Capítulo 14 - Cobra
Tive que rodar com Karina um bom tempo pela vila até encontrarmos um hostel que não desconfiasse que eu a estava sequestrando. Aquele seu mal humor depois da confusão na praia também não ajudava. Quando finalmente alguém nos permitiu a passar a noite na varanda de um depósito de um dos albergues, me joguei cansado no chão e recostei as costas na parede.
O suor e o sal na pele me incomodavam. Fechei os olhos por um momento lembrando da burrice que eu quase havia feito. Quase havia dito para Karina que estava começando a sentir por ela algo diferente de amizade. Algo que eu tentava negar ser amor.
Não tinha tanto tempo assim que Jade terminara comigo. Ela ainda mexia com os meus nervos e me deixava louco. Mas com a Ka... Com a Ka era algo inexplicável. Talvez fosse desejo por todo aquele tempo sem ninguém, por ter curtido o nosso beijo no QG, por ela estar bem perto quase o tempo todo.
― Você quer ir embora?
― Não. ― A voz dela soou distante. ― Eu não sei exatamente o que aconteceu mais cedo entre nós, mas ficar aqui me ajuda.
Abri os olhos. Karina estava de costas, fitando o céu do entardecer. Sua mochila estava no chão e a camiseta pregava em suas costas em pontos alternados. O calor fazia sua figura oscilar diante da minha visão.
― Cobra. ― Mantive os olhos nos dela quando Karina finalmente se virou. ― Eu tô confusa. E eu não quero ficar pensando nas coisas que eu tô pensando.
― E no que você tá pensando?
Ela hesitou, mordendo a boca. Apertei meus dedos contra a palma da minha mão. Aquele simples ato inocente de Karina me fazia querer pegá-la e beijá-la novamente. Céus, ela era minha amiga!
― Não consigo confidenciar certas coisas.
― Vamos ficar alguns dias juntos. Se continuarmos brigando e nos distraindo com bobagem as coisas ficarão difíceis.
― Então me fala quando vamos dar socos nos caras malvados porque assim ficarei melhor.
Deixei uma risada escapar.
― Não pode resolver tudo com socos. ― Karina revirou os olhos, deixando sua fúria transparecer em seu rosto suado. ― Vamos jogar um jogo. Um jogo da verdade.
― Eu odeio esse jogo.
― Mas tem uma regra diferente. ― Ela esperou. ― Competição física. Quem ganhar uma corrida até a praia pergunta. Quem conseguir escalar aquele muro ali, pergunta. Quem pegar um coco naquele coqueiro também pergunta.
Seus lábios se arrastaram em um sorriso desafiador que fazia Karina me olhar com os olhos ferinos.
― Eu topo.
Minhas pernas empurraram meu corpo para cima. Arranquei o tênis e apontei para os de Karina. Ela fez o mesmo. Não sem antes acertar um em mim. Mirei a praia. Havia um caminho longo a ser percorrido. Tentei pensar num atalho.
― Corrida primeiro? ― Karina me atirou sua camiseta. Tentei não ficar olhando para o top que ela usava.
― Até o mar. Quem molhar os pés primeiro vence. No caso serei eu.
Ela gargalhou de forma irônica enquanto eu jogava minha camisa no chão e dobrava a barra da calça. Ficamos em posição.
― Ei camarada! ― Gritei para um turista que passeava por perto. ― Dá uma força aqui. É só dá a largada. Preciso vencer essa corrida.
Ele deu de ombros. Sua próxima atitude foi dar um grito horrendo que nos deixou na dúvida se era a largada ou não. Karina levou vantagem em sair correndo. Nossos pés alcançaram a areia rapidamente. Eu estava na cola dela. Minhas pernas eram maiores e mais velozes. A ultrapassei na metade do caminho. Já estava chegando ao mar quando ela gritou de raiva bem atrás de mim. Assim que meus dedos tocaram a água, Karina pulou sobre o meu pescoço. A velocidade nos desequilibrou. Rolamos pateticamente pela areia molhada e ainda recebemos uma onda violenta contra nossos corpos, arrastando-nos para trás.
― Você não aceita perder!
― Não aceito! ― Ela gritou mais alto, esfregando os olhos.
― Tá ligada que eu coloquei os pés ali primeiro. ― Me arrastei um pouco para trás, tentando tirar areia de dentro do ouvido. Karina engatinhou até mim.
― Tecnicamente se eu estava grudada em você nós tocamos a água ao mesmo tempo.
― Tecnicamente ― segurei o tornozelo dela, o que fez Karina cair desajeitadamente para trás ― esse pé aqui não tocou o mar. Sua cara chegou primeiro. E o combinado era o pé. Portanto, aceita que dói menos.
― Eu tomei o maior caldo. ― Ela gargalhou, deitando na areia. ― Eu achei que tinha engolido um peixe ou algo assim.
― Sua risada está afetada. Pode ser que tenha engolido mesmo.
― É o sal! ― Soltei o pé dela. ― Faça a sua pergunta da verdade.
― Tem que ser verdade de verdade.
Soltei o ar dos pulmões.
― Você ainda ama o Pedro?
Karina se sentou, quebrando o encanto que era vê-la deitada na areia. Sua expressão desesperada estava bem perto.
― Eu não sei. ― Seus lábios vacilaram. ― Não estou mentindo. Eu não sei. Quero sentir raiva dele. Quero ficar longe. Quero preencher a minha vida com outras coisas. Mas quando estou sozinha, olhando a minha cara no espelho, reconheço que apesar de todo aquele início, o Pedro me amou depois. E eu tenho medo agora. Porque ele tá seguindo outro caminho. E não acho que ninguém vai conseguir gostar de mim.
― Não fala isso. ― Franzi o cenho.
― Não sei se isso é o amor que eu sinto por ele ou se é o medo de voltar a ser aquela garota que nunca será amada.
― Ka. Eu...
Ela balançou a cabeça.
― Próximo desafio. ― Apontou para um coqueiro. ― Quem pegar um coco em menos tempo ganha. Ainda quero a minha pergunta.
Dei uma olhada para o coqueiro e balancei a cabeça. Mesmo não querendo eu ia perder aquela. Karina cravou um tempo de 5 minutos. Com uma corda presa aos pés e uma determinação terrivelmente perigosa, ela subia com grunhidos de força que me intimidavam.
― Hakuna Matata! ― Ela gritou lá do alto, jogando um coco para baixo. ― É lindo dizer. Hakuna Matata! Sim, vai entender!
Segurei o coco. A visão lá de baixo era excelente. Arrastei as pálpebras com o polegar e o indicador me amaldiçoando por não conseguir desviar os olhos. As coxas de Karina flexionadas enquanto ela descia, o quadril na calça molhada vindo em minha direção.
― Os seus problemas você deve esquecer. ― Ela saltou pra areia, fazendo uma referência. ― Obrigada a todos os meus fãs.
― Onde aprendeu a fazer isso?
― Caça ao tesouro do mestre Gael. Nós subíamos nas árvores da mata. Meu objetivo era ganhar do Duca pra ele me notar. ― Ela gargalhou. ― Eu sempre vencia. Ele nunca notava.
― Ele não ficava aqui embaixo né? ― Karina não entendeu. ― Então, faça a sua pergunta.
― Certo. ― Ela se curvou levemente, esfregando as palmas das mãos como se fosse fazer algo maligno. ― O que você queria me dizer naquele show particular que demos mais cedo ao chegarmos aqui?
Prendi o ar. A verdade, Cobreloa.
― A verdade, Cobra. ― Karina cruzou os braços.
― Certo, que se dane! ― Abri os braços. ― Eu estava tentando dizer que possivelmente eu tenho quase certeza que esteja me apaixonando por você.
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Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)
FanfictionDepois de superar tantas mentiras e descobrir que o seu verdadeiro pai é realmente Gael, Karina decide voltar para casa e colocar uma pedra sobre seu recente passado. Mas perdoar, não significa confiar e tudo isso a leva para longe de um sentimento...