Eu me sentia nas nuvens. Minha dor de cabeça tinha desaparecido misteriosamente. Tudo o que eu via era a escuridão. Pensei como não havia morrido com aquele mármore, e como deveria. Ou será que havia morrido mesmo, e ido para o inferno?
Pensei se encontraria Sara na pós-vida. Se ela iria para o mesmo lugar que eu. Se Sirius e Malik estariam bem. Se Myan estaria morto. Talvez eu nunca chegasse a saber. Minhas pernas formigavam. No meio de toda aquela escuridão, finalmente surgiu uma luzinha brilhante. Se conseguisse me mover, eu a seguiria, mas pelo aumento rápido de sua magnitude, não precisei fazer isso. Em pouco tempo, conseguia ver outras pessoas a uns metros de distancia de mim. Uma multidão dispersa. Um castelo. O castelo Lafo? Pessoas com asas... Pessoas coloridas, pessoas com rachaduras na carne. Pessoas normais, também.
- Paulo Machado? Ah, aqui está você... Mármore? Hm, isso é incomum. Já estava em Kilian, garoto? - Um homem não muito velho se aproximou. Usava óculos de armação azul, ajudando os olhos castanho claros. O cabelo preto e curto. Era alto e relativamente magro. Negro retinto.
- Sou eu... Já. - decidi não falar mais que o necessário. Esperava que o homem me explicasse.
- Olha... Você morreu. Quem morre vem pra Kilian. Quem já morreu e vive em Kilian, e morre de novo vai pra Alion. Depois disso, perde a memória das outras vidas e renasce na Terra. É um ciclo. Me chamo Oliver, voce pode vir comigo um instantinho?
Então eu estava morto? Alguém na mesa ao lado da que Oliver me arrastava gritou para quem quisesse ouvir. Um homem baixo, forte e careca.
- Sara Ribeiro? - então abaixou a voz. - Ugh, adolescente. Quatorze... Provavelmente fugiu de casa com algum namorado. Sara Ribeiro! O que... Mármore? Ah, claro, esses Lafos de campo, incompetentes... Então foi trazida. Talvez tráfico. Mas é surda?! SARA RIBEIRO!
- Olha, eu preciso que você responda isso aqui - a voz de Oliver me trouxe de volta a sua própria mesa, apesar de continuar com os ouvidos apurados na mesa ao lado - e assine aqui - me deu uma caneta.
Meu nome... Paulo Machado... Quatorze anos... Feitiço de mármore, provavelmente. Não. Sim. As vezes. Uma voz aguda na outra mesa. Sim, não... Paulo Machado. 26 de Novembro. Sem preferência de cor. A voz continuava. Virei a cabeça e vi uma garota ruiva. Não pude esperar para falar com Oliver e descobrir tudo.
- Terminamos?
- Eu tinha que te mostrar Kilian, mas parece que você já conhece, já que morreu de mármore. Então pode ir.
Me virei o mais rápido possível e fui em direção a Sara. Estava á uns metros a frente. Me admirou que eu escutasse daquela distancia.
- Sara? - Disse eu, perto dela. A cabeça ruiva virou rapidamente, revelando grandes olhos azuis brilhantes.
- O que você quer, moleque? - Perguntou o moço da mesa dela. Ignorando-o, Sara ficou uns segundos exitante, e me abraçou forte. - Nossa, eu nunca estou errado. Olha, já que você morreu de mármore, eu só preciso que termine de preencher isso e já te libero.
- Melhor obedece-lo - exclamou Sara, se afastando de mim. Se sentou novamente e voltou a escrever - sabe, passei tempo o suficiente com você, moço, pra saber que não posso discordar de você. - Só percebi ali uma cicatriz do mármore em Sara. Ia do pescoço até a testa, passando no meio de um olho.
- Alguma preferencia para cor da pele? - Perguntou o moço, por fim. Fazia sentido pensar que as pessoas podiam escolher ser amarelas, roxas ou verdes, qualquer cor, em Kilian. Sara disse não.
Quando terminou, Sara me agarrou pelo braço e me arrastou para um lugar menos agitado no Castelo.
- Olha, Sara, eu não sei o que ele contou para vocês. Mas era mentira. Eu nunca faria nada de propósito para machucar vocês. Você sabe disso, né? Eu amo vocês.
- Eu sei... Eu senti a sua falta. Eu não sei bem o que aconteceu na caverna, mas eu estava pensando em você e no que Myan disse... Aí eu apaguei. Quando acordei, Mal ia levar um mármore. Aquilo não devia acontecer. Eu devia ter te mantido no sítio. - Sara não chorava. Mas cada vez apertava mais os meus braços. - Eles tentaram me reconfortar, sabe, na caverna. E eu não fiz nada pra eles.
- Xxxx... Você salvou a vida de Malik. - De repente Sara tirou o rosto do meu ombro.
- O que aconteceu depois disso?
- Ele disse que ia matar todos nós de uma vez. Eu tinha um pedaço de vidro na mão. Um mármore bateu na parede da caverna e se desfez. O outro caiu em mim. Eu não sei o que houve com o outro. - Sara enterrou o rosto em meu peito e suspirou demoradamente. Então levantou de novo.
- Temos que ir lá. Ver se eles estão bem.
- Nenhum deles estava no Castelo, Sara.
- Por que se eles morreram, provavelmente vão estar em Alion, Paulo! - Lembrei de repente do lugar que Oliver citou. Uma voz masculina surgiu por trás de nós.
- Ei! Você não é o garoto que estava com Mel hoje mais cedo? Sou o Codrin, prazer! Onde a Mel está? - Perguntou o Lafo de cabelos ruivos e olhos azuis. Como seria Sara se fosse homem, adulto e Lafo. Alto e forte, mas cuja expressão gentil não permitia que fosse intimidador.
- Sou. Acho que ela está na casa da mãe de Sirius agora - Disse eu.
- Maya - corrigiu Sara. Claro, Sara dormiu no mesmo quarto que a mãe de Sirius por um tempo, saberia o nome dela.
- Aah... Codrin. Você tem como chamar Mel aqui? É uma emergencia. Nós, meio que... Morremos. Já estávamos em Kilian. Precisamos dela agora.
- Nossa... Vocês vão ter que me contar essa história um dia desses. Vou usar o alarme, só um instante.
Uma luz azulada surgiu numa da asas brancas de Codrin e ele sorriu para nós.
- Ela já chega aí. Deve achar que estou em perigo, mas é uma emergencia, né? - Assentimos - Bom... Não querem um chá? Posso pegar na cozinha. - Sua animação era um pouco estranha. Recusamos o chá, mesmo apreciando que ele quisesse nos agradar mesmo logo depois de morrer. Pensei ''Mel deve ser uma boa amiga dele.''
Não demorou muito para que Mel chegasse, com suas asas majestosas ainda batendo do voo recente.
- Codrin... O que aconteceu de tão importante no trabalho de dentro do castelo que você precisou me cham... - Ia dizendo ela, com os olhos fechados, arrumando o cabelo bagunçado. Abriu os olhos. - Paulo e Sara? O que estão fazendo aqui? Vocês não estavam... M-mortos?
Mel nos abraçou forte e depois disso quem falou foi Codrin.
- Ué, eles estavam em Kilian, mas estavam vivos. Era natural que viessem para o Castelo depois de morrerem.
Então a ficha caiu. Era por isso que estávamos lá.
- Como eu me esqueci disso...? - Lamentou Mel - estão todos arrasados lá, precisamos ir imediatamente! Obrigada por me chamar, Codrin. Vamos.
Mel começou a caminhar rapidamente e a seguimos, ansiosos por chegar em nossa casa.
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O Preço da Sinceridade
Fantasy(e da falta dela) [Sendo reescrito, sujeito a alterações] Paulo e Sara se conhecem desde sempre. São o porto seguro um do outro, e estão sempre buscando aventuras. Um dia um homem bate a porta da casa de Paulo, alegando precisar da ajuda única deles...