Descontentamento e erro

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Era ela. Não demorou muito para descobrir quem era. Uma das damas que acabara de adentrar o salão, sorridente e ansiosa, com vestido longo e azul-claro, fora tão bem recebida por meus pais, anunciada com tamanha cordialidade e afeto como minha futura esposa. Fui obrigado a recebê-la, os olhares de todos ali presentes encontravam-se em nós dois, aqueles nobres em sua maioria metidos esbanjantes de bons feitos já encontravam-se ansiosos por serem convidados de honra para uma futura festa de casamento. Já eu, com o primeiro fitar, julguei-a. Aquela garota era uma das dezenas de motivos pelos quais Shadow dispensara-me, não havia razão alguma para eu estar feliz e sequer querer vê-la.

Mas novamente, meu mau humor e mesquindade eram inúteis, apenas trariam maiores problemas. Teria de arrumar outras formas e sinais de transmitir que não estava interessado em algo arranjado e nada recíproco. Por outro lado, minha família sempre seguiu as falhas regras e estava disposta em forçar matrimônio. A moça moraria conosco a partir de então e haveríamos de criar um filho que cresceria da mesma forma, passaria muito provavelmente pelos mesmos problemas, com a voz encoberta, apesar dos bons argumentos contrários e eu teria de sentar-me num trono vermelho, ditar palavras bonitas e galanteadoras para o povo, enquanto vejo-me refletido naquela criança, por dentro tão infeliz quanto meu eu adulto se tornaria.

Horrível. Só de encará-la por aqueles poucos segundos no salão, essa visão nítida passou-se pela minha cabeça e ela seria a única que sairia ilesa de sofrimentos. Lancelot haveria de observar tudo sem poder interferir e aquilo só me machucava. Se eu começasse a chorar poderiam interpretar que era de felicidade ou tamanha emoção, então permaneci inexpressivo, fingindo não saber ao certo como abordar uma nobre dama, mas Shadow havia ensinado-me tais cortesias.

– Vossa alteza princesa do leste, Amy Rose e sua fiel escudeira e protetora, Blaze – o som de aplausos espalhou-se pelo salão após o anúncio bastante audível.

A ouriça estendeu sua delicada mão com luva branca, virada para baixo, no aguardo para que eu selasse a mesma, toda explicitamente emocionada e corada. Meu ato impressionou, depois que segurei por inteiro sua mão trêmula e apertei balançando de cima abaixo num cumprimento político. No outro segundo senti um beliscão nas minhas costas como punição por parte de minha mãe que estava do meu lado. A reação da rosada me surpreendeu, dando uma baixa risadinha. Estava se divertindo com a situação que tentei manter desconcertante, franzi a testa.

– É um enorme prazer tê-las em nosso humilde palácio – meus pais estavam com sorrisos brilhantes – A festa é de vocês também, então divirtam-se o quanto quiserem.

– A honra é nossa, vossas altezas, ficamos bastante agradecidas – a gata lilás com armadura prateada assim como a que Lancelot usa pronunciou-se por ambas, curvando-se. Ela parecia do tipo reservada e acabara sendo a única sem uma fantasia apropriada – Pelo momento irei me retirar, com licença – completou e caminhou calma, sempre bastante séria, sumindo-se entre os demais em pares, que continuavam com a dança pelo salão.

Foi nesse momento que percebi estar sozinho com a princesa. Shadow desaparecera do meu campo de visão pouco depois que Blaze também se retirara dali, meus pais foram conversar com outros da classe real e só ficou ela, cara a cara comigo, parecendo aguardar por algo vindo de mim enquanto segurava o tecido do vestido entre os dedos nervosamente. Então avistei de canto de olho Tails com Cream a seu lado ao longe e eles faziam alguns sinais com os braços, simbolizando uma dança.

– Dançar...? – sussurrei para mim mesmo e a rosada elevou seus olhos até meu rosto, contente:

– S-sim, eu adoraria dançar com você!

– Não, eu... – aquelas íris verdes e esperançosas encaravam-me como se pudessem me ler por inteiro, não era minha intenção fazer uma garota chorar, muito menos no estado que se encontrava, com tal emoção.

No final das contas, tomei-a pela mão e os demais ali presentes foram dando espaço para que passássemos. Quando percebi, o centro do salão inteiro estava livre apenas para nós dois, toda a atenção estava destinada para nós dois. O que eu menos queria que estivesse acontecendo, acontecera. Justo minha música preferida começou a tocar, aquela que por mais que se repetisse funcionava como um feitiço e meu corpo começava a se mover sozinho, parecia haver sido tudo minimamente combinado.

Com o passar dos nossos passos e giros, punha em prática tudo que Shadow havia me ensinado mais cedo, diferença que agora não era eu o tomado gentilmente pela cintura. Eu podia não ver todo o rosto da dama por conta da máscara que levava, mas sua excitação transbordava junto de felicidade tão nitidamente, de fato, era alguém tão fácil de ler que não ficava interessado em saber mais a seu respeito, já Shadow, suas ações em sua maioria eram tão não esperadoras, que faziam eu ficar intrigado num ponto enlouquecedor.

A música continuava e a dança não sessava, as luzes faiscavam até nós, dando maior destaque. Eu não estava me divertindo, ao contrário, me arrependia de ter dado início nisto, não transmitia-me um pingo de prazer. E na tentativa de não deixar explícito esse sentimento de desgosto, aproveitei-me da imaginação fértil que tinha e comecei a enxergar Lancelot no lugar da senhorita Rose, usando aquele uniforme galanteador, sapatos pretos, gravata e cartola, sorrindo para mim, dizendo baixinho e rouco o quão orgulhoso estava de mim, provocando um acelerar em meu peito. Era como se ao seu redor houvesse um vazio, tudo fosse irrelevante e apenas nós dois existíssemos no mundo, dançando, comemorando a liberdade. Era um pensamento egoísta, eu sei, mas quando se está apaixonado, nada mais importa.

Quis chegar mais perto dele, queria senti-lo o mais próximo possível, que pudesse proferir aquelas doces palavras diretamente em minha orelha. Inclinei-me e num estalo de realidade, a música havia acabado, revelando tudo ao meu redor, inclusive a garota extremamente corada enquanto minha mão gentilmente segurava seu rosto, com nossos focinhos quase encostados. De um salto afastei-me incrédulo, pondo uma mão na frente da boca, ao menos aliviado por não ter acontecido nada além e corri dali, deixando para trás a dama encolhida e sozinha em meio salão.

Aquilo não passara de uma falsa ilusão, um mal entendido que deixei como impressão em todos, principalmente de quem eu não queria que viesse a desenvolver maiores sentimentos por mim. Encostara a porta do meu quarto, afundando o rosto ridiculamente envergonhado no travesseiro, não voltaria a pôr um pé naquele lugar antes de que a festa tenha tido seu definitivo fim.

 Encostara a porta do meu quarto, afundando o rosto ridiculamente envergonhado no travesseiro, não voltaria a pôr um pé naquele lugar antes de que a festa tenha tido seu definitivo fim

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