Quatro meses depois...
Sábado, 16 de agosto de 1890.
Apertando a fronte contra seus joelhos para que sua mãe pudesse lhe esfregar as costas, Harry articulou esta palavra com seus lábios exatamente como tinha visto sua mãe pronunciá-la e tentou imaginar-se como deveria soar. Algumas palavras eram fáceis, pois ele podia recordar tê-las ouvido ou dito quando era uma criança. Mas sábado era mais difícil. Não recordava ter ouvido dizer esta palavra nunca em sua vida. Não era que importasse muito que soasse mal os sons. Sua mãe lhe tapava na boca cada vez que ele tentava falar. Harry não sabia por que, e fazia já muito tempo que tinha deixado de perguntar-lhe.
As regras que impunham a ele eram diferentes das que seguiam todas as demais pessoas e tinha chegado a aceitar que havia muitas coisas que não lhe permitiam fazer. A verdade era que não lhe importava. Já não. Quando subia ao sobrado para brincar em seu canto secreto, podia fazer tudo o que quisesse. Além de seus ratos, ali acima não havia ninguém que pudesse vê-lo nem acusa-lo de nada. No sobrado podia vestir-se tão elegantemente como um cavalheiro, com as roupas velhas que tirava dos baús. Podia fazer reuniões para tomar o chá, tal e como o fazia sua mãe, e fingir que podia falar. Algumas vezes inclusive dançava. E,quando se aborrecia de fazer tudo isto, podia desenhar com os lápis e os papéis que tinha pegado às escondidas do estúdio de seu pai. Divertia-se muito no sobrado, e poder fazer ali todas as coisas proibidas compensava o infortúnio de não poder fazê-las o resto do tempo.
Sábado. Agora se lembrava. Harry voltou a articular silenciosamente esta palavra contra seus joelhos, e prometeu a si mesmo que, a próxima vez que fosse ao sobrado, praticaria sua pronúncia frente ao espelho. Quando era menor, antes que tivesse chegado a dominar por completo a leitura de lábios, acreditava que a palavra sábado significava "banho"; pois sua mãe sempre a dizia com grande ênfase ao colocá-lo a trancos na banheira.
Harry já tinha aprendido que sábado era o dia anterior ao da missa e, como parte dos preparativos, toda a família tinha que tomar banho. Dado que fazia muito tempo que não permitiam que Harry fosse à igreja, pensava que não era justo que tivesse que tomar banho como todos os outros. A manhã seguinte, não lhe permitiriam usar um terno bonito, tal e como sempre faziam sua mãe e suas três irmãs; e, quando chegava a hora de ir à igreja, ele tinha que ficar em casa com os serventes. Quem iria perceber que seus ouvidos estavam limpos? A quem lhe importaria? A ele não, certamente.
Como se adivinhasse seus pensamentos, sua mãe o agarrou pelo lóbulo da orelha e lhe deu um forte puxão. Como uma tartaruga, Harry escondeu a cabeça entre os ombros e apertou os olhos com força. Odiava aquela parte. Odiava-a, odiava-a. Para lhe lavar as orelhas, sua mãe sempre envolvia a gema de um dedo em uma toalhinha e logo a metia no buraco da orelha. Mesmo que estes cuidados só lhe faziam mal em muito estranhas ocasiões, eram extremamente irritantes. Harry queria que lhe permitissem lavar as orelhas sem ajuda de ninguém, mas por alguma razão sua mãe não acreditava que pudesse fazê-lo bem.
Harry tinha aprendido há muito tempo a não opor resistência. Isto só servia para ganhar um bofetão e ao final, sua mãe lhe colocava a toalhinha na orelha de todos os modos. Pum, pum. Os fortes golpes que lhe deu sua mãe na cabeça com os nódulos fizeram que Harry abrisse os olhos. Sabendo perfeitamente o que esperava que ele fizesse, levantou o rosto e suportou com resignação a cansativa experiência de se deixar lavar. Logo, obedecendo as ordens que sua mãe lhe deu mediante gestos, levantou-se, jorrando água, para que pudesse lhe esfregar o torso e as pernas.
Harry conhecia este ritual de cor, e se voltou para o outro lado. De repente, sua mãe deixou de esfregar. Harry a olhou atentamente através das negras mechas molhadas que caíam sobre seu rosto, perguntando-se o que teria passado. Os olhos verdes de sua mãe saíram das órbitas e tinha a boca aberta, como se alguém lhe tivesse dado um golpe que a tivesse deixado sem fôlego. Harry abaixou a cabeça para se olhar, esperando ver algo espantoso. Mas lhe pareceu que tudo estava perfeitamente bem. Voltou a olhar para sua mãe, interrogando-a em silêncio. A maneira de resposta, os lábios de sua mãe formaram estas palavras:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Harry's Song - Adaptação Larry Stylinson
RandomHarry Styles vive em um mundo solitário em que ninguém pode entrar e compreender. Tão delicado e belo como as doces flores da primavera de Oregon, é rejeitado por um povo que interpreta de maneira equivocada sua aflição. Porém, esta crueldade não po...