Vittorio Santini ainda se lembrava de como surgiu o plano para morar em Queimadas ao lado de Mercedes.
Tudo foi definido aos poucos: desde a gravação da voz de Mercedes pedindo clemência e gritando, a fim de ser utilizada durante a falsa tortura que os traidores teriam de ouvir; a participação dos membros do núcleo duro, todos alinhados no plano, fingindo variarem na "tortura"; além da inclusão de um grande pedaço de carne, que Vittorio usou para obter a reação dos traidores ao verem as mãos machucadas do capo.
- Vi em um filme, "Rocky". Rocky esmurrava pedaços de carne para treinar. – explicou o capo, estranhamente bem-humorado.
Outra coisa que fazia parte do plano era a localização da sala de interrogatório no Complexo. Mercedes foi levada até aquele lugar, mas não ficou "ali": um dos soldados conduziu a jovem até a saída dos fundos do Complexo – o mesmo local por onde Bertinelli fugiu horas depois – onde um carro a esperava. O veículo pertencia a alguém ligado a máfia, que a levou até uma pousada em Itacimirim, pé na areia.
Enquanto isso, foi colocada no lugar da contadora uma estátua em tamanho real de Mercedes, porém feita com um material plástico, como se fosse uma boneca inflável. Os traços eram muito parecidos, porém com uma diferença: essa estátua já tinha todos os machucados e ferimentos indicando que ela estaria morta.
O escultor que ajudou na construção da estátua foi justamente o homem que criou modelos masculinos, pago por Régis Gonçalves, para ajudar Mercedes na adolescência a entender mais sobre outros corpos.
Quanto a Vittorio, ele fugiu por um barco ancorado na praia, também com o apoio de um membro da máfia, desta vez um soldado de Bertinelli. Eles seguiram de barco no meio da noite, mesmo sabendo o perigo que apresentava, até mesmo passando próximo da foz de um rio...
- Não se aproxime, passe longe...
- Esse encontro é perigoso, capo?
- Non lo so! Não quero arriscar! Vai logo e não me irrite!
Prosseguiram assim até se aproximarem da área de praia, justamente na parte privada, vizinha à pousada onde Mercedes estava hospedada.
- Cheguei! Foi bem divertida minha presença por lá! – Vittorio surgiu às costas de Mercedes, sentada na ponta de uma cama, trêmula, os dedos cruzados uns nos outros como se estivesse rezando.
A jovem deu um ligeiro pulo, respirando profundamente.
- Pensei que o signor não voltaria... Eu consegui ouvir o som dos outros capi... Se aproximando... Temia que eles quisessem me torturar de verdade...
Vittorio sentou-se ao lado da jovem, colocando a mão em cima dela. Observou o quanto era grande e dominante em relação às mãos suaves de Mercedes, o que o fez repentinamente cruzar as pernas, preocupado com algo.
- Nunca a deixaria só, Mercedes. Nem que fosse ao inferno, eu a arrancaria de lá.
- O senhor não devia exagerar desse jeito... – Mercedes falou baixo, ainda controlando sua respiração, mas não era por conta da tensão pela espera. Apenas a possibilidade de uma proximidade tão perceptível entre os dois, sem as amarras de suas reais posições dentro da máfia, e as palavras ditas por Vittorio com tamanha segurança, a deixavam nervosa.
Não deveria ser assim, mas como controlar o coração?
- Eu nunca exagero. Agora vamos logo, essa pousada é uma pocilga.
- Signor, me parece ser bem grande e a cama macia.
- Isso aqui é um muquifo, Mercedes, você não vai respirar neste lugar nunca. Eu não vou permitir. Vamos logo embora!
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Glacial
RomanceCAPÍTULOS TODAS AS QUARTAS Vittorio Santini é um homem frio como gelo, calculista e tão temido quanto odiado. Um mafioso violento, escondido sob a fachada de empresário de uma rede de hotéis na Bahia, acredita ser capaz de controlar tudo - até o di...