09 - Karina

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O mundo resolveu desabar sobre o Rio de Janeiro naquela tarde. Nuvens pesadas de chuva cobriam o céu e os raios e trovões ao nosso redor fez com que a neurose de Gael desligasse todos os aparelhos eletrônicos.

O que deixava João pior do que ele já era.

Acompanhado por Pedro.

As gotas de chuva batiam incessantemente pela janela da varanda do meu quarto. Bianca não estava ali. Ela dera a incrível sorte de ficar presa na casa de Duca assim que a chuva começara a cair. Lá estava eu, sozinha, sentindo o cheiro do sanduíche do Perfeitão que eu não fizera questão nem de tocar.

Era difícil ser cordial com Pedro. Eu o perdoara. Mas não queria ser sua amiga. Será que era algo tão difícil de entender?

E como para me provocar, Gael caíra de amores por ele, tentando me empurrar para a normalidade de antes como se fosse fácil engolir tudo aquilo.

Suspirei de forma pesada. Eles estavam na sala. Todos se divertindo em um jogo de tabuleiros. Eu havia fingido estar dormindo quando Pedro entrou no quarto para deixar o meu sanduíche. Mas acabei dando um chute em sua coxa quando ele chegou perto demais.

Agora, com a porta trancada, sentindo cheiro e de bacon e ouvindo os barulhos da tempestade servindo de trilha sonora para as risadas na sala, tive vontade de não existir.

Abri a porta da varanda. A chuva bateu em mim com força, fazendo-me fechar novamente. Dei uma boa olhada no sanduíche considerei. Sábado. Cinco da tarde. As pessoas solitárias sempre ficam com fome nesse horário.

Passei a mão pelo saco de papel, abri a janela novamente e consegui alcançar o poste com facilidade.

Devo ter recebido mais de dois litros de água por segundo enquanto atravessava a praça e chegava ao QG. Soquei a porta de vidro. Diante daquele barulho todo seria difícil Cobra me ouvir. Mas ele ouviu.

Apontei para a fechadura. Ele revirou os olhos. Estava suado e sem camisa. Devia estar dando uns socos.

― O que você tá fazendo aqui, Karina?

― Ê, que mal humor. ― Empurrei o saco encharcado em cima dele. ― Confere aí se o bacon não tá nadando.

― Você saiu nessa chuva toda para me trazer um sanduíche que o seu ex-namorado levou até a sua casa?

―Então. Vendo por esse lado fica meio estranho. ― Balancei as mãos depois de me livrar do excesso de água do cabelo. ― Não consigo ficar lá, Cobra! Não dá. Você é a minha única opção. Eu sei que tô sufocando você. Eu vou encontrar um outro rumo. Mas quebra esse galho. Meu pai fechou a academia hoje e disse que eu não iria treinar, que eu estava exagerando. Mas eu preciso dar uns socos e uns pontapés.

Cobra deixou o sanduíche sobre o balcão. Parecendo me ignorar, seguiu até os fundos. Me perguntei se deveria fazer o mesmo. Mas eu já estava ali. Molhada, com frio e com raiva. Então arrisquei.

― O que você tem?

― Nada. ― Ele respondeu ríspido. Ouvi quando deferiu mais alguns socos e me arrisquei a ir até lá. ― Se você não percebeu eu tô ocupado. O saco de areia tá ocupado.

O que eu havia feito além de pedir um emprego? Ah, claro. Mencionara seu passado. Seu misterioso e secreto passado. Cruzei os braços sem arredar o pé. Ele parou, abaixando os braços e suspirando ao olhar para os próprios pés. Minha cabeça foi caindo de lado. Cobra estava ficando cada vez mais forte e com movimentos cada vez mais precisos. Enquanto eu me perguntava quando conseguiria ficar tão boa quanto ele, meus olhos idiotas percorreram pelos músculos que contornavam seus braços e seu abdômen.

Ele se virou, tentando se concentrar. Não ajudou ficar olhando para suas costas. Elas se movimentavam com maestria, os músculos dançavam ali quando ele deferia um golpe. E suas pernas estavam mais equilibradas e diretas.

― Vai continuar parada aí? ― Soltei um pequeno espasmo quando ele virou-se para mim. Sua expressão parecia furiosa. ― Vai embora, Karina. Não espera eu repetir.

― Por que você está me olhando assim como se fosse me partir no meio? ― Ergui as sobrancelhas, fechando os punhos e afastando as pernas em posição de defesa. O pomo de adão dele subiu e desceu. ― E engolindo em seco como se fosse fazer uma coisa muito ruim.

― Não vou fazer nada tão ruim assim.

A voz dele saiu rouca e incerta. Mas não tive tempo de pensar sobre aquilo. Cobra era rápido e me deu o bote antes que eu pudesse escapar. O braço dele prendeu o meu corpo com facilidade e sua mão livre arrastou as ataduras pelo meu rosto, segurando os fios de cabelo molhado para que eu não pudesse espernear. Sua boca foi diretamente para a minha que se abriu em espanto.

Meu cérebro me traiu nos primeiros momentos, empurrando minha língua contra a dele. Um formigamento estranho subiu do meu umbigo até minha garganta. Os lábios dele deslizaram pelos meus. De olhos fechados, meus cílios roçavam em sua pele na confusão daquele beijo. Nossas respirações quentes se confundiam quando o nariz tocava um no outro.

Então me dei conta do que estava acontecendo e enrijeci. Apertei os braços dele, esforçando-me para jogar meu pescoço para trás.

― Me solta! Me solta! ― Cobra não se esforçou para me segurar. Os olhos dele não me diziam nada. Eu não conseguia lê-los. Mas os meus com certeza estavam espantados. ― O que deu em você? Por que você fez isso?

Cambaleei para trás, aos tropeços e saí correndo de volta para a chuva.

Só ela poderia esfriar aquilo que estava me queimando desde o dedão do pé até o último fio de cabelo na minha cabeça.

Olhos de Cobra (Fanfic Cobrina)Where stories live. Discover now