Capítulo 7 - Karina
Me choquei com força em um corpo estranho. O grito que saiu dali parecia assustado e desconexo. Aquela pessoa ergueu os braços e me jogou uma bolsa. O material duro chocou com o meu rosto e caiu no chão. Ela gritou até ficar sem fôlego e então outra quase igual a ela apareceu.
― Para de gritar, Tina. ― A outra me olhou. ― Sai daqui pivete. Se não quiser levar uma coça.
― Desculpa.
Dei dois passos para trás, ainda chocada por causa daquelas maquiagens circenses e os cabelos volumosos em cores chocantes. Um vermelho e o outro azul. Seus olhos cheios de cílios se arregalaram.
― Oh! É uma menininha! ― A Drag Queen mais alta de cabelo azul disse.
Revirei os olhos, cruzando os braços. Já era difícil me ver como garota em situações normais. No meio da noite, com uma blusa preta de mangas compridas e capuz na cabeça, aquelas duas jamais saberiam que eu não era um pivete.
― E tão loirinha! Parece um anjo! Menina! ― Me assustei, cerrando os punhos. Elas eram grandes. ― Não pode ficar andando por aqui a essa hora! Onde estão seus pais?
Aquela era uma pergunta difícil de responder. Engoli em seco, balançando a cabeça negativamente. Eu havia matado a minha mãe. E meu pai, com a perspectiva de ter o bebê de Dandara, parecia ter me matado também ao colocá-lo no meu lugar.
― Você está perdida? Não fica com medo.
― Não estou com medo. ― Abri os dedos que já feriam as palmas das minhas mãos. ― Vocês não ficam com medo?
Elas riram. Era engraçado. Porque ao mesmo tempo que doía os tímpanos, parecia doce e leve.
― Meu amor, temos a força de dois homenzarrões. ― A de cabelo vermelho mostrou as unhas. ― Com garras felinas e salto fino que podem ser fatais quando uma alma feminina aprende a usá-las.
― Se afaste dela!
Elas gritaram novamente com aquela abordagem repentina de Cobra. Cambaleei para trás. Então o próximo grito que ouvi foi dele. Cobra se endireitou, chutando a de cabelo azul.
― Não! ― Puxei-o pela camiseta. ― Não! O que cê tá fazendo? Tá doido?
― Estou te defendendo!
― Você é um panaca, Cobra. Não preciso que me defendam. Você tá me confundindo com outra pessoa. ― Aproximei-me das drags, ajudando-as a ficarem de pé. ― Me desculpa.
― Tudo bem querida. O seu namorado é bem bravo. ― Arregalei os olhos. ― Nós entendemos que ele queira proteger essas duas safiras em suas órbitas oculares. Joias jamais vistas em qualquer lugar.
― Ele não...
― Você usa lente?
― Não.
― Vá para a casa com ele. A menos que ele seja um agressor de mulheres. ― A do cabelo vermelho rosnou para Cobra logo atrás de mim. ― Se assim for vamos agora na delegacia. Foi por isso que você fugiu?
― Eu não tava fugindo.
― Tava sim. ― Lancei um olhar mortal para Cobra quando ele me contrariou.
― Ele não é um agressor. ― Falei com tanta certeza que os lábios dele caíram incrédulos. Voltei-me para as drags. ― Obrigada pela preocupação.
― Eu sou Tina. ― A de cabelo vermelho estendeu a mão. ― E essa é a Blue. ― Acenei. ― Por que vocês não vêm aqui um dia ver o nosso show?
― Porque ela é menor de idade.
― Para de falar por mim.
― Casal que solta faíscas. Os melhores.
― Não somos um casal.
Elas sorriram. Aqueles olhos correndo por nós como se soubesse que eu estava mentindo, mesmo eu estando dizendo a verdade.
― Ele é meu amigo.
― Minha filha eu com um amigo desses aí já tinha arrancado essa blusa ― ela mexeu em uma das minhas mangas ― e tava jogada no nocaute.
Cobra deixou uma risada escapar. Abaixei os olhos.
― Posso saber qual o seu nome?
― Não pode. ― Ele se adiantou. ― Vamos embora.
― Ok, senhor encrenca e senhora marrenta. ― Tina deu de ombros. ― Cuida bem dela. Ela é uma mini diva. Com essa pele de veludo e esses olhos maravilhosos.
― Diva Velvet. ― Blue ergueu as mãos. ― Te batizamos.
Elas foram saindo praticamente em câmera lenta, entrando por uma porta lateral que eu não vira por causa da parede escura. Meus lábios ainda entreabertos repetiam o meu novo nome de drag: Diva Velvet.
― Que loucura foi essa, Karina? Resolveu fazer um número no show delas?
― Ah, Cobra! Me erra! ― Virei-me irritada. ― Por que você simplesmente não me deixa em paz?
― Deixo você em paz todos os dias. Não fui atrás de você um único momento depois que você voltou para casa. Te dei o seu espaço. Tenho te ajudado a entender certas coisas. Mas não é possível que você não saiba que o mundo é uma merda maior do que algumas pessoas que ferem seus sentimentos. Pessoas podem te ferir fisicamente.
Franzi o cenho.
― Sério? Sério que estamos discutindo a segurança do meu corpo às duas da manhã numa rua deserta próxima a uma boate gay?
Cobra cruzou os braços, erguendo a sobrancelha. Foi naquele momento que percebi que seu braço estava sangrando.
― Você precisa crescer um pouco, Karina. Agora volta pra casa comigo.
― O que foi isso? ― Apontei. Os olhos dele se abaixaram. ― Foi de agora? As unhas de uma delas? Caraca, eu preciso deixar as minhas unhas crescerem.
Cobra se cansou da minha impertinência e me deu uma chave de pescoço, me arrastando. Tentei me soltar, mas só conseguia trocar passos curtos enquanto ele me sufocava e me puxava pelo caminho de volta. A solução mais viável foi cravar os dentes em sua pele. Seu braço rapidamente se afastou, não sem antes me jogar para frente.
― Salgado. ― Sorri.
― Tô sem paciência pra esse tipo de infantilidade.
― Não pedi pra você parar de beijar a Jade e vir atrás de mim.
Cobra parou, analisando a situação. Ah, droga, Karina! Faça ele se sentir importante. Deixe que ele saiba que você ficou irritada porque foi trocada até pelo seu amigo.
― Não fui um bom acompanhante. ― Ele parecia fazer um esforço imenso para dizer aquilo. ― Se eu pedir desculpas você volta pra casa?
― Para com essa história, Cobra. Eu só não queria ficar perto da família feliz. Tava sufocada. Agi no impulso. ― Revirei os olhos. ― Fui infantil. Não tem nada a ver com você. Com a Jade. Eu não tô nem aí. ― Minha voz vacilou. Disfarcei me virando e começando a andar. ― Não devia ter vindo atrás de mim. Devia ter ficado lá.
― Ka. ― Parei, deixando o ar dos pulmões escaparem. ― Eu não sei o que houve durante esse tempo em que não nos falamos. Também não sei o que aconteceu durante e depois dos parabéns da tua irmã. Mas eu realmente queria ajudar você. Você não desistiu de mim quando teve oportunidade. Então não vou desistir de você.
Desmontando as minhas defesas, Cobra tomou cuidado para pegar na pontinha da manga da minha blusa e sair me puxando de volta. Ele me deu um sorriso apenas para ter certeza de que estava tudo bem. E sentindo um formigamento estranho nas bochechas, abaixei os olhos para os meus próprios pés e deixei um sorriso escapar.
― Vamos pra casa, Diva Velvet.
E foi assim que ele conseguiu que eu desse a primeira gargalhada em meses.
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Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)
FanfictionDepois de superar tantas mentiras e descobrir que o seu verdadeiro pai é realmente Gael, Karina decide voltar para casa e colocar uma pedra sobre seu recente passado. Mas perdoar, não significa confiar e tudo isso a leva para longe de um sentimento...