Capítulo 38

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A caminhada no vale por onde passamos tantas outras vezes se tornou longa demais. Mel ia a nossa frente, caminhando o mais rápido possível. Eu e Sara andávamos rápido também, com medo de ficar para trás. As flores no caminho não eram importantes o suficiente para que parássemos para colhe-las. Minha cabeça ficava nublada, não me permitindo pensar. De certa forma, aquilo era uma coisa boa. Não pensar depois de tanto tempo pensando até demais.

Demorou um tempinho para que chegássemos na casa. O jardim florido em volta não era o suficiente para apagar as mentes cinzentas que estavam dentro de lá. Tudo estava muito quieto, como se não houvesse uma alma viva naquela casa. Mesmo as trepadeiras e roseiras nas paredes de pedra não coloriam a paisagem nublada que pairava na casa. Parecia que a melancolia tomara conta de tudo. Nem os pássaros se atreviam a cantar e desrespeitar o silencio. O céu cinzento se expandia, completando o cenário taciturno. O Sol sequer brilhava. Era final da tarde, e senti que umas pancadas de chuva iam chegando.

Mel bateu na porta trancada. Passos lentos se aproximaram de nós. A porta abriu preguiçosamente, revelando uma senhora baixa de pele roxa, cabelos negros como a noite e traços grossos. O tempo havia cobrado dela todos os anos que viveu feliz e em paz. A mãe de Sirius nos encarou brevemente, sua boca abrindo para dar lugar a surpresa. Deu um passo para trás, abrindo o caminho.

- Eles estão no quarto dela - Nada mais precisava ser dito.

Eu e Sara entramos, hesitantes, e caminhamos lentamente em direção ao quarto de Sirius. Sequer sentia sua mão agarrada na minha o mais forte possível. A mão que não era segurada por Sara tremia muito. Não havia barulhos no quarto. Levantei a mão lentamente, levando-a a porta, e bati.

- Mãe, agora não... - Ouvi Sirius dizer.

- Não é a sua mãe - Consegui dizer, alto o suficiente para que ela me ouvisse. Escutei um barulho e passos tímidos indo até a porta.

Olhos verdes hipnotizantes apareceram do lado da porta que só estava um pouco aberta. Rapidamente, a pele roxa se expandiu em minha visão.

- Mal... Vem ver isso - sussurrou ela. Seus olhos estavam inchados de chorar e o cabelo mais bagunçado do que nunca. Não consegui pensar no que ela estava passando e tinha passado. Malik chegou ali perto lentamente, observando-nos assim como Sirius observava.

- Sa... Sara? - Perguntou ele. Sara, ao meu lado, assentiu, então as cabeças de Malik e Sirius se encararam, e logo depois a porta abriu totalmente.

Ele foi abraçar Sara o mais forte do que já tinha abraçado alguém. Como abraçaria alguém que achou que estava morto. Como abraçaria seu amor que achava que estava morto. Sirius veio na minha direção abrindo os braços, mas antes de me abraçar realmente, ela parou, esticou o dedo e tocou no meu nariz, com um olhar de desconfiança. Olhou minhas mãos, provavelmente procurando sinais de mármore, mas não achou. Minhas únicas marcas de mármore estavam no pescoço, indo ate as orelhas.

Então ela finalmente me abraçou. Apertado. Seus braços foram até minha nuca aproveitando o toque de alguém que estava aparentemente morto. Ela não chorou, mas pensei se seria apropriado isso acontecer, mesmo que fossem lagrimas de felicidade. Não sabia se merecia lagrimas de felicidade depois que tudo aconteceu, mas eu mesmo estava a ponto de chorar.

Escutei um trovão e vi pela janela de Sirius que uma tempestade se aproximava. Normalmente isso não seria bom sinal, mas dessa vez era algo que marcaria o fim de um período de preocupações.

Muita coisa teria que ser explicada e contada, mas aquele perigo eminente a qual corríamos até uns dias atrás já não existia. A única coisa que teríamos que nos preocupar era em descobrir por que o Rei era Rei, sendo trapaceiro daquele jeito, e querendo acima da paz o poder, mesmo conseguido desonestamente.

Depois daquele dia, estávamos salvos. Minha vida já não era aquela vida pacata e inocente que eu vivia no sitio. Talvez nunca mais fosse pacata. Eu não sabia se agradecia por ter vindo a Kilian e conseguido amizades e um amor, ou se lamentava por estar morto. Mas já havia acontecido, e tanto eu como Sara estávamos satisfeitos com a perspectiva de tudo já ter acontecido, e já não haver o risco de morte.

Nossas idades físicas não mudaram. Em menos de um ano, só nossas vidas mudaram de um modo que nunca imaginaríamos acontecer. E devíamos isso a Kilian.

Depois de uns momentos, Sirius me largou e todos começamos a nos entender. Até tarde da noite conversamos sobre tudo que tinha acontecido, e quando fui me deitar no colchão no chão no quarto de Sirius, percebi um tufinho branco de penas nascendo em minhas costas. De certa forma, eu sabia o que significava. Fui até o quarto da mãe de Sirius, onde Sara estava dormindo, e a acordei.

- Sara, você também esta com dor nas costas? - Perguntei.

- Sim, deve ser por causa da gaiola em que eu dormi... Boa noite, Paulo - E se virou para o lado no colchão.

- Sara, levanta - peguei seus braços e os puxei para cima. A virei para ficar de costas para o espelho.

- Pra que você... Espera, o que é isso? São...

Assenti. Sara e eu seriamos Lafos. Por que fizemos o que era possível fazer. Por que tínhamos boas intenções. Por que não pagamos o Preço da Sinceridade.

 Por que não pagamos o Preço da Sinceridade

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