Uma nova chance.

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Após o dia anterior ter sido cansativo com os menores, Raquel só teve energia para colocá-los na cama e dormir como se não houvesse mais nada no mundo.

No dia seguinte, quando acordou, notou que Cinci dormia entre um dos braços dela e Cecília com a cabeça sobre sua barriga. Estava encurralada. Olhou a cena e sorriu sem mostrar os dentes. Apertou mais o menino contra seu corpo, e alisou os fios loiros- que começavam a ficar encaracolados- da garotinha, que possuía uma expressão tranquila.

Não conseguia levantar ou parar de encará-los. Ela se perdia neles e se encontrava em uma de suas melhores versões, uma que deixou adormecida por anos e quase enterrou. Eram como anjos para ela.

Mariví apareceu na porta do quarto, mas não bateu por imaginar que todos estivessem dormindo, então abriu o pedaço de madeira devagarinho e viu Raquel perdida em seus pensamentos com um olhar de ternura e um quase sorriso no rosto. Eram raros os momentos que via sua filha assimprincipalmente após os acontecimentos dos últimos anos– mas com aquelas crianças... ah, aquelas crianças a iluminavam.

Quando a loira se deu conta da presença da mais velha, se assustou e sorriu. Pediu ajuda para tirar Cecília de cima dela e foi o que Mariví fez, sem que a garotinha acordasse. Deu um beijo em cada um e os cobriu, acompanhando sua mãe até a cozinha logo em seguida.

Raquel Point Of View.

Enquanto montava a mesa junto com minha mãe, notei que não parava de me olhar como se quisesse falar alguma coisa, então lhe perguntei e ela entrou em um assunto sensível mais uma vez e, como sempre, estava certa sobre o que falava.

—Tenho visto você com as crianças... É sério, há muito tempo que não vejo esta Raquel, a minha filha. E depois de tudo o que aconteceu, não acha que talvez esteja na hora de voltar a pensar novamente sobre ser mãe?

A minha mãe é realmente muito apaixonada por crianças e desde quando me assumi, a primeira coisa que ela se preocupou foi se lhe daria netos ou não. Desde aquele dia, lhe prometi que sim, e quando comecei a namorar com Alicia– a única que lhe apresentei, ela não parou de nos cobrar, enquanto a ruiva sempre acabava enrolando-a e adiando toda essa coisa de ser mãe. Acho que ela não queria, porém também não sabia como me dizer o "não".

Alguns anos após o término, tentei, mas não tive o resultado esperado, então estacionei este sonho e deixei para trás, sempre prestes a desistir completamente, no entanto, a minha mãe não me deixa fazer isto. Nunca. Sempre que nos vemos, faz questão de tocar no assunto.

Pode parecer que estou sendo pressionada e às vezes até me sinto assim, mas eu sei o que está tentando, do jeito dela: não me fazer desistir de mais uma parte de mim outra vez. Antes disto ser seu sonho, era meu, e acredito que seja doloroso para ela achar que eu não penso mais nisso, que estou desistindo como desisti do amor. É como se aos poucos eu desistisse da minha felicidade.

Ultimamente, com toda correria do dia a dia, eu realmente não tenho pensado à respeito, mas ao lado dos meus afilhados, todas essas questões me pegam, tento afastar pensamentos, lembranças e vontades, mas perto deles não consigo. Aliás, foi um dos motivos de deixar de vê-los com tanta frequência. Despertam um gatilho emocional em mim que nem sempre sei lidar ou categorizar como bom ou ruim. A verdade é que eu queria muito ter um filho, mas sinto como se não fosse digna de ser mãe pelas vezes que tentei e, principalmente, pela que falhei.

Mesmo com a Mônica e a Marta lhe dando netos, espera isto de mim também, porque ela, melhor do que ninguém, quer que eu realize este sonho adormecido.

Sem contar que um filho meu seria muito próximo dela e poderia vê-lo o tempo inteiro, diferente de como vê o Cinci e a Cecí apenas de vez em quando, e a Lucía, que criou até seus sete anos, era super apegada, mas foi proibida de chegar perto como uma chantagem emocional da minha prima. Se afastamos após a minha mãe me defender em uma discussão em que ela me ofendeu bastante, tirando conclusões que queria em relação ao meu término com Alicia, mesmo depois de vários anos do ocorrido, como se estivesse engasgada com tais palavras todo este tempo, pronta para me atacar e me magoar. Era como se quisesse me ver no fundo do poço e Mariví odiou isto. Nunca a vi tão brava.

Tentativas. || Ralicia [AU]Onde histórias criam vida. Descubra agora