Capítulo 31

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O Sero novato, então, enrijeceu olhando para Maya.

- Q-quem? - perguntou Myan.

- Um homem, ele morreu uns dias atrás. Como nós. Estava morando no Castelo até minha mãe o conhecer e o levar para casa. Aí eu conheci ele - respondeu Maya, voltando a caminhar lentamente.

- Mas por que você quer me apresentar ele? - questionou, já voltando a caminhar para acompanhar o ritmo de Maya.

- Achei que você devia conhecê-lo. Dê uma chance, acho que gosto dele - ela baixou seus olhos para o chão.

- Ah... - disse ele, distraído - o que você disse? - perguntou, começando a ficar irritado.

- E-eu acho que gosto dele. Entende?

- Como o que? Amigo, certo? - ele parou de caminhar e olhou para ela com esperança.

- Não é assim... Por que você está desse jeito? - ela parou de caminhar também.

- Por que não me contou antes? - perguntou ele.

- Por que eu o conheço há três dias! O que houve com você? - o Sero não respondeu a pergunta. Ele deu risada.

- Três dias, Maya! E você já está por aí suspirando por ele como se o conhecesse há séculos! - ele agora falava mais alto.

- Faz diferença?!

- É óbvio que fez diferença, Maya. Eu te conheço há anos - disse, baixando o tom da voz.

- O que isso tem a ver, Amyano? - o Sero enrijeceu mais ainda com a citação de seu nome completo.

- Que com seu melhor amigo. Ele, ele que faz declarações sutis para você por todos esses anos. Ele que te elogia, fica te olhando. E você nunca percebeu absolutamente nada. Mas com esse cara novo que você conhece há três dias, você já percebeu que ele te ama e te respeita, certo? Três dias, Maya!

- Eu não disse isso. Eu disse que gostava dele.

- E por qual motivo você gosta dele? - disse ele, sarcasticamente.

- Ele é gentil, Amyano!

- Eu não fui gentil? Por anos, eu não fui amoroso e respeitoso com você, Maya? E você nunca ficou comigo como fica com ele. Você sequer percebeu.

- Talvez fosse diferente se você largasse de ser tímido e me contasse.

- Maya, e os meus sinais? E o que eu te disse há menos de dez minutos? Que eu me perco nos seus olhos, no seu oceano esverdeado impossível de decifrar. Mas isso não soa como "que horas sua mãe me busca pra eu morar com vocês?" - ele fez aspas com as mãos - não é?

- Não fala assim.

- Ah, é. Qual é o nome dele? - perguntou ele.

- É Dearil - disse ela timidamente e o Sero novato deu risada.

- Irônico o nome do seu mais novo namorado significar o chamado da morte. Irônico mesmo. Mas que seja - ele deu outra risada - então não posso nem mais encostar no nome de seu amado, certo? Não posso mais "falar assim" de um homem que você conheceu três dias atrás e já nutre mais sentimentos que um amigo de anos. Vamos só continuar caminhando pelo vale dos amantes, então. Ano que vem você pode levar ele ao festival - provocou ele.

- Ok, olha, você gosta de mim. Me ama, já entendi isso. Mas eu gosto dele, você não tem como superar isso?

- Isso não acontece do dia pra noite, minha querida Maya. Os seus sentimentos até podem nascer de um dia pro outro, mas os meus, que estão crescendo há anos, não são simplesmente arrancados rapidamente.

- Então só volte a falar comigo quando tiver superado. Te vejo no festival - a moça saiu andando rapidamente. Mas Amyano ficou parado.

Depois de alguns minutos, o Sero começou a caminhar. Ele caminhou por um tempo, até que ouviu uma voz.

- Por que Maya estava assim? Ela passou por aqui pisando duro. Eu dei oi, mas ela me ignorou - dizia Codrin. Myan não respondeu, mas parou de caminhar e foi se sentar ao lado de Codrin num tronco deitado a beira da estrada - ah, acho que hoje o gato comeu a língua de vocês. Estou esperando a Mel.

- Ela não vai vir, Codrin. Te falamos isso ano passado.

- Ah, sei lá. Vai que ela decide passar aqui no vale dos amantes e me vê e decide passar o dia comigo - seus cabelos ruivos balançavam ao vento.

- Desista. Não vale a pena. Mel é bonita, gentil e engraçada, tem um ótimo caráter. Mas você não pode esperar que num belo dia ela acorde pensando "hm, que vontade de ver o Codrin."

Um silêncio desconfortável se seguiu.

- V-você foi selecionado?

Myan sabia do que Codrin estava falando, mas não quis responder. Então ele continuou.

- Eu vou ser um Lafo, olha! Minhas asas estão nascendo, bem branquinhas. As de Mel também estão, ela vai ser um Lafo também. - Myan olhou para ele com desconfiança - Caroline me contou. Eu não tenho falado com Mel.

- Você não fala com ela, Codrin. Ela simplesmente não dá bola pra você - Codrin não se deixou em nenhum momento abalar pelos comentários de Myan.

- Você sabe se Maya foi selecionada? - perguntou.

- Ela não foi. Sorte a dela, não sei se lidaria com tanta responsabilidade.

- É uma honra! Eu admiro muito o Rei Lafo, acho ele incrível. E eu não queria ter que ser um Sero, imagine ser forçado a fazer o mal? A tocar o caos?

Uma pontada de raiva estremeceu o corpo de Myan. Ele só assentiu.

- Mas e você? Foi selecionado? - perguntou Codrin. Myan pensou um pouco antes de responder.

- Não, não fui - mentiu.

- Sabe, eles selecionam conforme a personalidade. As pessoas neutras não são selecionadas, só as muuito boas, por isso eu fico orgulhoso de ter sido selecionado. Mas fico impressionado que você também não tenha. Eles devem ser muito exigentes.

Myan só assentiu. Sentia vontade de ficar o dia todo ali, no vale dos amantes, observando as folhas caindo. Mas não seria possível com a tagarelice de Codrin.

- Vou ao festival - ele disse, se levantando - você não vem?

- Melhor não, vai que Mel aparece.

- Para de ser assim! Ela não vai aparecer, vem comigo. Vem logo, Codrin - e finalmente Codrin levantou do tronco e começou a caminhar do lado de Myan.

- Por que Maya estava brava? - perguntou ele, desconfortável no silêncio.

- Não é da sua conta.

- Poxa, ela parecia tão brava. E triste, você pode imaginar o que poderia ter acontecido?

- Hmmm, não, Codrin.

O dia passou lentamente, Myan ficava repetindo cada frase que dissera em sua cabeça. Maya também fazia isso, mas havia se juntado com Caroline e Mel e assim se distraia um pouco da tempestade que assolava sua mente.

No dia seguinte, Myan decidiu que deveria dizer para Maya o que ele não teve coragem de contar. Então ele escreveu num papel.

"Maya, sinto muito. Espero que me perdoe, mas não vou superar tão cedo. Lembra que tinha duas coisas pra te contar? Eu amo você, essa é a primeira. E a segunda é que sou um Sero. Eu ia te contar anteontem, mas tive medo. Me perdoe, não vou mais chegar perto de você nem da sua família por muito tempo. E quanto ao seu belo amado, não tenho o mínimo respeito a ele. Mas espero que você seja feliz. Myan."

Ele entregou essa carta passando-a por baixo da porta da casa de Maya enquanto torcia silenciosamente que ela não fosse teimosa e a lesse. Depois disso, se afastou de seus amigos e se preparou para ir ao Castelo Sero, se apresentar como um e finalmente começar a exercer o trabalho que lhe fora dado.

Mas Myan era vingativo, e para ele, a história de sua vida e de Maya estava prestes a começar.

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