Deja vu

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BÁRBARA, point of view
Penn State University — Pensilvânia

— O que vocês vão fazer esses dias? — eu perguntei, me sentando no chão, na frente do sofá do alojamento de Kyle. Carol, Larissa, Melissa e Tainá estavam sentadas lá também. Ky convidou todos para passar a tarde na Basset House, porque as aulas não tinham voltado oficialmente.

— Vou ficar morgando por aqui. — Carolina respondeu. — Gabriel não vai sair daqui enquanto não ganhar o Kuzma na partida.

Lessa e Kuz jogavam NBA no PS4 da casa. Eu ri, enquanto vi uma disputa sendo travada por um dos meus amigos e do meu namorado. Arthur também estava jogado no sofá, assim como Gilson. Eles conversavam sobre alguma coisa e não prestavam muita atenção ao redor.

Antes de poder falar algo para uma das meninas, meu celular tocou. Era o despertador, avisando que acabara de dar dezessete horas da tarde. Meu turno começava em 30 minutos.

— Eu preciso ir. — digo, me levantando, e batendo a poeira invisível das minhas calças.

— Mas já? — Kyle perguntou, pausando o jogo. Lessa o xingou e todos riram.

— Meu turno começa em 30 minutos. — digo, e me abaixo para selar nossos lábios em um beijo rápido. — Vejo você depois do treino?

— Claro, shorty.

Um pequeno sorriso se forma em meus lábios. Me despeço de todos os meus amigos e volto a caminhar para fora da casa de Kyle.

Eu ia de ônibus até a biblioteca do campus, onde eu trabalhava. Mesmo estando relativamente de férias de final de ano, alguns alunos ainda permaneciam no campus, ou seja: mesmo de férias, eu trabalhava.

Meu turno na biblioteca acabava às onze. Infelizmente, o treino de Kyle só acabava às onze e meia, e isso significava que eu tinha que voltar para casa sozinha. Sempre que ele conseguia, mandava um dos amigos. Mas é muito chato ficar dependendo de alguém, então eu mandei ele parar de fazer isso.

Corro pelas escadarias acinzentadas assim que desço do ônibus. Entro pela grande porta, e cumprimento Khay, a outra garota que fazia turno comigo naquele dia.

A biblioteca era divididas em alas, por conta do seu tamanho. Mas nós fazíamos o sistema da rotatividade, então todo mundo trabalhava em pelo menos três áreas diferentes durante a semana.

Essa semana estou responsável pela área dos livros de literatura inglesa. Semana que vem, ficarei na parte educacional da biblioteca.

O corredor que eu não estava ficava de frente para uma janela, me dando visão do estacionamento. Eu o olhava, e observava cada movimento que acontecia ali.

A três semanas, um carro preto parava lá exatamente às oito da noite, e só ia embora quando eu também ia. Tinha a sensação que ele me seguia pelo campus, mas todas as vezes que eu olhava para trás, ele não estava lá.

Falei para Arthur, e ele disse para eu não me preocupar, porque a polícia do Campus era muito forte e dificilmente algo assim acontecia. Preferi confiar nele, até porque ele está aqui a dois anos a mais que eu.

[...]

A biblioteca a noite, se manteve tão vazia quanto de tarde. Já eram dez e quarenta e cinco, horário que eu tenho que fechar os portões e "mandar" os alunos para casa.

Me levantei da cadeira e comecei a andar pelos corredores. Quando passei pelo de literatura inglesa, olhei para a janela, e lá estava o carro preto. Como todos os dias desde três semanas atrás.

A melodia era de uma música que eu conhecia. John Meyer, como eu poderia confundir? Ele era meu cantor favorito desde criancinha.

Vozes me chamaram atenção, e eu comecei a andar até onde elas me levavam. Até que, os encontrei sentados no chão, em uma parte escura do lugar. Ele com o violão no colo e ela o beijando.

Pigarrei, afim de chamar a atenção do casal a minha frente.

— Boa noite, — eu disse, torcendo para não gaguejar. — Vou precisar fechar a biblioteca.

Mackenzie olha no seu celular e faz uma careta para mim. Eu ainda continuava com a minha cara de bunda. De propósito.

— Ainda está cedo. — ela diz. — Vamos ficar mais.

— Você não lê os regulamentos? — pergunto. — Tenho que mandar vocês pra casa as dez e quarenta e cinco. Já se passaram três minutos.

— O que foi? Virou minha mãe agora? — ela pergunta provocativa.

Não queria me rebaixar. Não ao nível dela. Mas a minha vontade era de espremer os miolos dessa garota. Não sabia que ela conseguia ser tão mesquinha e idiota.

— Victor, você e a sua namorada podem por favor se retirar? — pergunto. — Eu preciso fechar.

Mackenzie sai resmungando, e nem espera por Victor. Ele começa a andar até mim, com as mãos enterradas no bolso da calça jeans clara.

— Quando você vai contar pra ela que fizemos aquilo também? Ela se acha especial.

— O que você tem a ver com isso, Passos?

— Você não tinha esse direito. — eu digo. — Ele era meu cantor favorito. E agora você estragou tudo. Como sempre.

— Você se acha a única nesse mundo né? Se toca garota. Você não é. — ele respondeu entre dentes. Tive vontade de chorar.

— Só não acho justo você usar ela como me usou. — digo, já me preparando para sair dali. — Quer dizer, como você usou todas.

Não fiz questão de olhá-lo, porque se eu fizesse isso, eu choraria. Derramaria minhas lágrimas porque, John Meyer era meu cantor favorito até eu o conhecer. Porque agora tudo que eu escuto, eu o visualizo em cada verso.

Odeio pensar que eu sou o tipo dele. Odeio pensar que eu me fiz ser mais uma depois de ter sido abusada inúmeras vezes. Assim, continuei a andar pelo grande corredor, fingindo que eu não estava chorando, colocando tudo pra fora.

Eu me prometi não chorar mais por ele, porque agora eu tinha um namorado, que eu amava, que me amava. Mas era impossível eu não entrar em modo de destruição automática quando Victor Augusto estava por perto.

Eu vi quando eles saíram pela porta. É assim que colocaram os pés para fora, fiz o mesmo, trancando o prédio. E comecei a correr, correr o máximo que eu podia para sair de longe dali.

𝟓𝟎𝟓 - 𝖻𝖺𝖻𝗂𝖼𝗍𝗈𝗋Onde histórias criam vida. Descubra agora