Volte

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Patrícia estava no aeroporto do Japão, ela ainda nem tinha saído do país quando recebeu uma ligação de alguém que conhecia.

— Miyazaki — a voz esbaforida e meio chorosa de Takara Kisaki — Não pega o avião, por favor, isso vai acabar te matando.

— Do que você tá falando? — Patrícia deu uma risadinha — eu não sei o que disseram pra você, mas não é da sua conta.

A garota não queria ser rude, mas era difícil explicar o que iria fazer.

— Você tá indo fazer isso pra proteger os seus irmãos! — O grito de Takara ao telefone fez Patrícia paralisar imediatamente — Mas não vai adiantar.

— C-como assim? — os dedos de Patrícia já tremiam contra o aparelho, que já estava difícil mantê-lo pressionado contra a orelha.

— A gente precisa ir até onde seu pai está... Você precisa descobrir que ele está te enganando — ela parecia tão atônita quanto alguém deveria estar para contar uma notícia dessas, era o desespero puro na voz de alguém — eu estou te esperando na frente do aeroporto. Corre aqui.

É claro que isso seria uma brincadeira de mau gosto, tinha que ser brincadeira.
Se ela estava sendo enganada, isso significa que seus irmãos estão...

É claro que eles estão bem.

— O que tá fazendo aqui? — Patrícia diz apertando sua bagagem de mão, a única coisa que ela havia trazido.

— Você... Tem que descobrir de um jeito ou de outro, sobe — Os olhos da garota de cabelos azuis estavam opacos, totalmente sem o brilho habitual, ela não parecia bem.

O coração de Patrícia era como o de uma mãe, faziam dias que ela se sentia apertada, como se punhos de aço estivessem dispostos a esmagar seus pulmões e coração.

A garota de cabelos castanhos avermelhados subiu na moto sem questionar muito, seu instinto já a dizia pra fazer isso. As duas garotas passaram por três prédios estranhos que Takara apenas parava na frente e esperava uma reação, quando os seguranças da porta não reagiam elas iam embora.

— O que tá fazendo, me diz logo! — Patrícia gritou enquanto as duas estavam atingindo ainda mais velocidade no veículo azul de duas rodas.

— Eu acho que seus irmãos já estão mortos, aquele filho da puta do seu pai só estava te enganando — Ela diz aquilo como se tivesse pensado muito pra dizer, tentando pensar em um jeito melhor, mas a raiva trêmula nos lábios dela era tão real quanto os sentimentos de Patrícia agora.

Os sentimentos de terror, os sentimentos de "isso tem que ser mentira" mas por outro lado, ela só pensava como tinha sido burra naquele dia ao negociar com o pai, aquele cara nunca valeu nada! Ele com certeza era um monstro capaz disso.

— Por que ele faria isso? — A voz de Miyazaki saiu tão baixa que quase não foi ouvida pela garota pilotando na sua frente.

— Eu não faço ideia, desculpa, amiga, por eu não ter mais nada pra te contar sobre isso... Eu faria qualquer coisa que pudesse te dar esperança — as palavras de Takara eram gentis enquanto seus olhos eram focados nas ruas que as duas cortavam rapidamente.

Os olhos de Patrícia já estavam embaçados quando elas pararam de novo, dessa vez os seguranças reagiram, sorrindo.

— Você é a Patrícia? — um segurança gordo de terno e chapéu pergunta.

— Eu sou — a garota tinha uma voz muito forte para o que estava imaginando que poderia acontecer ali.

Eles permitiram que ela passasse pela porta, que dava para uma escada iluminada por uma luz alaranjada. Assim que Patrícia passa pelos ombros dos guardas ouve eles brigando com a garota mais atrás.

— Você não pode passar — o outro segurança, esse mais forte do que gordo mesmo, falava para Takara, seus cabelos azuis ainda mais revoltosos.

— Ah mas eu vou passar sim — A menina ia fazer algo quando Patrícia ergue a mão, fazendo com que ela parasse.

— Pode esperar aí fora... Eu já volto — O sorriso gentil nos lábios de Patrícia era dolorido de se ver.
Ela tinha um rosto gentil, uma aparência gentil e era alguém de igual qualidade. Takara debatia internamente o motivo de coisas tão ruins acontecerem assim com pessoas tão boas.

A subida das escadas fez com que Patricia desse de cara com um corredor de madeira, as paredes tinham pôsteres velhos colados e cola e pedaços de papel que já estiveram colados ali.
Panfletos no chão que parecia não ser limpo a tempos, a pouca iluminação no corredor piscava e zumbia.

Havia só uma porta aberta, foi nela que a garota adentrou, sentindo-se arrependida no mesmo instante. O lugar tinha um cheiro horrível, era iluminado por velas, as janelas eram cobertas por cortinas vermelhas grossas que iam até o chão, no centro da sala tinha uma poltrona em meio a entulhos, tecidos, tapetes, todos muito velhos, nojentos e atulhados.

Sentado na poltrona tinha o homem que ela conhecia e odiava, ele estava mais enorme e mais gordo, fumando um charuto ainda mais fedorento e que soltava mais fumaça, seus cabelos eram puro óleo e o aspecto de sua pele estava amarelado, mesmo que ele segurasse uma maçã na mão esquerda.
Atrás dele estava uma mulher alta, de roupas elegantes e morena, a mesma que tinha estado na casa dela dias antes, além de um homem armado por canto da sala, nem um deles ousou se mexer quando a jovem entrou.

— O que tá acontecendo aqui? — a garota se pos na frente da poltrona, ainda se mantendo calma enquanto olhava com nojo pro homem sentado.

— Então você descobriu antes de partir daqui.... Esperta — ele dá uma risada ruidosa, nojenta.

— Descobri? — Nessa hora sua respiração já estava totalmente trêmula, era verdade. — Cadê os meus irmãos? Cadê?

Ela já estava começando a gritar, nenhuma das outras pessoas no cômodo reagiam além de seu pai.

— Você os quer? — com outra risada imunda, o homem rolou com os pés duas coisas que pareciam bolas com cabelo.

Elas rolaram com sons macios até estarem próximas aos pés de Miyazaki, mas assim que pararam ela pôde ver o que era de fato.

Eram duas cabeças, duas cabeças infantis já apodrecendo... Parte dos rostos era impossível de identificar, era impossível para alguém que não havia criado essas duas crianças... Patrícia conheceu aqueles rostinhos na hora, a pintinha na bochecha de Mako e a anatomia do rosto de Nicolas eram inconfundíveis... Eram seus irmãos... Eram.

Eram seus motivos pra se esforçar tanto, eram seus bebês, quem ela tinha alimentado, cuidado, amado. Todos os dias da sua vida. Agora eles estavam ao seus pés... Apenas um pedaço de carne e ossos que desapareceria e ela foi uma fraca que não fez nada pra impedir, uma irresponsável fraca.
Ela sentia enjoo, seu estômago estava embrulhado após finalmente entender a fonte verdadeira do cheiro ruim, era o odor putrefo da morte... Aquele ambiente era puramente morte.

— Por que... Por que fez isso? — os lábios dela sussurraram frágilmente, ela não tinha ódio. Não tinha mais um motivo pra ódio...

— Você quer mesmo os detalhes? — a displicência dele foi tão grande que as mãos da garota se moveram sozinhas, como máquinas.

Ela sacou a arma presa em sua cintura e deu três tiros, três tiros em uma linha perfeita, que atingiram o peito, o pescoço e a testa de seu pai.
A maçã que ele segurava também rolou na direção dela, como programado, a maçã parou bem entre as cabeças e um lado da fruta havia apenas o kanji para agradecimento... Como um "obrigado" escrito.

Ela não entendeu aquele recado, não entendia mais nada, ela caiu de joelhos e engatilhou a pistola mais uma vez, pronta para dar um tiro que atravessaria seu crânio através da mantibula... Mas ela conseguiu ficas sem balas...

Nem tirar sua própria vida ela podia.

A mulher de cabelos escuros se moveu até ela.

— Eu queria que ele honrasse o acordo, menina — ela suspira, parecia triste, olhos perdidos.

Patricia não chegou próxima de ouvir nada. Quando ela teve forças, só se levantou, os joelhos sangrando mas ela não sentia a dor... O que ela poderia sentir agora além de um profundo vazio total?



A Dama e o Dragão - Ken Ryuguji ( Draken) Onde histórias criam vida. Descubra agora