Capítulo 24

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—– Ana...

Virei o rosto subitamente e vi que Peter me olhava confuso.

—– Eu estou falando com você.

—– Desculpe, o que estava dizendo?

—– Que precisamos ir ao hospital para você fazer alguns exames de rotina.

—– Ah sim, claro.

Essas memórias do passado estão cada vez mais vivas dentro de mim, me impedindo de focar no presente.

Achei estranho não ter tido nenhuma crise de abstinência ainda, a essa altura sem beber era pra eu estar surtando já.

....

Quando chegamos no hospital, uma mulher ofereceu uma cadeira de rodas para ajudar na locomoção até o consultório.

Eu confesso que fiquei bastante empolgada com a ideia, por simplesmente estar realizando um dos meus sonhos de infância.

" Andar de cadeiras de rodas "

Com certeza era o número um da minha lista de desejos.

Eu sei, é  bizarro alguém sonhar com isso, mas eu sempre achei que seria uma aventura e tanto.

—– Por que está sorrindo? — Peter perguntou também sorrindo.

—– É que eu sempre quis andar em uma dessa — Confessei, animada, enquanto me ajeitava na cadeira de rodas.

—– Tá brincando?

—–  Não estou não, você quer ver?

—–  Como é?

Comecei a girar as rodas da cadeira com as mãos que não estavam mais tão doloridas, e quando me dei conta já estava em outra dimensão cheia de fantasias.

Era como se eu voltasse a ter seis anos. Todos no hospital estavam se divertindo com a minha loucura. Médicos, enfermeiros e principalmente algumas crianças vítimas do câncer.


Eu sei que foi imaturo da minha parte, mas pelo menos eu tornei a vida de muitos ali mais suportável.

Dei meia volta e voltei para me encontrar com o  Peter, e só depois de vê-lo agarrando os joelhos, ofegante,
foi que eu percebi que ele estava igual um louco correndo atrás de mim.

Olhei para ele e dei um largo sorriso
e minha respiração ofegante se misturou com a dele.

Que ficou um tempão tentando recuperar o fôlego.

Não me divirto assim há anos.

—– Ana, você é maluca —  Ele sorriu, mas sua expressão mudou bruscamente quando passamos por um quarto do hospital que estava vazio e sem lençóis.

Que é o que acontece quando morre algum paciente, ou quando recebem alta.

Aquela mesma tristeza voltou a invadir seu olhar.

Segui os seus olhos para dentro do quarto e de repente, também me veio uma lembrança dolorosa do passado.

As vozes e os gritos daquela noite conturbada se misturavam na minha cabeça, formando um barulho ensurdecedor.

—– Liza, eu sinto muito —  Lamentei como se estivesse vendo ela deitada naquela cama com o rosto coberto de hematomas olhando pra mim.

A raiva era evidente no seu olhar.

DesilusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora