34 - Cobra

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Ergui as mãos para o alto, me virando devagar, sentindo o metal da arma que eu ganhara do homem do cais pressionar contra a minha pele me dizendo que eu poderia sair vivo dali. Havia um único homem com uma arma apontada para a minha cabeça. Eu tinha uma vantagem: ele achar que estava em vantagem.

― Fique bem parado. ― Ele assoviou. Estava pedindo ajuda. ― Vamos resolver isso bem rápido.

― Com certeza.

Mesmo ferido eu confiava na minha rapidez. Eu era um lutador. Puxei a arma e consegui atirar na mão dele. Excelente mira. O tiro atraiu outro homem. Eu não podia desperdiçar balas, mas eles iriam me matar. Atirei em sua perna. Eu não podia matar ninguém. Não podia ser um assassino.

Aquele que havia perdido a arma a encontrou, atirando mais uma vez. Logo mais deles surgiriam. Escapei de mais dois tiros. Mas o terceiro veio do mar. A chuva começou a cair de forma frenética e era difícil enxergar e distinguir de onde vinha a saraivada de balas. Me joguei no chão, vendo as luzes de um barco ao atracar. Era o senhor do cais e o pescador que me ameaçara na outra vez.

Eles continuaram atirando até os dois outros caras caírem.

― Vai! ― O pescador gritou. ― Vamos chamar a guarda costeira.

― O esquema!

― Meu jovem, eu estou a um passo além de você! ― Ele gritou em meio a chuva. ― Vá atrás dos seus amigos.

― Eu não sei onde eles estão! ― Gritei, a arma balançando em meus dedos trêmulos. ― Eles iriam afoga-la com a maré.

― Lazareto! ― O homem do cais gritou. ― Ela está no antigo pequeno presídio na Vila do Abraão. Fica na prainha da maré alta. A água entra por lá de madrugada, chega até a metade nas celas. Em determinados pontos mais baixos encobre tudo.

Balancei a cabeça afirmativamente, entregando a arma para ele e correndo de volta ao jet-ski. Não havia mais dor alguma no meu corpo. Eu estava funcionando no automático. Meu coração mal parecia pulsar. Eu estava petrificado, guiando uma moto aquática e torcendo para que Karina ainda estivesse viva.

A tempestade deixava tudo pior. Me perdi no meio do caminho. Não conseguia encontrar a direção. O mar estava tão revolto que quase fui jogado para longe. Tive que ligar o veículo novamente e tentar guiar com o instinto. A imagem de Karina, sorrindo, corando e olhando para mim de forma rápida me veio na cabeça.

Eu ia encontrá-la.

― Eu vou encontrá-la.

Um raio brilhou no céu, espalhando cores entre o dourado e o azul no meio de toda aquela escuridão.

― Karina.

Segui aquela direção. Eu mal conseguia respirar com tanta água. A única forma de enxergar era pelos relâmpagos. E foi um deles que me mostrou uma abertura na costa e um pedaço de uma construção precária. Saltei do jet-ski, me arrastando com dificuldade pela areia. Dentro da mata não havia como me guiar pelos relâmpagos, mas me deixei ser arrastado pela maré. Ela iria me levar até Karina.

― Aqui! ― Ouvi alguém gritar. ― Alguém! Ajudem!

A voz estava fraca e desconexa. Rouca. Mas era a voz esganiçada de Pedro. Meu coração voltou a bater dentro do meu peito. As árvores fizeram uma abertura, mostrando-me o antigo presídio e uma pequena abertura de ar. Cinco centímetros.

― Pedro! ― Gritei.

Ele não respondeu.

Mergulhei.

A luz forte de outro raio iluminou os olhos de Karina presa do outro lado de uma grade, totalmente submersa, lutando para se soltar. Bolhas saíam de seu nariz e ela conseguiu me enxergar, esticando os dedos para que eu a alcançasse.

Voltei a superfície quando tudo ficou escuro novamente. Aquela fração de segundos em que eu a vira parecia câmera lenta. Não havia como entrar por ali. Subi uma depressão com dificuldade, escorregando, me agarrando às árvores e encontrei uma outra entrada. A boca de Pedro ainda estava para fora.

― Socorro. ― Ele gritou de forma fraca.

Eu precisava de algo para soltá-los. Levei as mãos ao bolso. Meu chaveiro com aquele canivete inútil. Ele teria que ser muito útil naquele momento. Saltei na água. Outro clarão iluminou tudo, me dando a direção. O mundo estava conspirando ao meu favor. Achei os pulsos de Karina. Em outro clarão ela arregalou os olhos, apontando para Pedro. Estava quase terminando de soltá-la, mas ela debateu os pés.

Encontrei as mãos dele. Seu rosto já estava todo coberto. Tentei erguer seu queixo e ele pôde pegar um pouco mais de ar. As cordas dele estavam mais firmes. Consegui soltar uma das mãos. Outro clarão no céu me avisou sobre Karina. Voltei-me para ela no escuro, tentando cortar suas amarras com apenas uma mão enquanto puxava as de Pedro com a outra.

Parte de mim sentiu um alívio imenso quando consegui soltá-lo. Empurrei-o para cima, mas a corda prendeu novamente. Levei o canivete até lá e demorei alguns segundos para livrar Pedro do afogamento. Segundos cruciais para Karina. Ela estava há mais tempo na água. Um outro relâmpago me mostrou seus olhos fechados e seus lábios abertos. Fiz o máximo de esforço que pude, praticamente arrebentei parte do cimento da construção e consegui cortar suas amarras.

Abracei Karina com força, arrastando-a para cima. Pedro me ajudou a tirá-la da água e entramos numa das celas secas. Ali entrava uma luz fraca da noite, iluminando a fragilidade em que ela se encontrava. Deitada no chão imóvel, ela parecia mais branca que o normal.

Abaixei meu ouvido em seu peito. Não conseguia ouvir os batimentos cardíacos. Pressionei minhas mãos na região de seu coração. Ela não reagiu a massagem. Tentei ouvir seu peito. Nada.

― Vamos, Karina! ― Gritei de forma tenebrosa. Um choro incorruptível ameaçava a romper pela minha garganta. ― Corre pra vila, Pedro. Segue para cima. Só pare quando encontrar ajuda. Vai em linha reta.

Ele saiu correndo.

Tampei seu nariz e alcancei seus lábios. Pressionei o ar para seus pulmões diversas vezes. Karina não respondia. Voltei desesperadamente a fazer massagem cardíaca. Nenhum sinal.

― Acorda, Karina! ― Colei os lábios nos dela novamente, empurrando o ar. ― Pare com essa marra!

Colei o ouvido novamente em seu peito e comecei a chorar.

― Karina. ― Implorei. Voltei com a massagem cardíaca. Um trovão soou no céu na mesma hora em que eu gritei seu nome. ― Karina!

Ela cuspiu. Como um trem desgovernado, uma golfada de água salgada rompeu seus lábios e narinas. Puxei sua cabeça para cima enquanto ela tossia. Karina vomitou um pouco e finalmente começou a recobrar a consciência. Consciência essa que veio através das lágrimas. Confusa e com a garganta ardendo, ela levou as mãos aos olhos e chorou.

― Graças a Deus. ― A envolvi nos meus braços. Eu nunca havia sido religioso. Mas se havia algum Deus no universo, ele havia me dado Karina de volta. ― Graças a Deus.

As mãos dela escorregaram para minhas costas e seus braços se apertaram ao meu redor. Foi ali que tive a certeza de que ela estava viva. Que pertencia a mim. E que eu nunca mais iria deixá-la escapar.

Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)Where stories live. Discover now