Seria cômico, se não fosse trágico. Me sinto preso nas páginas dos livros adolescentes da minha irmã.
"Vocês vão ter que dividir um quarto."
Fala sério, mais clichê que isso seria apenas um "só temos uma cama de solteiro para te dar, filho". Graças a Deus, sempre gostei de bastante espaço e, meu antigo quarto tem uma cama de casal bem grande. Não que eu fosse insistir em me deitar com ela, eu posso, tranquilamente dormir no chão, eu dormiria até mesmo com o culpado dessa situação se ele não tivesse trazido a namorada para conhecer a família.
Já estava tarde quando entrei no quarto e vi Camila sentada na beirada da cama com o filho, já adormecido, no colo. Ela deslizava a ponta dos dedos com delicadeza por todo o rosto do menino.
– Você precisa de alguma coisa? - interrompi seu silêncio. Ela balançou a cabeça sem me olhar, negando. – Tudo bem, eu vou tomar um banho.
Eu não sabia o quanto eu precisava sentir a água morna escorrendo pela minha pele até senti-la. A sensação de limpeza é maravilhosa. Fechei os olhos embaixo do chuveiro ligado e me escorei na parede gelada.
O contraste entre as temperaturas se parece com os problemas da minha vida. A água quente e gostosa é o sentimento das malditas borboletas que todos sempre citam por aí. A parede fria só me lembra do impedimento que é o trauma dela em relação à minha espécie. Homem.
Que tipo de terapia consegue reverter isso? Será que, por causa de todas essas coisas, ela vai começar a gostar de outras mulheres? Eu estou sendo estúpido em quantos níveis por pensar nisso?
Me sequei e vesti mais roupas que o meu habitual para dormir. Adicionei uma bermuda ao meu traje.
Saí com a toalha pendurada no ombro para estendê-la assim que secar os cabelos.
– Posso colocar Miguel para dormir antes? - parei na metade do caminho para encarar a dona da voz baixa.
– Ele não vai dormir com você? - ela ergueu a cabeça em um movimento lento, os olhos já marejados. – Ei, por que está chorando? - me aproximei e ela escolheu os ombros. Alerta vermelho. – Tudo bem, eu não vou chegar mais perto mas, por favor, me diz o que está acontecendo. - parei metros antes dela.
– Você está sem camisa. - observou com um tom óbvio na voz.
– Sim, não gosto de dormir com camisa.
– Na outra vez... - mordeu o lábio inferior. – Você dormiu com camisa.
Busquei na minha memória a qual outra vez ela se referia e demorei um pouco para me lembrar da noite em que ela teve o pesadelo.
– O que você está querendo me dizer, Mila? - ela fechou os olhos. Sinto que estou entrando em caminho perigoso.
– Não vai demorar. Eu vou deixá-lo no banheiro - juntei as sobrancelhas. – só preciso de um cobertor para forrar o chão. - se levantou e olhou em volta buscando pelo que dizia. – Já saio de lá sem roupa, não se preocupe.
Gelei enquanto ela continuava por sua busca.
Já saio de lá sem roupa.
Saio de lá sem roupa.
De lá sem roupa.
Sem roupa.
Sem.
Ela não pode estar pensando que...