II

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Marcello Bacchi já esperava a convocação de seu genro para uma conversa.

Os dois não tiveram diálogo algum durante o velório e o enterro de Irene, não por algo similar a respeito ao luto de pai, mas porque ele conhecia bem a personalidade de Vittorio e o ódio indisfarçável do capo durante toda a cerimônia, além das histórias que ele já ouvia. Os membros do conselho já tinham sido informados sobre as últimas palavras de Irene – e ele estava com problemas, já que agora, sua posição como um Bacchi confiável estava sob suspeita.

O velho capo era um dos membros mais antigos do conselho, um dos Bacchi que ainda podiam ser tratados com cortesia, considerando que o outro ramo da família estava se desfazendo em meio à guerra do tráfico. Marcello era um homem de mais ou menos 65 anos, mas que não aparentava a idade que tinha. Jovial, sequer tinha a famosa "barriga" que se desenvolvia entre aqueles que apreciavam bebidas alcoólicas: ele dizia ser fruto de exercícios, mas poucos sabiam que ele se submeteu a lipoaspiração. Os cabelos eram grisalhos, mas quem olhasse com mais calma perceberia implantes capilares acima da testa lisa, indicando o uso de botox.

Ele tinha olhos verdes translúcidos, muito parecidos com os olhos de sua filha mais nova Carmela. Irene, por sua vez, era bem mais parecida com a mãe, a falecida esposa de Marcelo.

- Buongiorno genero...

- Bom dia, Marcello. Aproveite e deixe de me chamar de genro. Afortunadamente, não terei mais nenhuma relação familiar contigo.

- Compreendo que minha filha cometeu um erro e-

- "Erro" é escrever que dois mais dois é sete. O que ela fez foi trair a famiglia. Não quero ouvir desculpas.

Vittorio não parecia muito disposto a conversar de maneira leve ou amistosa. Marcello deveria conduzir aquele encontro com um pouco mais de tato – e ele era bom naquilo.

- Sei que Irene... Ela nunca aceitou bem o casamento, mas... Não podia acreditar que ela seria capaz de pagar um bandido, um atirador, para te matar.

- Ela disse que não estava sozinha. Não quis me matar apenas porque me odiava. Ela mesma reforçou essa informação. Disse ainda "o homem que contratamos". Ela e quem, exatamente?

- Infelizmente, eu não sei, Don Santini.

- Você é o pai dela e não sabe? Onde está a boa relação familiar? Você praticamente beijava o chão que a maledetta pisava.

- Entendo que esteja chateado com o que Irene fez, mas isso não te dá o direito de falar assim sobre minha filha-

- Aquela puttana? – Vittorio deu de ombros. – Continue defendendo a traidora e eu vou começar a desconfiar de você.

O capo dei capi deixava registrado que não acreditava muito nas palavras de seu sogro. Ele imaginava que Marcello sabia de algo, e como protegia Irene, atendendo a todos os seus caprichos, não ficaria muito surpreso se ele tivesse guardado informações importantes. Marcello era bem conectado, os Bacchi possuíam soldados fiéis, um deles, desconhecido de Vittorio, poderia ser o atirador.

Como não poderia confiar nos Bacchi, tampouco no conselho (que considerava Vittorio muito jovem e sanguíneo para ser o chefe de todos os chefes), ele decidiu convocar soldados de confiança dele, para ficar de olho nos movimentos de Marcello.

Faria a seleção assim que o ex-sogro saísse do escritório.

- Bem, acredito que assim que o luto passar, você decidirá casar outra vez, acredito eu.

- Sim, naturalmente. Ainda não gerei meu herdeiro, e tenho um acordo com Ivan Aquino.

- Então, poderemos manter a tradição das famílias, correto?

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