O Que Configura Um Namoro?

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Eu nasci em uma cidade do interiorana do Brasil, de uma família que cultivava café em latifúndios... Destinada a ser de uma família bem rica, mas é claro que não foi assim, meu avô perdeu até as cuecas no jogo e a família toda se mudou pra cidade grande quando eu tinha uns dois anos, meu pai nunca foi flor que se cheirasse e minha mãe era muito frágil... Depois de um tempo meu pai foi embora de volta pra terra natal dele... A terra do sol nascente.

Pra vivermos bem e sustentar a nós, minha mãe passou a trabalhar como doméstica em várias casas de família, quando eu não estava na escola tinha que ir junto pra casa de pessoas riquíssimas em dinheiro mas não tinham um pingo de decência, cansei de ficar trancada num armário dentro daquelas casas bonitas sem comer nada além do que minha mãe levava, fazendo os deveres de casa com uma lanterna que eu segurava com os dentes, a vida era difícil... Mas eu tinha uma mãe, ela cuidava de mim e nunca pensou em me abandonar... Quer dizer, até o meu irmão Nicolas nascer. Depois que ele nasceu, ela passou a ter surtos psicoticos que chegaram a machucar o meu irmão bebê. A mamãe foi internada e fomos viver na casa de parentes onde eu era uma baba em miniatura pros filhos deles, até o dia em que o meu pai soube disso tudo e mandou irmos viver com ele.

E algo muito pouco detalhado por eu ser muito jovem quando tudo aconteceu, eu me lembro que viver no Japão foi incrível nos primeiros anos, tínhamos uma família de novo incluindo nossa madrasta e a bebê que ela estava esperando e eu não precisava me preocupar com nada além de estudar e compor as músicas que eu tanto amo, cheguei a ganhar recitais por aqui... As coisas viraram de cabeça pra baixo depois que a Mako nasceu e durante um festival a mãe dela foi assassinada com um tiro na cabeça.

Mais tarde eu saberia que foi coisa da Yakuza, mas na época só foi assustador!
Meu pai estava afogado em dívidas por causa de drogas e empréstimos, ele foi trabalhar pra Yakuza e eu tive que nos sustentar depois que o estoque de comida acabou, o que me fez largar completamente os estudos e parcialmente a música.

A sorte da minha vida é a minha vizinha, ela tem parentesco brasileiro e isso nos fez próximas.

Mas sabe... O por quê estou contando isso? O Draken perguntou isso enquanto estávamos fazendo o jantar juntos, ele estava interessado em como eu vivia antes.

— Porra, a gente nem pode fazer uma competição de vida mais merda, você ganha sozinha — ele diz sério como sempre enquanto estou lavando uns tomates, esqueci de prender os cabelos com mais força antes então algumas mechas ficaram caindo no rosto, eu balançava a cabeça ou soprava enquanto falava.

— Ah, draken... Não precisava — Disse quando ele soltou as pontas de meus cabelos por onde o prendedor havia escorregado e passou a amarrar meus cabelos perfeitamente

— Precisava sim — ele suspira e olha em volta com as mãos mãos nos bolsos, observando o que eu estava fazendo na bancada — Nunca vi usar alho assim

Seus olhos se focam em mim e eu olho para o alho... Mas só tava amassado dentro da panela.

— Ele só tá amassado — Digo secando minhas mãos em um pano enquanto tiro a medida de arroz pra nós, não é tão bom quanto o brasileiro mas serve a seu propósito — é pra temperar o arroz.

Nessa hora o Draken fez uma cara.

— Tipo Yakimeshi? — ele faz uma careta, aparentemente ele não gosta muito desse prato, eu nem mesmo conheço.

— Eu acho que não tem nada a ver não, Ken — digo enquanto ligo o fogo, apanhando um pouquinho pro fogão antes que ele acenda

— Continua me chamando de Draken, Am... Miyazaki — ele disse acariciando levemente minha cintura enquanto cozinho, isso me desconcentra horrores, mais ainda quando ele fala isso... O clima da cozinha ficou gélido por bons instantes.

— Tá bom, amorzinho bem pequenininho — disse quebrando o gelo, digamos assim, o Draken tem a altura de um poste... Chamar ele de qualquer adjetivo com "inho" é meio idiota... Mas eu meio que já queria chamar ele de algum jeito assim a algum tempo.

— Idiota — eu soube que a batalha estava ganha quando ouvi o som dele deixando o ar escapar em uma risada contida, eu estava aliviada por ele não estar bravo por eu o ter chamado de "amor".

Eu sei como os japoneses são fechados emocionalmente, eles são bem frios e esse foi um grande choque pra mim, mesmo assim eu buscava manter o calor do lugar de onde eu vim, isso gerou antipatia e empatia de muita gente, uma das primeiras pessoas a ter alguma gentileza que me fez lembrar de casa foi um cara chamado Shinichiro, ele era dono de uma loja de motos ou era uma oficina... Algo do tipo, ele era bem receptivo comigo.

Eu levei um tempo pra saber o que era isso de novo depois que esse moço se foi, além da minha vizinha querida, foi o Draken... Mesmo ele sendo durão e tendo uma cara de bravo, eu sentia alguém bem fiel nele... Eu não sei foi pela criação compartilhada que ele recebeu e isso o fez entender tantas vivências... Eu me apaixonei por ele mesmo assim.

Espera... Eu me apaixonei?

Eu pensei sobre isso enquanto estava jantando, eu e Draken nunca jantamos a sós, sempre meus irmãos estão por perto e ele sempre pareceu gostar deles... Isso me deixava bem de verdade, eu nunca me relacionei com ninguém antes mas sabia que só me relacionaria quando a pessoa gostasse dos meus irmãos... E o Draken gostava.

Observando a mesa ao meu redor, ela era iluminada por uma lâmpada meio amarelo bem clara, Mako estava brincando com sua colher colher de peixe e as vezes pedia pra Draken ou Nicolas levarem a comida até sua boca, o Draken fazia um monte de vezes isso e sempre ria enquanto minha irmã comia, em paralelo a isso, Draken e meu irmão conversavam sobre motos ou algum programa na TV ou a garota que meu irmão gostava... Eu me sentia tão feliz vendo aquilo que nem cabia em mim... Essa emoção transbordou pelos meus olhos por meio de lágrimas.

— Patrícia — Draken foi o primeiro a perceber, no exato momento ele se enclinou na minha direção — Tá tudo bem?

Ele tocou em meu rosto, seu toque era delicado mesmo que ele tivesse as mãos ásperas... Era um carinho bem vindo.

Sequei meu rosto as pressas e dei uma risadinha.

— Eu sou chorona mesmo, Draken — Fungo com o nariz levemente entupido por causa do choro repentino — Só fiquei feliz

Meus irmãos me olham com um sorrisinho e eu vejo a expressão de Draken se suavizar de novo, ele dá um beijinho em minha testa e volta ao que fazia antes... Ele não deixaria esse assunto morrer, mas também não iria falar isso na frente de meus irmãos.

Enquanto ele lavava a louça e eu secava, sabia que a pergunta chegaria.

— Por que tava chorando na mesa, Miyazaki? — ele perguntou enquanto passava água por cima de um prato, expressão fechada e sem desviar o olhar pra mim.

— É que... Eu me senti muito bem naquela hora — falei levando um copo pra perto dos outros que ficavam em uma prateleira na cozinha — Eu tive uma sensação de família saudável, sabe?

Dou uma risadinha nas percebi que Draken congelou.

— Você... Me considera da sua família?— A voz dele saiu meio sufocada.


A Dama e o Dragão - Ken Ryuguji ( Draken) Onde histórias criam vida. Descubra agora