O peso e aparência de Camila preocuparam o médico a ponto de ele pedir um daqueles exames de sangue completos.
Mandei mamãe para casa e fiquei com ela no hospital.
Como pode alguém estar carregando um ser dentro de si há tanto tempo e não perceber sinal algum? Sem barriga crescendo, sem vômitos, sem sentir a falta dos ciclos menstruais... sem nada.
Camila dormia serenamente com o soro preso ao seu braço, alheia a qualquer coisa que estivesse acontecendo no mundo dos acordados.
– Shawn. - doutor Henrique me chamou da porta. – Estou com o resultado dos exames da sua esposa.
Por conta de toda a aflição e preocupação eu, simplesmente, não consegui me tocar de que ele estava achando que eu e Camila éramos um casal.
– Ela não é minha esposa. - me olhou nos olhos.
– Namorada?
– Não, ela é minha empregada.
Seu rosto assumiu uma expressão que eu não soube decifrar qual era, surpresa talvez?!
– Algum problema? - ele sacudiu a cabeça e inspirou profundamente.
– Não, é que qualquer outro patrão teria chamado uma ambulância ou algo assim. Me surpreendi.
– Eu estava falando sobre os exames.
Ele pareceu envergonhado com minha observação mas logo reassumiu sua postura, voltando ao seu profissionalismo.
– Ela está anêmica. Há quanto tempo ela trabalha para você Shawn?
– Cerca de três meses...
– E não reparou nada sobre seu emagrecimento ou coloração mais amarelada? - neguei com a cabeça entortando, levemente, a boca. – Aspecto mais cansado ou "mole"?
Deixei minha mente passear pelas lembranças. A verdade é que eu não conhecia Camila. Não sabia se ela, normalmente, era mais agitada ou se gostava de ser sempre mais quieta. Não sei dizer se sua pele parece mais amarelada que o normal ou se ela emagreceu, mas com certeza ela não engordou! Eu não a conheço. Eu deveria conhecê-la melhor, não?
Mamãe sempre conheceu bem os nossos empregados, ela sempre soube quando Dona Maria, a doce senhora que cuidava de mim e Aaliyah, enfrentava problemas.
Eu deveria ser como ela. Deveria conhecer melhor aqueles que frequentam minha casa.
Aaliyah conhece aos seus empregados?
Não estou falando sobre saber o nome dos animais de estimação, cor e música favoritas ou qual sabor de sorvete eles não suportam.
Estou falando sobre saber reconhecer quando a saúde deles está em dia, quando há um problema tão grande em sua vida que a tristeza está consumindo seu ser. Estou falando sobre reparar em detalhes essenciais de um ser humano, saber quando ele está saudável ou não.
Eu falhei miseravelmente nessa missão. Sabe aquele lugar que eu achei que ganharia no céu ao dar um emprego para uma desconhecida completa que carregava um bebê e vestia roupas nem um pouco quentes em um inverno congelante? Pois é, acho que acabei de voltar uns três passos daquele portão de ouro gigante e brilhoso.
– Droga. - murmurei. – Quanto tempo ela precisa ficar aqui?
O médico olhou para os dados presentes em uma folha que estava em sua mão.
– Acredito que amanhã já posso permitir que ela vá para casa, isso é, se ela me garantir que vai tomar os medicamentos corretos e ficar em repouso por alguns dias. - olhou para mim sem mexer a cabeça, por cima dos óculos. – Consegue me garantir isso?