Capítulo 36

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Se ouviam três corações martelando dentro de três peitos inquietos. Três mentes conturbadas e traumatizadas não se calavam, mas isso não fazia jus ás suas bocas, que continuavam fechadas, com  um gosto amargo se alastrando por elas. Mel, Malik e Sirius, destruidos por seus pensamentos que os esmagavam lenta e dolorosamente, caminhavam rapidamente pela caverna, procurando uma saída.

- Acho que encontrei! - Gritou Sirius.

A caverna em si era só uma abertura simples numa pedra, camuflada por musgo e por trás de uma pequena cachoeira.

- Olha o que eu achei - exclamou Malik quando se viram, na saída da caverna. O garoto, sempre tão bem arrumado com os seus cabelos negros brilhantes agora nem parecia o mesmo, todo sujo de terra, poeira e sangue seco. Ele estendeu a mão e mostrou a Mel e Sirius um pedaço de kademo que provavelmente havia caido quando Paulo e Mel haviam chegado. Mel pegou o kademo em sua mão e o partiu em tres, colocando cada pedaço em uma mão estendida ao seu redor.

- Tem certeza que é o mesmo que voces comeram? - Perguntou Sirius, antes de levá-lo a boca. Mel assentiu.

- Uhum! Está queimado nas pontas, como o que eu comi. Comam. Agora. - Não havia tempo pra desconfianças. Esse tempo havia passado, e não houveram desconfianças.

Todos comeram ao mesmo tempo, sentindo um frio na barriga repentino. Malik sentiu cheiro de pão recém saído do forno. Mel sentiu suas asas esquentarem, e os cabelos de Sirius voaram em seu rosto. De repente um estampido se ouviu, e seus pés bateram no chão. A mãe de Sirius estava sentada no sofá, com uma cara parecida com a de Sara. Se destruindo. Quando ela olhou para cima, e seus olhos se encaixaram em algum  lugar entre Malik, Mel e Sirius, seu olhar se acentuou novamente e o alívio chorou acima deles. No entanto, o abraço que se seguiu naquele momento não aliviou ninguém além de Maya. Suas almas cansadas pesavam neles e eles só precisavam de tempo para no máximo aprender a viver com aquilo. De repente, as asas brancas surgindo nas costas de Malik não significavam mais nada. Afinal, de que adiantavam asas de Lafo quando duas pessoas importantes pra ele estavam mortas? Quando falhara em salvá-los, merecia mesmo ser um Lafo? 

E Paulo havia morrido sem que Sirius soubesse de toda história. Havia morrido sabendo que Sirius o odiaria para sempre. O arrependimento palpitava nela. E a raiva de Myan, que finalmente os deixaria em paz. Ele os deixaria, mas a consciencia de Sirius a atormentaria para sempre.

- Onde vocês estavam? - Perguntou a mãe de Sirius. Mel se adiantou.

- Amyano. Amyano queria matar Sirius. Paulo e Sara foram enganados por eles... - A raiva de Mel podia ser sentida. Mas os olhos dela pareciam o oceano. Olhos castanhos de um Lafo destruido emocionalmente, azuis de tantas lágrimas. Era de se admirar que conseguisse enxergar com os olhos tão molhados.

- Essa parte eu sei. Mas não sabia que era Myan. Ele não faria...

- Ele ia matar  todos nós. Como pode chamá-lo pelo apelido sabendo que ele surtou quando você disse que gostava de Dearil, e dezesseis anos depois tentou assassinar sua filha? Maya, Ele ia matar Malik. Mas quem morreu foi Sara. E depois o lunático decidiu matar Sirius. Mas adivinha quem morreu?! Sim, Maya, Paulo e Sara morreram para salvar sua filha e o garoto que voce considera filho. E o homem que matou eles foi o seu antigo melhor amigo maluco! Não tenha compaixão dele agora, já é tarde e nem mesmo os mortos como ele merecem compaixão. Quem merece, de verdade, é Paulo, é Sara, que erraram e tentaram concertar o erro, e morreram no processo! Salvando os seus filhos! E sabe como foi, Maya? Aquele Sero nojento jogou um mármore em cada um e os coitados morreram agonizando! Podia ter sido Sirius! Voce realmente tem pena de Amyano? - Ninguém nunca tinha visto Mel tão brava. Falando tão alto. A tatuagem em sua asa em formato de girassol se encolheria se pudesse, intimidada. Sua expressão anteriormente alegre e compreensiva estava agora manchada de sujeira e de lágrimas. E de raiva.

Maya se manteve em silencio, os olhos soltando lágrimas violentamente. A vergonha queimando seu rosto.

- Bom saber. - Sirius e Malik ficaram calados também, surpresos com o jeito que Mel falara com Maya. Myan já tinha sido amigo dela? Seria culpa da mãe de Sirius tudo aquilo?

As mãos de Mel, embora melhores, ainda tinham as cicatrizes provenientes do feitiço de mármore. Sua asa direita brilhou de um jeito azulado, e sua expressão se tornou mais preocupada.

- Codrin precisa de ajuda. Eu passo a noite com voces hoje. - E tentou sorrir para as duas crianças que haviam restado. Mas suas almas já tinham passado por coisas demais para serem chamadas de crianças.

Só depois de uns minutos num  silencio mais pesado que as palavras recentes de Mel, Maya teve coragem de falar de novo.

- Eu fiquei preocupada, Myan não estava morto?

- Palhaçada - disse Sirius numa frieza assustadora - Foi o Rei. Mentiu para nós. Você não disse que conhecia... Amyano.

- Com calma, meu bem... Não há mais pressa agora - Maya ia chegando perto de Sirius para outro abraço. Malik entrou na frente.

- Não há mais pressa?! Você não tem sequer um pouco de respeito pelo que eles fizeram?

- Malik, por favor...

- Não mãe, eu não quero gritar com você - cortou Sirius - Ainda pressa... Não podemos simplesmente esquecer isso. - e saiu da sala. Malik a seguiu.

A única coisa que acalmava um pouco Maya era o pensamento de que eles estavam estressados, e quando esfriassem a cabeça voltariam a ser gentis, e mais calmos com ela, e poderiam conversar.

Assim que Malik e Sirius entraram no quarto de Sirius e ela fechou a porta o mais silenciosamente possivel, o silencio reinou novamente. Mas só fora de suas mentes. Sirius se virou e ficou de frente com Malik. Seu olhar tristonho encarava a garota. Malik se aproximou de Sirius abrindo os braços, e parou a centímetros de distancia dela, como que perguntando se ela estava bem para aceitar um abraço. Nunca tinha sido assim, ele nunca havia perguntado, por que sabia que sempre seria bem-vindo nos braços dela. Mas soube pensar se dessa vez seria só bem-vindo ou solicitado... Sirius assentiu e ela mesma avançou em direção a ele, abrindo os braços também, e encaixando a alma na dele. Casa. Proteção. Não calmaria. Almas irmãs, que quando juntas só podem pensar em confortar uma a outra. Corpos irmãos. Protetores.

- Eu sinto muito. - Sussurrou Malik. E sentia. Sentia demais, e sentia que era culpa dele, por não os ter protegido.

- Eu sinto muito. - Ela repetiu, sabendo que não valia a pena dizer ''Me desculpe'' por que Malik passaria um tempo tentando convence-la de que não era culpa dela. Ela não estava com energia para discutir.

Malik sentiu seu casaco imundo molhar. Ele só havia visto Sirius chorar tres vezes. A primeira, quando descobriu, aos quatro anos de idade, por que haviam tantos cachorros para adoção no Castelo Lafo em Kilian. Sua mãe a ajudou a superar. A segunda foi no dia que Paulo a levou para dar uma volta, e Malik estava com Sara. Nesse dia Sirius soube que poderia morrer. Malik recebeu a mesma noticia, de Sara. Ela chorou quando chegou em casa, se trancando no quarto. Malik não soube se devia consolá-la ou deixá-la em paz. Decidiu pela segunda, se segurando para não mandar Paulo dormir com ele essa noite. ''Dormir''. Nessa noite nenhum dos quatro conseguiu dormir. A terceira foi na gaiola na caverna, e a quarta vez seria no abraço de Malik, confortando-a. Pela primeira vez, confortando-a. Como devia ter feito faz tempo.

Sirius desmoronou, então Malik desmoronou junto a ela. Lágrimas silenciosas se mesclavam umas as outras. A preocupação havia acabado, mas eles não se sentiam aliviados. Como estaria Mel agora?

 Como estaria Mel agora?

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