E por falar em saudade, onde anda você?

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A sombra vacilante que andava sobre a rua escura daquele bairro silencioso, ganhava formas sob a luz dos postes igualmente silenciosos. E todas as vezes que aquela luminosidade caia sobre aquela sombra em movimento, Seulgi cobri seus olhos com a breve ardência que elas lhe causavam. Não carregava nada a não ser mais um fardo daquela cerveja barata que aprendeu a gosta, aquele líquido amarelo e amargo era sua única intimidade naquela merda de lugar.

Ela parou em frente seu apartamento, e riu pensando que aquele velho maldito poderia pelo menos ter colocado ela em um lugar melhor,  já que era pra dá um sumiço em sua vida que pelo menos abrisse de verdade aquela mão criminosa. Quando entrou, ela jogou os sapatos para um lado que não se importava e abriu mais uma das latinhas, ligou o celular em qualquer playlist idiota que a fizesse voltar nos seus incríveis vinte anos quando ela ainda pensava que poderia mudar o mundo de alguma forma ilógica. 

Acendeu mais um cigarro enquanto murmurava aquela melodia boemia e melancólica, e enquanto tragava mais um pouco daquela nicotina corrosiva, pensou qual o momento exato onde tudo perdeu o sentido. Deixou sua mente vagar em memórias recentes, e imaginou que talvez se nunca tivesse atendido o telefonema de Wendy, provavelmente nunca teria conhecido Joohyun. Nunca teria descoberto um amor tão doce em uma aparência tão angelical, nunca teria pensado que poderia fazer mais do que lhe cabia. Ela era uma Kang, afinal, seu pai era só um trabalhador comum que ralava o dia todo para dar o mínimo de dignidade a sua família. A merda era Seulgi ter achado que poderia ser mais isso.

Há quatro dias tinha recebido o telefonema de Jennie Kim, e era impressionante como até a voz daquela mulher poderia ser mais acalentadora do que qualquer outro momento que viveu naquela semana.

- Até quando vai ficar bancando a maior imbecil do mundo? – Seulgi não respondeu, era bom ter outra pessoa que não fosse sua consciência xingando-a – A gente precisa conversar.

Seulgi não se incomodou, na verdade aquilo lhe acendeu um fio de esperança, Jennie sabia que ela tinha ido embora, então estava ao lado de Joohyun mais uma vez. Não queria que a mulher ficasse sozinha, tendo apenas as mãos maquiavélicas do avô nos seus ombros.

- Não tenho nada pra conversar com você, Jennie.

- A mas você tem sim – Jennie a cortou – E pela primeira vez na vida eu tô louca pra te ouvir.

Sabia que Jennie era intrometida demais, e se começasse a se enfiar nisso, as coisas poderiam ficar realmente feias. Aquele velho doente ainda lhe causava arrepios, e não se lembrava de nunca ter sentido receio de olhar pra alguém como teve com ele. Não tinha remorsos em suas palavras, apenas a consciência de que estava fazendo o necessário, e Seulgi tinha medo de saber o que fazia parte daquele necessário.

- Não, Jennie, e não me liga mais – Mas antes de Seulgi desligar, não conseguiu se impedir de dizer aquelas palavras – Cuida dela, por favor.

- Você é patética Kang Seulgi...

Aquele era só mais um dos muitos arrependimentos de Seulgi, não deixou Jennie falar mais nada, assim como não perguntou mais nada. Desligou a ligação e também o celular, quase o lançou ao mar, quase se lançou ao mar. Ironicamente, nem por um momento teve aquele pensamento de verdade, era só mais uma necessidade de se afundar e abafar aquele amontoado de arrependimentos.

Abriu a segunda latinha, e sentia sua cabeça flutuante porque aquele nem ao menos era o seu primeiro fardo, e mal se lembrava de ter comido alguma coisa naquele dia. Na verdade, fazia alguns bons dias que ela só deixava o apartamento para comprar um maço de cigarro e mais alguns fardos de cerveja. Seulgi vivia uma derrota declarada, não pensou nem por um segundo em se inscrever na merda do curso, e usava todo o dinheiro do suborno do velho maldito pra se drogar de álcool e nicotina. Seulgi sentia como se por um momento tivesse tocado o céu, e depois foi subitamente arremessada ao inferno, e o que a impedia de sair daquele chão duro e frio, era a vergonha.

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