Capítulo 16

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Mais tarde eu decidi ir até a casa do Simon porque eu estava cansada de ser ignorada por um motivo tão fútil.

Por algo que pode ser facilmente resolvido.

Bati na porta e quem atendeu foi sua mãe novamente.

—– Ah, você é a garota do outro dia? — Ela deduziu secando as mãos no avental, me olhando sorridente.

—– Sim, sou eu, a propósito eu sou a Ana, não tivemos chances de nos apresentar — Estendi a mão e ela apertou firmemente.

—– Ah sim, Ana, prazer conhecê-la.

—– O prazer é todo meu — Sorri — Sabe se o Simon está? eu gostaria de falar com ele.

—– Está sim, entre — Ela liberou espaço.

—– Com licença — Passei por ela rapidamente, um pouco ansiosa.

—– Espera aqui, eu vou chamá-lo.

—— Ok.

Aproveitei a sua ausência para dar uma breve olhada na decoração da casa. Os detalhes eram simples, o lugar era modesto e adaptado para as necessidades do Simon. Não havia calçadas, nem degraus onde ele pudesse tropeçar, as portas eram largas e assim facilitava a sua locomoção de um cômodo para o outro.

Depois de alguns segundos ele apareceu se segurando nas paredes.

—– Tá fazendo o que aqui? — Disse firme, olhando na direção que eu estava.

—– Simon, oi, sua casa é muito bonita, simples eu gostei muito da...

—– Ana...

Respirei fundo.

—– Vim conversar com você —  Suspirei

Ele se aproximou do sofá e se sentou, também fiz o mesmo, impressionada com a maneira como ele lida com suas limitações.

—– Sobre...

—– Como sobre? Você sabe exatamente porque eu estou aqui — Soltei agitada.

Ele suspirou e ficou calado por um instante, eu até então estava atenta, esperando por uma explicação, porque até onde eu sei, eu não tinha feito nada demais.

—– Eu só... — Fez uma pausa — Não quero que pense que sou um pobre coitado que não consegue resolver os próprios problemas, não quero que você sinta pena de mim — Desabafou.

Encostei mais perto dele e agarrei suas mãos.

—– Muito pelo contrário, Simon ,  eu te admiro muito, porque você faz metade das coisas que eu não faria, mesmo sendo cego. Você reconheceu o meu perfume em meio a tantos outros no ônibus, você me salvou naquele dia de alguns garotos pervertidos quando me chamou pra me sentar do seu lado, isso foi muito especial, você é especial.

Ele sorriu.

—– Pena não, eu tenho orgulho de você, pra mim você é um guerreiro.

Vi que sua mãe nos olhava da porta, profundamente emocionada.

—– Vocês dois são — Olhei para ela que sorriu gentilmente com os olhos encharcados.

Ele soltou as minhas mãos e abaixou a cabeça, atordoado.

—– O fato de eu ter te ajudado naquele dia, foi porque eu me senti na obrigação de amiga de te defender, e sim, eu senti pena, mas não porque acho que você é um coitado e também não significa que eu vou sentir pena sempre que eu me deparar com uma situação parecida, você se levantou sem a minha ajuda, isso prova o quanto você é forte...e tudo bem se você não quiser mais falar comigo, mas eu quero que pelo menos saiba disso...que você é muito forte e muito especial pra mim.


Uma lágrima caiu dos meus olhos, e rolou pelo meu rosto.

—– Sinto sua falta.

Ele procurou os meus olhos com as mãos, e com um dos dedos secou as minhas lágrimas.

—– Você me perdoa? — Perguntou

Deixei escapar um sorriso de alegria, depois agarrei a sua mão e depositei um beijo nela.

–— Claro que sim.

Ele sorriu e me abraçou forte. Senti o  meu coração tão leve.

E depois disso, a gente ainda saiu para um passeio, e ele sugeriu que eu escolhesse um lugar pra gente ir. Então a minha única referência foi o lugar onde Fred e eu costumávamos ir.

O lugar onde eu enxerguei a alma dele e ele a minha.

Ajudei Simon a se sentar em uma das pedras, em seguida me sentei do seu lado. Ele pareceu apreciar bem a energia daquele lugar, o canto dos pássaros, o cheiro de algumas flores, a brisa soprando leve em seu rosto.

Com os sentidos aguçados que ele tem, deve ser uma experiência surreal.

—– Como você perdeu a visão? Ou você já nasceu cego — Perguntei curiosa, mas depois me arrependi vendo que sua expressão mudou após isso.

Então olhei para o horizonte e ficamos em silêncio por um segundo.

—– Eu tinha dez anos — Ele suspirou, me fazendo olhar pra ele, surpresa — Quando começaram surgir os primeiros sinais da doença, mas eu ignorei os sintomas porque eu não achei que fosse nada demais, mas uma noite quando eu acordei estava tudo escuro, eu até pensei que fosse por conta da luz do quarto que estava apagada, mas não era, então eu me levantei desorientado e comecei a tropeçar em tudo desesperado, depois comecei gritar pela a minha mãe, até senti o abraço dela em meio a escuridão. O meu maior desespero foi não conseguir enxergá-la, eu não conseguia ver seu rosto, eu entrei em pânico...

Conforme Simon contava, os meus olhos iam se enchendo de lágrimas.

—– Eu sinto muito.

—– Sabe quando algo é tirado de você a força, e você não está preparado pra lidar com o peso disso..

—– Acredite, eu sei.

Lembrei da morte do meu pai.

—– Então, por isso hoje é tão frustrante pra mim, eu recuso qualquer tipo de ajuda,  porque não quero que pense que não sou capaz, mesmo em situações difíceis, o orgulho sempre fala mais alto, eu não consigo me conformar, antes eu podia fazer tudo e agora quase nada,e isso é muito doloroso...

Sem aviso eu repousei a cabeça em seu ombro e ambos ficamos encarando o horizonte.

—– A partir de hoje eu serei os seus olhos, Simon, e vou te levar para fora do seus limites, vamos explorar o horizonte juntos...

Vi um enorme sorriso surgir em seus lábios.

—– Promete?

—–  Prometo.


Depois de passar essa tarde maravilhosa juntos, eu ofereci meu braço e o levei de volta para a sua casa, e voltei para a minha com um imenso sorriso no rosto por ter conseguido recuperar sua amizade que significava muito pra mim.

DesilusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora