Depois de devorarmos um sanduíche, andar no sol fazia um bem danado por causa do incômodo de termos molhado nossas roupas íntimas. Já havíamos passado as palmeiras imperiais e cruzado a alameda das palmeiras, chegando finalmente a Vila de Dois Rios. Logo na chegada havia a Igreja de N.S. do Bom Despacho anunciando que finalmente aquela caminhada havia acabado.
A Vila de Dois Rios nos surpreendeu ao compararmos com os outros locais da ilha. Era um lugar de aspecto imponente e impactante. As casas pareciam antigas e desgastadas, embora fomos informados pelo folheto que tudo ali era preservado pela universidade. Caminhamos por entre as ruelas até encontrarmos um pescador.
― Ei, senhor. ― Cobra o parou. ― Será que você poderia nos dar uma informação? Estamos procurando a família do Feijão.
Ele se retesou.
― Não sei não, senhor.
― Sabe sim. ― Cobra o deteve naquele velho estilo assustador. Sua mão firmando o ombro do homem e segurando de um jeito como se fosse virar o seu braços e quebrá-lo. ― Eu vim de muito longe. É importante.
― É a última casa naquele alto ali. ― Ele apontou para nossa direita. ― A casinha azul.
― Agora sim estamos nos entendendo. ― A mão de Cobra deu dois quiques ameaçadores sobre o ombro do senhor. ― Muito obrigado pelos serviços prestados.
O pescador apressou o passo, distanciando de nós com certa desconfiança. Cobra mal me olhou nos olhos. Ele estava tomado por aquele ar perigoso que surgia repentinamente e o transformava. Eu não podia simplesmente julgá-lo.
Andamos silenciosamente por uma rua quase deserta. As poucas pessoas ali nos olharam com curiosidade. Parecia que o pessoal na universidade não ficava nessa área. Antes que eu desse mais um passo, Cobra me parou e me puxou para o lado, nos escondendo atrás de um muro de tijolinhos vermelhos.
A casinha azul da família do tal Feijão ficava do lado. Cobra se esticou o suficiente para ver alguma coisa. Mas eu ainda podia ouvir a conversa.
― Ele vai buscar aquela coisa né? ― Uma voz de garoto falou. ― Porque o pessoal da universidade vai fazer vistoria no anexo logo.
― Semana que vem, meu filho. ― Uma mulher completou o diálogo. ― Ele tira de lá pelo mar, ninguém vai ver.
― Não tenho que voltar lá né? Aquele presídio é mal assombrado.
― Não. ― A mulher soltou um suspiro. ― Vamos para o barco pegar o pescado. Seu pai que se vire com aquele serviço dele.
Fui empurrada um pouco mais para trás. Aquelas duas pessoas passaram por nós. Não consegui ver muita coisa deles. Cobra estava cobrindo a minha visão.
― E agora? ― Sussurrei.
― Você ouviu? ― Balancei a cabeça afirmativamente. ― Há algo no presídio. No anexo, o garoto disse. Anexo é um dos prédios que não explodiu.
― Como sabe disso?
― Feijão tinha um parente preso aqui anos atrás. Por isso a família dele ainda vive aqui. Ele me contava essas histórias. Karina. ― Cobra suspendeu as sobrancelhas enquanto segurava meus ombros. ― Há algo lá que entregará todo o esquema. É a minha carta de alforria. E dos moleques da minha tia, consequentemente.
― E você tá esperando o que para irmos até lá?
Ele arrastou um dos cantos da boca, sorrindo de forma aliviada. Era quase inacreditável que estivesse passando pela cabeça dele que eu iria dar pra trás. Eu não me chamava Jade. Muito menos Bianca.
Saímos pela lateral da rua, entrando na mata. Cobra sabia mais ou menos como chegar a entrada das ruínas do Presídio de Ilha Grande. Como o menino havia dito, o pessoal da universidade não estava por ali e o museu estava fechado para os turistas.
― Vamos dar a volta.
Eu o segui até alcançarmos a muralha direita. Era uma construção velha e imponente que parecia que iria vir abaixo a qualquer ruído. E todo o local estava cercado por mato. Parecia que havia coisas se mexendo. E eu esperava que fosse apenas pedaços desmoronando e não animais peçonhentos escondidos.
Cobra nos guiou rapidamente para a parte de trás da cadeia voltada para o pátio. Eu me perguntei mentalmente como ele conseguia saber exatamente onde estávamos. Eu só conseguia enxergar ruínas e mato. Uma massa compactada de concreto serviu de guia para nossos passos, acompanhando-nos lado a lado. Avançamos por um pátio grande. Todo o local parecia sujo não só pelos restos de construção e capim alto, mas também pela energia que fazia meus braços se arrepiarem. Avistamos um prédio ainda de pé.
― É esse?
― Não tenho certeza. ― Cobra olhou em volta. Era difícil enxergar com tanto mato cobrindo a nossa visão. ― Fique aqui, vou dar uma olhada.
Fiquei estática esperando que ele voltasse. A nossa sorte era que a grama ali era tão seca que o campo estava aberto e não nos perderíamos de vista.
― Não é aqui. ― Ele voltou minutos depois. ― Aquele lugar ali não comportaria uma carga. E ele é muito visível. Está além desse mato.
Balancei a cabeça afirmativamente. Eu nunca tivera medo de mato. Mas algo ali parecia me dizer que estávamos correndo um grande perigo. Engoli aquela covardia e segui com Cobra. A medida que avançávamos a vegetação ia ficando ainda mais alta. Tive que segurar na mochila dele para não perde-lo e repentinamente demos de cara com uma construção sólida e encoberta dos olhos de curiosos comuns.
Não paramos para pensar em uma estratégia, fomos desbravando a construção. A areia tomava conta do andar térreo e tivemos que nos ajudar mutualmente para conseguir entrar no edifício irregular. Passamos por uma porta pequenina na qual tivemos que nos arrastar. A sorte era que a construção estava tão precária que a luz do sol entrava por todos os lugares falhos e nos guiava com mais facilidade.
Finalmente atingimos um corredor que nos levava para algumas celas e foi ali que encontramos o que Cobra estava procurando.
Arregalei os olhos.
Aquela era sua passagem para a liberdade.
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Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)
FanfictionDepois de superar tantas mentiras e descobrir que o seu verdadeiro pai é realmente Gael, Karina decide voltar para casa e colocar uma pedra sobre seu recente passado. Mas perdoar, não significa confiar e tudo isso a leva para longe de um sentimento...