Não era para ser assim.
Eu não deveria entrar em um hospital para assinar documentos que só reforçaram que o que tinha acontecido era mais real do que o ar que respiramos. Eu não queria ter que fazer todas as obrigações que eu jurei que faria, quando eu e o senhor Woo falávamos sobre esse assunto.
Nunca quis me acostumar com a ideia de perdê-lo. Sabia que iria sofrer, mas isso estava além do que eu imaginava. Porque eu pensava que iria ser muito difícil, mas cada detalhe desse momento arrancou de mim pedaços importantes de felicidade.
Enquanto eu tirava do armário a roupa que ele deixou pronta para quando esse dia chegasse, meu peito afundava em tristeza. Meu olhos jorravam lágrimas pensando que muitas coisas já estavam prontas antes mesmo de eu chegar na Coreia. Por mais de 5 anos o senhor Woo mandou lavar, passar e engomar a roupa com a qual gostaria de ser enterrado. Isso porque, antes de eu aparecer, não havia ninguém para fazer essa organização por ele. Eu abracei a caixa que guardava a sua roupa, como se pudesse abraçá-lo pela última vez.
Nos primeiros seis meses depois de ser contratada para trabalhar na livraria, o senhor Woo me chamava de pequena criança, até finalmente decorar meu nome. E foi como uma criança que eu chorei no telefone, enquanto falava com meus pais. Um misto de felicidade e tristeza veio do outro lado da linha. Quando atenderam a ligação havia sorrisos e empolgação pela minha formatura, mas logo em seguida isso foi apagado com a notícia da perda. "Nós mandaremos flores", disseram. "Estamos orgulhosos de você. Ele com certeza também". "Você fez tudo que pôde. Infelizmente não podemos evitar isso". "Estamos te esperando, se precisar voltar".
Me olhei no espelho enquanto amarrava o cabelo. "E se eu precisar voltar?". Suspirei ao pensar o quanto tudo parecia confuso e incerto agora.
No caminho para o cemitério, recebi a mensagem de que a notícia do falecimento do senhor Woo já estava no obituário do jornal local. Aquela era mais uma das atividades que deveriam ser feitas após sua morte.
Limpei a palma das mãos na calça preta, enquanto caminhava até o local do velório. Minhas mãos também tremiam quando entrei no espaço onde ele estava. Eles o haviam vestido com a roupa que ele tanto queria.
Teríamos apenas uma hora ali. Outra atividade póstuma. Senhor Woo não queria um velório extenso. "Que atividade mais entediante é ficar olhando para um morto por muito tempo.", dizia ele. Eu sorri ao lembrar daquilo.
Coloquei minha mão em cima das dele, que descansavam sobre sua barriga. As mãos trêmulas que religiosamente seguravam as sacolas de comida para jantarmos juntos. As mãos que pegavam os livros com empolgação, que me entregavam tanto carinho e aprendizado. As mãos quentinhas que seguravam meu rosto como uma moldura para erguer minha cabeça quando eu estava triste. Agora estavam frias, pálidas.
- Com licença. - uma voz masculina me chamou a atenção.
Um homem estava parado na porta segurando uma grande coroa de flores. Imaginei que tinham sido enviadas por meus pais. Acenei com a cabeça para que ele pudesse colocar em algum lugar. Quando ele entrou, notei algumas pessoas na porta, que entraram quando o homem abriu caminho.
Eles vieram até mim e atrás deles, mais pessoas. Eu não estava esperando alguém para esse momento. Talvez tivessem errado a pessoa.
Um homem de meia idade segurou minha mão e disse.
- Lamentamos muito a perda do senhor Woo. Ele era um amigo muito querido.
Dei espaço para que eles se aproximassem do corpo. Então uma senhora, que certamente tinha uma idade próxima do senhor Woo, veio até mim sendo apoiada por um menino mais jovem. Ele tinha os olhos chorosos e segurou minha mão com carinho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Bookstore
FanfictionMorando a dois anos na Coréia, Aimy passava o tempo entre o trabalho, em uma livraria, durante o dia e os estudos durante a noite. Seu maior objetivo era prosperar a pequena livraria do senhor Woo e reavivar os dias de glória do estabelecimento, par...