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Pasmado, Louis viu Harry levar uma mão ao pescoço e olhar sedutora e timidamente ao boneco cheio. Logo, para seu grande assombro, ele rodeou a improvisada mesa, agarrou seu cavalheiro pelo braço e começou a dar passos de valsa perfeitamente executados. Se movia majestosamente pela habitação. Um formoso jovem, dançando ao compasso de uma música que ninguém mais podia ouvir, nos braços de um homem que ele tinha criado com suas mãos criativas e sua rica imaginação. Junto a aquele boneco ele podia ser alguém; privilégio que o resto do mundo, incluindo Louis, tinha-lhe negado.

Inconscientemente, Louis mudou o peso de seu corpo de uma perna a outra e uma tábua do chão cedeu levemente sob seu pé. Com os agudos sentidos de uma pessoa surda, Harry sentiu que a tábua cedia e em seguida ficou imóvel. Seus olhos enormes e receosos o buscaram na escuridão. Louis viu que estava assustado. Depois do que tinha acontecido entre eles nas cavalariças, e sabendo que ele esperava que batesse nele se voltasse a escapulir, surpreendeu-lhe que tivesse tido a coragem de subir ao sótão de novo. Embora entendesse perfeitamente que corria esse risco. Naquele salão imaginário ele podia ser quem lhe desse a vontade e fazer o que quisesse. Em comparação, o mundo que o esperava abaixo provavelmente parecia um cárcere. Harry, o idiota, preso dentro de uma casa para protegê-lo.

Harry, o idiota, que tinha que comer o que lhe serviam, banhar-se quando lhe ordenavam, vestir-se como um mendigo. Não era mais que um boneco de carne e osso da qual eles se ocupavam quase todo o tempo e deixava em uma habitação cuja janela tinha barras e que o vigiavam como se fosse um menino pequeno o resto do tempo. Louis em seu lugar, também teria corrido o risco de que lhe dessem uma surra para subir ao sótão. Uma surra... Pela expressão de angústia que viu em seu rosto, Louis supôs que o castigo físico não era o único que Harry temia. Ao ir a aquele lugar, ele tinha descoberto seu segredo. O mundo que ele tinha criado era sacrossanto e sem dúvida via Louis como um intruso que poderia destruí-lo. Simplesmente fazendo girar uma chave, ele podia fechar a porta e lhe impedir de retornar ao sótão. Ou, pior ainda, com apenas girar uma chave, podia prendê-lo em uma habitação que tivesse uma janela com barras e não lhe permitir sair nunca. O poder. A autoridade suprema. Se ele assim o decidisse, podia fazer com que sua vida fosse um inferno pior do que já era.

Mas jamais faria algo semelhante. Por nada do mundo. Louis se sentiu sobressaltado ao vê-lo daquela maneira. E também ficou fascinado. Tudo o que queria era passar de sua realidade, que de repente lhe pareceu que tinha muito poucas coisas elogiáveis, a de Harry. Não para destruí-la, a não ser para encontrar um espaço no qual os dois tivessem alguns pontos em comum, embora só fosse durante uns poucos segundos. Movendo-se com cautela, com muita cautela, diminuiu a distância que os separava. Era arriscado e sabia. Afinal era seu mundo, um mundo secreto; e ninguém tinha lhe convidado para entrar nele. Mas isto foi o único que lhe ocorreu para tratar de conquistá-lo. Quando esteve o suficientemente perto, deu um golpe no ombro a seu inconsciente par de baile de trapo. Depois de fazer uma cortês reverencia, disse-lhe:

— Concede-me este baile?

Como um modelo de movimento, Harry permaneceu imóvel, com um pé estendido para dar um passo, seu magro corpo a ponto de perder o equilíbrio e o boneco apertado contra o peito. Banhado por uma luz chapeada procedente das janelas que se encontravam atrás dele parecia uma escultura de gelo, muito frágil e delicada para suportar sequer que a mão de um homem o tocasse. Louis notou um batimento do coração no pescoço do rapaz e por seu frenético ritmo, percebeu a dimensão de seu medo. Sabia que ele podia tentar fugir. E com toda a razão. Depois do tratamento que Sebastian tinha lhe dispensado, ele não tinha chegado a sua vida com muito boas recomendações; e, no tempo que tinha transcorrido após, não tinha feito grande coisa para retificar esse engano.

— Por favor, Harry. Só uma dança — disse ele com voz rouca — Não acredito que tenha todos os bailes comprometidos.

Ali estava de novo aquela expressão de confusão e perplexidade em seus olhos. Já a tinha visto várias vezes e até então acreditou erroneamente que era um reflexo de sua idiotice, de sua deficiência. Estava equivocado. O único idiota era ele. Enquanto falava, inclinou a cabeça para fazer a reverência. A razão pela qual ele parecia estar tão desconcertado era que não pode entender uma parte do que ele disse. Este era o motivo pelo qual ele sempre olhava tão atentamente seu rosto enquanto falava e também o motivo pelo qual algumas vezes parecia confuso. Posto que não soubesse que ele era surdo, era muito possível que em inumeráveis ocasiões houvesse virado a cabeça no meio de uma frase. Ou que tivesse falado de maneira ininteligível. Deus santo! Aquele garoto não era nenhum idiota. O fato de que tivesse aprendido sozinho a ler os lábios e a imitar as formas de falar era indício de uma inteligência muito superior a média.

Harry's Song - Adaptação Larry StylinsonOnde histórias criam vida. Descubra agora