mesmo que agora Nerfa pudesse ter ganhado o coração tão bom e honrado do rapaz humano, Amenade ainda o amava.

E não deixaria que o machucassem.

— Exatamente por isso, eu não posso arriscar deixá-lo aqui, não quando Baltazar está se preparando para atacar com a ira de sete mares e vendavais... Tito não merece. — Amenade ponderou de cabeça baixa.

— E nós merecemos? Este é seu erro irmã! Fazer sua felicidade ficar para trás, te colocar em segundo lugar sempre! — Ierra esbravejou furiosa, achando errado aquilo.

Amenade conhecia a irmã mais nova, e sabia que assim como Denala, ela pensava primeiro em si, depois em terceiros. Porém, um coração nobre não fazia deste modo.

Tito era jovem demais para entender tudo, para passar por tudo aquilo, e o que Nad menos queria era vê-lo sofrendo por um destino que não escolheu, tampouco quis.

Nad podia terminar sem o amor dele, seguiria sua vida, mas, não poderia conviver com o peso de uma morte inocente devido à sua insistência em mantê-lo por perto, em trazê-lo para Sportarend e deixá-lo sofrer nas mãos de outras titãs... Como Baltazar e Tirso.

— Quando eu o beijei, me senti nas nuvens, ele é tão doce e amável... Por um minuto, eu não era a rainha de Sportarend, somente a Nad, a Nad que ele admirava, que ele gostava, entende? Ele é tão pequeno e frágil... Curioso, corajoso e bondoso. — Amenade declarou tudo que sentia, mesmo que não diretamente para o humano.

Ierra entendia em parte aquele sentimento.

Pois, amava Iduna demais também, por mais que vivessem trocando farpas e às vezes até se agredindo feito duas gatas furiosas uma com a outra. Arrancando cabelos e dando puxões e beliscões.

As duas se olharam com a compreensão única que somente elas tinham entre si.

— Por que não diz isso a ele? Voltará hoje. — Ierra soube porque usou seus poderes telepatas para avançar algumas horas no futuro, dentro de sua própria mente, e ver.

Amenade suspirou frustrada.

— Não adianta mais, já é tarde... Nerfa e ele estão juntos, eu sinto que ele está a cada vez mais longe. — Amenade disse em tom baixo, abafado pelos ventos do inverno rígido que já começava a derramar neve dos céus e cobrir as estradas paralelepípedos e os animais delas.

— Nunca é tarde para confessar amor. — Replicou Ierra mexendo nos cabelos crespos e igualmente brancos como os da irmã —, as duas mulheres pararam de falar e impediram os cavalos de continuar o trajeto quando o instinto de Nad indicou que havia algo errado... Alguém se aproximando delas. A titã puxou a espada prateada com cabo de bronze e metal da cintura, em um movimento ligeiro e preciso. Ierra puxou a flecha da bolsa nas costas e tirou o arco preso nas cordas do cavalo, preparando-se para atirar caso fosse necessário ferir o inimigo ali.

— Não vou permitir que ele machuque você ou Iduna, novamente, vou matá-lo com minhas próprias mãos se necessário. — Informou a titã das roupas de couro bege escuras, o olhar mortífero nos olhos azulados feito duas pérolas grandes dela se dirigiu a todas as direções que o inimigo poderia usar em sua vantagem para atacar.

Amenade desceu do cavalo rapidamente, seus olhos soltando lampejos de magia roxa. Trovões começaram a invadir os céus acinzentados acima das duas irmãs.

— Mate-o e queime o corpo. — Ordenou friamente, segurando firme o cabo da espada que usaria para matar os inimigos.

Os corvos presentes nos topos das árvores daquela estrada que elas passavam, saíram voando e fazendo barulho, fugindo de algo... Ou melhor... Alguém.

Animais de todos os tipos, escondidos em arbustos e outras vegetações, também começaram a surgir, fugindo desesperados.
_________

Baltazar na mídia.

𝗔 𝗧𝗶𝘁𝗮̃. [Finalizada] Onde histórias criam vida. Descubra agora