Fomos caminhando até o castelo do Rei conversando. Eu e Sara tentávamos adivinhar como ele conseguiria deter Myan. Sirius não disse uma palavra. E eu não insisti. Caminhamos, por sobre as folhas avermelhadas que caíam. As estações eram diferentes em Kilian. Cada uma durava duas semanas, e elas se repetiam em um ano, pelo menos 10 vezes. Estávamos no outono agora. A cada passo que eu dava, uma folha se quebrava instantaneamente e fazia "crec".
Por meia hora eu e Sara conversávamos alto sobre a morte de Myan e como depois de tudo isso nós nunca mais seríamos os mesmos. O caminho até o castelo era estreito e bem iluminado pelo sol que estava sob nossas cabeças.
Apesar das árvores, que tampavam grande parte da luz, o pequeno vale com um rio atravessando-o pelo meio era claro e era muito reconfortante passar por lá, principalmente por causa da notícia que havíamos recebido, que deixava tudo melhor.
Os portões se abriram fazendo um estrondo. Sara se assustou com o barulho e deu um pequeno pulo, mas se acalmou rapidamente. Dois guardas ficavam em pé calmamente em cada lado do muro, e me perguntei quantos Lafos defendiam o rei de possíveis ataques.
Sirius caminhava a passos largos e lentos, mas eu e Sara andávamos em passos curtos e rápidos. Ao passar pelos portões, chegamos a uma porta, que levava a sala que estávamos no outro dia. Um guarda estava lá para nos levar até o Rei. Era loiro, alto mas muito magro.
Haviam estátuas, e caixas de vidro exibiam as relíquias dos tempos de guerra que estavam guardadas no Castelo. Passamos por uma porta no mesmo momento que dois criados caminhavam para a nossa direita, carregando cada um um vaso de flor grande vazio. Quando atravessamos o corredor, havia outra porta, a qual entramos, silenciosamente, pois o guarda a abriu para nós. Eu atrás de Sara, atrás de Sirius.
Assim que fechamos a porta o Rei levantou os olhos do papel que estava lendo e se recostou na poltrona em que estava sentado.
- Finalmente vocês chegaram! Vieram a pé?! - sua voz estrondosa que eu ainda não havia me acostumado a ouvir ecoou pela sala.
- Majestade, não temos outro meio de transporte. Nossa única escolha era vir a pé - disse Sirius, calmamente.
O rei bufou.
- Enfim, decidi ajuda-los. Afinal, é só um Sero. Posso mandar uns 3 soldados, para garantir, e eles trarão o cadáver de...?
- Myan - exclamou Sara, ríspida.
- Exatamente. É só um Sero saudável, não temos o que temer. Mas eu preciso falar com vocês sobre um assunto em específico. Aproveitar a chance, duas crianças que não morreram em Kilian? Não acontece todo dia. Por incrível que pareça, o que Myan fez será útil para mim, indiretamente.
- Estamos um pouco cansados de acordos, Majestade. Sabe o que aconteceu quando negociamos com Myan. Agora, dividas não são mais tão plausíveis quanto antes - exclamou Sara.
- E daí? Preciso que vocês cuidem do jardim por uns dias. Só isso. Meus jardineiros estarão ocupados essa semana. Recentemente apareceu uma Rainha em Kilian e mandei para ela meus jardineiros, para que ela cuide do castelo dela. Não há problema em um súdito ajudando seu Rei a cuidar de seu jardim.
- Não somos jardineiros, e nem seus súditos, Senhor - esbravejou Sara, irritada - somos crianças que não morreram, então só estamos aqui por causa de Myan. Não faremos absolutamente nada, só queremos que o Senhor nos ajude com Myan. Só isso, e nós vamos embora.
Eu e Sirius balançamos a cabeça, concordando com Sara, e o Rei rebateu-a.
- Se não fizerem isso não mandarei os guardas. Parece birra de criança - riu consigo mesmo - eu sei, mas preciso que me ajudem. Me ajudem e ajudarei vocês.
- Por que não arranja outros? Não somos as únicas criaturas de Kilian. Não somos nem sequer seus súditos. Tenho certeza que uns lafos por aí adorariam ser seus jardineiros por uma semana - a atitude de Sara me intrigava. Nunca tinha percebido isso em toda a minha vida, mas ela tinha uma personalidade forte. Chegava a ser irritante as vezes.
- Pelo amor de Deus! Apenas seja obediente. Não quero Lafos, quero crianças. Crianças vivas. Vocês tem algo que meus Lafos não tem: vida. Apenas isso, não estou pedindo demais. Vocês trabalharão para mim até semana que vem e eu enviarei os guardas.
Sara bufou, deu as costas ao Rei e saiu andando, eu e Sirius a seguimos. E ficou claro quem mandava em todos. Obviamente era Sara, e sua mania de liderar não facilitava as coisas para quem quer que estivesse discordando dela. Mas Sirius, que saiu por último, perguntou ao Rei:
- Quando começamos? - e sorriu docemente, sei disso por que olhei para trás.
- Amanhã. Apareçam de manhã cedo!
Sirius saiu e escutei o barulho alto da porta quando bateu. Sara resmungava. Não dava para entender o que ela dizia, mas não parecia estar satisfeita com os caprichos do Rei.
Caminhamos no mesmo ritmo a qual estávamos acostumados. Sirius caminharmos em passos largos e lentos, e como já era de se esperar, eu e Sara em passos rápidos e curtos.
- Vai falar comigo agora? - perguntei a Sirius, enquanto continuava caminhando.
Sirius revirou os olhos.
- Vou.
- Finalmente esse seu jogo do silêncio acabou. Como você está com essas notícias? - perguntou Sara.
- Parece que está tudo resolvido. Ainda estou brava com vocês, mas disse que iria parar com isso assim que saíssemos do castelo, então o fiz. Mas só vou estar de bem com vocês dois depois que Myan estiver morto e nem eu nem minha mãe estivermos sob risco de morte. Vou voltar a falar com vocês, mas isso não significa que estão perdoados. Malik está pensando no caso, e...
Sara a interrompeu de repente.
- Eu nem perguntei a ele como estava depois que contamos a vocês. Enquanto vocês estavam naquela pracinha, eu contei pra ele. Ele não parecia bravo, estava tão calmo. Mas nos dias seguintes ele nem falou comigo. Malik ficou bem com aquilo?
Tropecei numa pedra, Sara deu uma gargalhada e Sirius deixou escapar uma risada abafada.
- Ficou... Mas se sente mal por mim e por minha mãe. Pelo menos ele entende o motivo de terem aceitado aquilo. Ele só está chateado, mas acho que não tem ressentimentos da parte dele. - Sirius deu um sorriso cansado e continuou - Ah, eu nem contei para vocês - nossos olhos se fixaram nela - o Rei disse que começamos amanhã.
- Eu não gosto disso, mas entendo. Vou lá só na força do ódio. Não temos nada a perder se realmente formos - Sara sempre ia na força do ódio quando não gostava de algo.
- Esse é o espírito! Paulo, você está muito calado. O que houve? - e olhou pra mim com misericórdia.
- Ah, nada, só estou pensando. Sei que não há mais nada para pensar, por enquanto. Está praticamente tudo resolvido. Só estou pensando em como vai ser depois disso - e olhei, melancólico, para o chão.
- Entendo você. Mas acho que a gente só precisa seguir em frente. Pensamos nisso depois. Aliás, chegamos em casa! - gritou Sara, animada.
A mãe de Sirius estava na cozinha, cozinhando algo com batatas. Sara foi conversar com Malik, e eu peguei meu livro outra vez. Mas minha mente vagava pelas coisas que poderiam acontecer depois que voltássemos para nosso mundo.
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O Preço da Sinceridade
Fantasy(e da falta dela) [Sendo reescrito, sujeito a alterações] Paulo e Sara se conhecem desde sempre. São o porto seguro um do outro, e estão sempre buscando aventuras. Um dia um homem bate a porta da casa de Paulo, alegando precisar da ajuda única deles...