28 - Cobra

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Acordei repentinamente. Por alguns instantes não fui capaz de me mexer tentando identificar o que havia me despertado daquela forma. Os acontecimentos do dia anterior me voltaram de súbito na memória. Percebi então que não havia acordado por um som, nem mesmo pelas luzes de sol que adentravam por frestas na janela estragada. E sim por aquela sensação reconfortante de sentir o braço de Karina por cima da minha barriga, sua respiração fazendo cócegas em meu pescoço. Ela havia se aproximado demais enquanto dormíamos e eu não conseguia parar de olhar para seus dedos friccionados em um dos músculos do meu abdômen.

Virei o rosto de lado e por algum tempo observei-a dormir. Karina respirava longa e regularmente, de modo que a parte da frente do seu cabelo, caída sobre o rosto, tremulava. Ela realmente parecia um anjo, banhada pelos primeiros raios de sol e acalentada por um sono que passava tranquilidade e paz.

Me senti meio idiota por estar enfaixado e mal conseguindo me mover. Mais idiota ainda por ver todas as cores do mundo naquele quarto tão pequeno. Tentei me arrastar para fora da cama, talvez preparar algo para Karina comer, mas ela acordou subitamente. Meu presente da manhã foi ver as duas safiras que eram os seus olhos.

― Que foi? ― Karina pulou no chão, cambaleando. ― O seu remédio? Alguém na porta? Meu pai?

― Não. ― Alcancei a mão dela. ― Calma.

― Puta merda. ― Ela xingou baixinho, sentando-se novamente. Encontrou meu celular. ― Seis horas.

― Bom horário pra você me ajudar a me levantar.

― Certo. ― Karina deu a volta, puxando o meu braço com cuidado. Me apoiei nela. Aquilo era, definitivamente, constrangedor. ― Ainda está sentindo muita dor?

― Tudo certo. Não se preocupe.

― Olha você senta na privada e toma banho ali mesmo, Cobra, porque eu não vou te... ― Comecei a rir. ― Qual a graça?

― Eu estou bem. De verdade. ― Segurei sua cabeça, deixando um beijo em sua testa. ― Vai pra casa. Vou tomar um banho.

― Volto daqui uma hora para dar o seu remédio. Só vou fingir que dormi em casa e tomar um banho. ― Karina parecia confusa. Saiu debaixo do meu braço e foi caminhando de costas enquanto eu me firmava no batente. Ele mordeu o lábio inferior e sorriu. Sua pele alva foi ficando rosada. ― Não vai fugir.

― Ainda vou estar aqui. Num estado um pouco melhor.

Ela balançou a cabeça afirmativamente, virando-se de forma rápida e saindo do meu campo de visão.

Estar com Karina parecia um sonho. Mas eu não podia me dar ao luxo de me afastar da realidade. Depois de tomar banho e retirar a faixa, dei uma olhada no inchaço. Havia uma mancha roxa ali grandiosa o suficiente para assustar. Tive sérias dificuldades para vestir uma calça de moletom e ir até a geladeira pegar um saco de gelo. Já recomposto, peguei o telefone. Minha tia atendeu no terceiro toque.

― Perdi a luta.

― E agora?

― Eu tô com um dinheiro guardado. Se você quiser. Dá pra ficar na casa de alguém por uns dias. Tô todo quebrado, tia. Preciso de alguns dias, dois ou três, no mínimo. Depois vou dar um jeito. Já tenho um plano.

― Não preciso do dinheiro. Vou levar os meninos para uma semana de folga. Uma semana, Ricardo. E eu entrego a sua localização.

Desliguei, batendo o celular com força no balcão, o que fez minhas costelas arderem.

― O que foi agora? ― Karina entrou repentinamente, trazendo umas sacolas. ― Aposto que é fome. ― Andei até ela com dificuldade. ― Revirei a minha cama. Ninguém nem notou a minha ausência. São tempos difíceis para uma lutadora. Trouxe pão. E um bolo. A Bianca é uma chata. Mas ela faz coisas muito boas na cozinha.

― Obrigado. ― Me sentei perto do balcão.

Achei que Karina fosse abrir as sacolas e continuar falando coisas aleatórias, desconcertada por causa da intimidade dos nossos beijos na noite passada. Mas ela simplesmente se aproximou, encaixou o nariz na curva do meu pescoço e puxou o ar bem devagar. Cada poro da minha pele se eriçou.

― Aprovado no teste de qualidade. ― Ela se afastou, com um daqueles sorrisos que me quebravam. ― Tome o seu remédio.

Eu iria precisar de um caminhão de calmantes para me controlar. Inclusive, havia deixado o saco de gelo cair sorrateiramente no meu colo, tentando me concentrar em comer e tomar remédio. Karina falava coisas aleatórias com um franco entusiasmo. Estava compartilhando besteiras comigo e me incluindo em seus pensamentos.

― Tipo a Ronda Rousey, com aquele cabelão. Porque eu não tenho paciência para cuidar de cabelo. Mas há uma vantagem em ter um rabo de cavalo gigante. Acertar a outra pessoa bem no olho.

― Isso não é permitido. ― Terminei meu copo de leite.

― Estou estipulando uma nova regra. Você gira e aquele chicote de cabelo ataca seu adversário. Vou deixar o cabelo crescer e usar um rabo de cavalo mortal. É isso.

― Não consigo imaginar você cabeluda.

Karina gargalhou dizendo que precisava me mostrar uma foto de quando ela ainda conservava os fios grandes. Fechei os braços ao redor dela e ele nem se preocupou. Parecia algo tão natural quanto respirar. Ela estava tão perto. Tão quente e tão familiar. O gelo não estava adiantando muito. Não pensei em nenhuma consequência. Apenas a beijei rapidamente, selando meus lábios nos dela e me afastando.

E ela me beijou de volta da mesma maneira. Rápido e provocativo.

Beijei o canto da sua boca e me atrevi a capturar seu lábio inferior com os dentes. Os lábios de Karina se abriram, deixando um som rouco escapar. Ela tremeu no meio do meu abraço. Sua língua desenhou o contorno da minha boca e achei que minhas veias fossem explodir. Ela estava me incentivando a ir mais longe com aquele beijo. Suave no início e depois com força. Um planar lento que crescia com entusiasmo.

O saco de gelo caiu quando Karina passou os braços pelas minhas costas. Apesar da dor nas costelas a puxei mais para perto. Algo dentro de mim queimava. E os músculos que não estavam detonados impulsionavam os meus sentidos. Parei de beijá-la, tentando me concentrar, puxando o ar com dificuldade. Dor. Prazer. Tudo misturado.

― Ka. ― Segurei em seus braços e a afastei. ― Isso tá extremamente perigoso agora.

― Ok. ― Ela revirou os cabelos curtos que eu tanto gostava. ― Ok. Eu vou pra casa. Eu venho ver você depois do almoço. Eu ― ela estava corada e confusa ― almoço. Vou trazer.

― Tá.

Karina derrubou uma cadeira antes de sair correndo. Dei um pequeno sorriso de expectativa. Mal ela saíra e eu já estava contando os minutos para vê-la novamente.

Eu só não podia imaginar que ela não iria voltar.

E por um motivo muito ruim.

Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)Where stories live. Discover now