A campainha tocou no mesmo horário, abri a porta e mais uma vez Camila estava lá fora com seu enorme casaco e os braços cruzados segurando seu filho.
– Camila! - eu não tinha certeza de que ela realmente viria.
– Me atrasei? Eu olhei o relógio gigante da igreja. - seus olhos se arregalaram.
– Não, não se atrasou não. Só... deixa pra lá. Entre.
Ela passou por mim e foi direto à cozinha. Espiei de longe ela tirando o casaco para por no cesto e reparei que o bebê estava com roupa nova. Talvez ele já a tivesse, mas ela permanecia com a mesma blusa. Deve ter usado o dinheiro que lhe paguei ontem para comprar uma roupa nova para o filho.
Segui até a cozinha.
– Onde vocês ficam? - eu posso parecer estúpido por dar confiança a ela deixando-a trabalhar para mim, mas não sou tão estúpido quanto parece. Iria investigá-la como um bom advogado que sou.
– Fico em frente a uma igreja. Não a do sino. Outra.
Ok, ela não fica na praça da igreja católica, então, mas, ainda sim, não tem casa.
– Por que não ficou na igreja católica? - ela me encarou. – A do sino.
– Porque lá haviam muitos homens.
– E onde você está não há muitos homens?
– Só no dia em que a igreja está aberta. Mas tem crianças e mulheres.
– Você não gosta de homens? - ela balançou a cabeça.
– Então por que aceitou minha ajuda?
– Você me pareceu diferente.
Diferente...
– Quantos anos você tem Camila?
– Dezenove, senhor.
Merda, estou lidando com uma mãe mais nova que o convencional e andarilha. Onde eu fui me meter?
– Qual o nome do seu filho?
– Miguel. Como o anjo guerreiro. - ela pareceu orgulhosa.
– Anjo guerreiro? - mais uma vez ela apenas acenou com a cabeça.
Camila não confia em mim. Ela nem ao menos me olha para responder.
– Onde está o pai do Miguel, Camila? - ela retesou e apertou o cabo da faça que estava na mão.
– Sou apenas eu.
Ok, talvez ela tenha sido expulsa de casa e abandonada pelo namorado.
– E seus pais?
– Sou apenas eu, senhor.
Ela está sozinha. Em todos os sentidos da palavra. Não tem amparo da mãe, não tem amparo do pai, muito menos do pai da criança. É uma pobre coitada.
– Seu filho. - chamei a sua atenção. Ela olhou pra mim e sua respiração estava desregulada. – Ele tem documentos?
– Não.
– Você tem documentos?
– Não.
Se ela quer trabalhar pra mim vamos ter que dar um jeito nisso.
– Eu preciso que pare o que está fazendo. Vamos fazer documentos pra vocês.
– Documentos?
– Sim, se você quer trabalhar pra mim, preciso que tenha documentos. Lembra em qual dia você nasceu?
– três de março.