Foi consideravelmente difícil olhar para trás apenas duas ou três vezes enquanto Karina tomava seu quase banho. E pior ainda foi ficar olhando para ela de costas, já vestida, vigiando a abertura entre os chalés depois de tudo que acontecera. Eu devia manter minha concentração em encontrar Feijão, mas só conseguia pensar em quando ia poder beijá-la daquela maneira novamente. Não havíamos terminado aquele assunto ainda.
Conseguimos comprar comida em um dos restaurantes. Isso a deixou menos zangada por causa da ideia de ter que roubar. E de barriga cheia, sentados na varanda do depósito, poderíamos conversar sobre qualquer coisa. Eu iria dizer a Karina exatamente o que estava procurando. Mas ela teria que me mostrar também o mapa que me levaria até o coração dela.
― Então. ― Ela começou, tomando um gole de água fresca. ― Quem é Feijão?
― Feijão é o meu álibi. ― Deixei o prato vazio num canto. ― A história é comprida, então vou resumir. Eu precisava de grana. Nunca tive o que chama de família. Então tive que começar a me virar sozinho. Eu treinava pela escola e aprendi a lutar com um professor de lá, mas aquilo não estava me rendendo muito dinheiro. Então comecei a servir de informante para Feijão. Ele comprava drogas e as levava de barco dentro dos peixes. Eu era só o garoto de recados, mas garantia um dinheiro para me manter e continuar lutando e estudando. Só que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco. A polícia descobriu o esquema e antes que os outros traficantes fossem presos, eles armaram para mim. Só que eu estava com Feijão quando recebi a ordem de ir até uma estrada para me encontrar com alguém. Dei de cara com a polícia. Não fiquei preso. Era menor de idade e tinha bons antecedentes. Mas eu era um cara vivo que sabia demais. ― Apertei os olhos, engolindo em seco. ― Eles então me ameaçaram. E resolveram me usar de forma diferente. Resolveram me colocar em rinhas. Sabe briga de galo? Era mais ou menos daquela maneira. Ou eu morreria nas lutas ou eu lhes renderia uma boa grana. Consegui fugir. Mas minha tia, a única familiar mais próxima, aparentemente está sendo ameaçada. Meu plano era me tornar um lutador famoso. Ninguém ia mexer com um cara que fosse assunto, que estivesse ganhando muita grana. Eu poderia enrolá-los e tentar entrar em contato com a polícia. Mas ainda sou um fracassado. E por mais que eu não esteja nem aí pra essa minha tia, tem uns moleques que são meus primos e não quero que eles sigam o mesmo caminho que eu. É por isso que cheguei na academia do seu pai meio fugido. Eu precisava de um bom mestre. Mas seu pai me limitava. Então fui pra Khan. Que ainda é o melhor meio de conseguir me tornar um campeão. E finalmente me livrar disso tudo.
― E aonde o Feijão vai te ajudar nisso?
― Se ele ainda estiver no esquema ou souber do esquema todo e eu conseguir entregar esses caras para a polícia, vou poder ficar livre por um tempo. Quando eles finalmente pensarem em vir atrás de mim novamente eu já serei uma figura pública. Com todos aqueles seguranças, aval da justiça, um pobre menino arrependido do seu passado difícil dando entrevistas para programas de TV e culpando o sistema social.
Achei que Karina fosse me olhar com asco, mas ela continuou me encarando com curiosidade. Seus olhos vacilaram, então ela sorriu sem jeito.
― Me sinto muito egoísta.
― Por quê?
― Por ter sofrido por problemas tão pequenos.
― Cada um sabe o tamanho da sua dor, Ka. Não foram problemas pequenos para você. Nem para mim. ― Ela voltou a me fitar. ― Não minimizo os seus sentimentos.
Ficamos parados. Quase achei que ela fosse se aproximar. Mas Karina permaneceu plantada em seu canto, confusa.
― É por isso que não queria que você viesse. Porque é perigoso. Eu fui egoísta não querendo ficar longe de você, Karina.
― Não vou te deixar sozinho nessa. ― Ela suspirou. ― Você já ficou sozinho por tempo demais. E está cientificamente comprovado que não deu certo. ― Sorri, ganhando um sorriso dela. ― Eu tenho boas ideias.
― Deixa eu contar aqui. ― Apontei para o dedo mindinho. ― Ganhar dinheiro como uma drag queen que bate nos clientes. ― Ela gargalhou. Passei para o próximo dedo. ― Seduzir os bandidos com seu incrível potencial de distração.
― Ei! Eu poderia fazer isso!
― Claro, Karina. Com o seu grande potencial para dizer somente a verdade nada mais que a verdade você quer brincar de atriz.
― Eram ideias boas até você desconstruí-las.
Deixei uma risada escapar. Mas antes de contar outra ideia maluca, o mesmo cara que nos abordara mais cedo ressurgiu.
― Não quero confusão, então vou dar um jeito de agilizar para que vocês vão embora. ― Ele cruzou os braços. ― A família do Feijão mora perto do presídio implodido. Especificamente na Vila de Dois Rios. Mas vocês não podem pegar um carro. São oito quilômetros de caminhada. Vocês vão pegar a trilha T14. Só estou dizendo isso porque não acho que alguém que ande com um anjo desse ― ele apontou para Karina ― vá fazer algo contra eles. Pelo que parece, alguém fez algo contra você e está tentando concertar. Mas os mantenham longe da minha ilha.
Se virou antes que eu pudesse agradecer.
― Ele me chamou de anjo. ― Karina riu.
Dei uma olhada para ela, sorrindo para a silhueta do pescador mal encarado e encantada por receber aquele tipo de elogio. Aquilo me fez sorrir sem querer. Karina era simples e pura. Tal qual como um anjo. Sem mencionar o quanto era linda. Esfreguei as mãos no rosto. Eu estava mesmo apaixonado por ela.
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Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)
FanfictionDepois de superar tantas mentiras e descobrir que o seu verdadeiro pai é realmente Gael, Karina decide voltar para casa e colocar uma pedra sobre seu recente passado. Mas perdoar, não significa confiar e tudo isso a leva para longe de um sentimento...