Cheryl virou as costas e saiu, nem se deu ao trabalho de bater a porta. Betty que vinha de sua sala passou por ela, mas não teve tempo de perguntar nada. Entrou na sala da chef sem entender o que acontecia.
- O que tá acontecendo aqui? Vocês estavam numa boa, de repente Cheryl sai que nem uma bala e você chorando. Quem era aquela mulher?
Diante de tantas perguntas, Toni desabou na cadeira, debruçou na mesa e escondeu a cabeça como se quisesse se esconder do mundo. Betty ficou esperando as respostas ainda de pé.
- Ela é minha ex... Ariana.
A secretária acabou se sentando, sabia que a conversa seria demorada.
- Meu Deus que loucura!! Como ela te achou? Se soubesse quem ela era, não teria deixado entrar, mas ela disse com tanta convicção que te conhecia que até pensei que seria alguém da sua família.
Toni riu pensando em sua família, seriam as últimas pessoas no mundo a lhe procurar.
- Ontem à noite estava no apartamento com Cheryl e desci pra comprar um remédio pra febre dela. Quando saía da farmácia esbarrei com Ariana. Levei um susto, nunca poderia imagina reencontrá-la aqui no Rio. Ela quis conversar, mas eu cortei logo e subi de volta pro apartamento.
Betty escutava tudo atentamente.
- Confesso que pela primeira vez, depois que saí de casa, me vi com medo de alguém. Saí correndo e entrei no prédio, era como se estivesse fugindo do diabo.
- Ela disse por que está no Rio?
- Eu não perguntei, não quero saber dela. – Falou brava.
- Cheryl ouviu seus gritos e acho que ouviu o que ela disse, porque eu, que estava dentro da sala ainda, ouvi.
- Não me importa se ela me ama, o sentimento dela não me interessa agora.
- Ainda gosta dela amiga? – Betty nem perguntou em tom de reprovação, queria mesmo saber, não estava julgando.
Toni ficou olhando para o cartão que a ex tinha lhe dado, na sua cabeça passou um filme. O primeiro encontro com Ariana, o primeiro beijo, a primeira vez que fizeram amor até se lembrar do dia que havia descoberto a traição e quando ela lhe dera um fora.
- Eu já amei muito, acho que a amei até o dia em que conheci outro amor. – As lágrimas voltaram a descer de seus olhos.
- Se você ama Cheryl, porque nunca disse a ela que a ama?
- Não sei, sou muito travada, tenho plena certeza de que melhorei, mas ainda não consigo me soltar.
- Se entregar eu acho. Tem medo de ser abandonada de novo. – Não era uma pergunta e sim uma constatação. – Eu acho que ela não faria isso, iria me decepcionar muito. Os olhos dela brilham quando estão juntas e talvez não percebam, mas ela sorri involuntariamente quando te vê.
Toni se sentia confusa novamente. Queria ficar com Cheryl, ao mesmo tempo em que queria tempo para mostrar a Ariana tudo que havia mudado em sua vida e nela mesma. O problema era que se fizesse uma coisa, perderia outra.
- Não pode ter as duas. – Betty pareceu adivinhar seus pensamentos.
- E nem quero. – Respirou fundo. – Quero só uma... – se levantou, pegou suas coisas e saiu. – Por hoje não faço mais nada. Diga a Mariana e Isabela que estão no comando, se precisar só atenderei no celular.
Saiu pela cidade dirigindo, pegou a ponte e foi parar em Niterói. Conhecia bem a cidade e não teve problemas em achar um lugar tranquilo pra pensar na vida. Não quis ir pra casa por achar que uma das duas iria procurá-la. Chorou por um longo tempo. Por tudo que tinha passado, pelos apertos que a vida lhe impôs. Pra chegar aonde chegou, passou fome, ouviu vários nãos e teve de lavar muito prato, atender inúmeras pessoas, engolir desaforos e sorrir assim mesmo. Sabia que hoje tinha tudo materialmente falando, mas não tinha paz em seu coração. Soube o que era isso quando se deixou apaixonar por Cheryl. Seus lábios esboçaram um sorriso quando se lembrou dela, dos carinhos, das frases doces que ela lhe dizia. Lembrou-se que seu coração havia amolecido naquele dia no hospital, quando ela entrou trazendo flores e sorrindo, estava linda. E da primeira vez que fizeram amor, ainda que machucada, Cheryl havia sido delicada com ela. Ariana não chegava aos pés dela. Nem que fizesse muito esforço, que mudasse totalmente de personalidade. Cheryl era única e por isso abriria mão de uma vingança idiota. O mais importante agora era provar que a amava.
Saiu dali e voltou pra casa, mas devagar. Estava quase amanhecendo, o trânsito começava a piorar as saídas de Niterói. Chegou em casa de manhã, tomou banho e foi para o café. Betty não tinha chegado, então repassou sua agenda e deixou um bilhete dizendo que iria atrás de Cheryl na agência. Chegando lá a atendente disse que ela não tinha ido trabalhar. Foi para o apartamento e o porteiro avisou que ela tinha saído de manhã cedo e viajado. Então tentou o celular e deu fora de área, tentou falar com Archie, mas ele estava viajando. Começou a ficar nervosa com o sumiço dela.
- Ela chegou a ligar ontem? – perguntou a Betty quando voltou para o café.
- Não. Depois que você saiu ninguém ligou. Já tentou falar com Archie?
- Já e ele está viajando, não quiseram me dar o celular dele. Procurei em tudo quanto é canto, nem atender ao telefone ela atende.
- Vai vê precisou viajar também e em função de ontem ela não avisou.
Toni até aceitou a justificativa, mas sua intuição dizia que as coisas iam piorar. Passou o dia atrás de Cheryl, mas não teve uma pista. À noite quando foi pra casa sentiu uma dor no coração. Queria muito estar com ela e ficou com raiva de si mesma por ter deixado Ariana entrar em sua sala.
- Deveria ter jogado aquela maldita pela janela. – falou com raiva.
Estava tão cansada que não saiu de casa, resolveu dormir pra poder levantar mais cedo no dia seguinte e procurar a namorada.
E assim fez, saiu de casa antes das seis e foi para o apartamento dela. O porteiro informou que ela não estava em casa e não era engano, já que ele era o mesmo do dia anterior. Passou na agência e os poucos funcionários que estavam lá não tinham visto a publicitária. Ao sair do estacionamento viu o carro de Archie. Freou bruscamente e foi atrás dele, o pegou entrando no elevador.
- Archie, por favor. Sabe me dizer onde Cheryl está?
Ele hesitou por um instante e ela percebeu que ia mentir.
- Não minta, por favor, preciso falar com ela.
- Toni, me perdoa, mas ela pediu que não dissesse onde está. Tirou férias da agência e disse que só manteria contato comigo se eu jurasse não dizer onde estava.
Sabia que se insistisse ele não falaria. Começou a se desesperar, pois sem pista ela não sabia nem por onde começar a procurar. Seus olhos se encheram de lágrimas e não se importou de que Archie visse, já não tinha mais vergonha ou medo, queria apenas reencontrar o seu amor.
- Calma querida, ela vai voltar, acho que só precisa de tempo. Não sei ao certo o que aconteceu, mas Cheryl é assim. Pra colocar as coisas nos eixos, ela gosta de pensar bastante, pra não fazer nada errado. Dê esse tempo a ela.
- E se ela não voltar? Queria que soubesse que a amo e que nada acabou.
Archie se sensibilizou e acabou por dar uma dica:- Comece por onde tudo começou. – Olhou no relógio. – Agora preciso ir, tenho uma reunião. – deu um beijo nela e se foi.
Toni ficou pensando, mas nada vinha a sua mente.
"- Onde tudo começou? – Pensava. – Começamos e recomeçamos algumas vezes...".
Voltou para o trabalho pensando na frase dele e foi com Betty que ficou refletindo sobre algum lugar.
- Vocês não se encontraram no réveillon? Já pensou em ir à praia?
- Ela não estaria na praia até agora. – Toni pensou. – E eu passei por lá, porque é perto do apartamento dela.
Um cliente chegou e acabou por interromper as duas. Por conta do dia agitado, Toni não teve tempo de fazer nada. Não podia deixar de trabalhar, isso prejudicaria seus funcionários. Colocou os pensamentos em ordem e decidiu ir atrás de Cheryl no final de semana. Estaria livre no domingo. Passou todos os dias tentando ligar no celular, mas sempre dava caixa postal. Não soube como trabalhou num jantar no sábado. E quando domingo chegou nem dormiu direito, saiu logo de casa pra sua busca. Passou por todos os lugares possíveis e imaginários, fez até uma lista e nada de encontrá-la. Chegou a cogitar uma ida a Manaus, mas seria um absurdo ir até lá.
- Absurdo? – Falou consigo mesma. – Absurdo sou eu aqui dando bobeira.
Correu para o aeroporto e procurou uma passagem. Embarcou de madrugada, chegou lá e foi ao hotel em que haviam ficado e ela não estava hospedada. Depois de fazer aquilo é que pensou no tamanho da loucura. Com sorte, quando chegou ao aeroporto um voo saía em instantes. Chegou ao Rio de manhã e foi para o café.
- Nossa! Dormiu na rua é? – Betty se apavorou com o aspecto da chef.- Quase, pode ser dentro de um avião?
- Hein? Onde você foi?
- Manaus. – Falou desabando no sofá de sua sala.
- Como é que é?
- Achei que Cheryl estaria lá, afinal eu fiz uma surpresa pra ela e foi tão legal nossa viagem que eu pensei... – começou a chorar.
- Calma amiga, ela vai aparecer. Vai pra casa, toma um banho e descansa, vai ser melhor. Desse jeito você não vai conseguir fazer nada, nem achá-la, nem trabalhar.
Betty estava certa e Toni seguiu seus conselhos. Foi pra casa e descansou. Só acordou no outro dia quando passava das dez. Tentou seguir sua rotina, trabalhando e procurando Cheryl. Ariana parecia ter sumido do mundo, querendo só mesmo bagunçar a vida da chef mais uma vez.
Os dias foram passando e nada dela aparecer. Toni foi gravar o programa, dessa vez em outro estúdio. No mesmo onde era gravado o de outra apresentadora de culinária. Sentiu falta da namorada acompanhá-la nas gravações. Estava até mais séria, sem dar muita confiança para os colegas e chegou a criticar o prato de um participante, sendo mais ríspida, o que era raro. Ao sair do estúdio encontrou com a apresentadora.
- Oi Toni, eu tinha tanta vontade de te conhecer. – Veio para abraçá-la. – Já tive o prazer de ir a um jantar que você fez e nunca tinha comido nada parecido. Você está de parabéns!
- Ah muito obrigada. Tento sempre fazer meu melhor.
- E consegue, porque só ouvi elogios àquela noite.
- Agradeço mais uma vez.
Não estava muito a fim de papo e quis se despedir logo.
- Qualquer dia vou te chamar pra cozinhar aqui, posso?
- Claro, estou sempre à disposição. Adoro seu programa. – Sorriu. – Acho sua cozinha muito legal. – Olhou em volta. – Essa paisagem é inspiradora.
- Eu sempre gostei de casa ampla, clara e muitos vidros. Quando pude mudar o estúdio, logo pedi um projeto assim. E ficou maravilhoso!
Toni teve um estalo na memória. Lembrou da casa de Itaipava e Cheryl poderia sim estar lá. Foi quando conversaram e lá fizeram tantas declarações.
- Ficou sim. – sorriu mais entusiasmada. – Agora preciso mesmo ir. Espero seu convite viu? – deu dois beijinhos nela e saiu.
Correu pra casa pra arrumar as malas. No caminho ligou pra Betty e avisou aonde ia.
- Não sei se você percebeu, mas vai chover tá?
Toni olhou para o céu, realmente algumas nuvens se formavam.
- Tá, mas eu chego antes. Me deseje sorte.
- Boa sorte. – sorriu a secretária do outro lado da linha. – E vá com cuidado.
- Pode deixar, obrigada.

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Medida Certa
Fiksi PenggemarToni tem seu coração completamente protegido atrás de um parede de puro concreto e aqueles que tentarem se aproximar dele serão friamente desencorajados! Porem Cheryl não vai desistir facilmente.. Esta fic é uma adaptação. Todos os direitos reservad...