34: deixando o passado pra trás

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JENNIE, 2020.

Eu notei algo muito importante depois daquele dia: amar Lisa tornou-se difícil, sufocante e imprevisível. Não por culpa dela exatamente, mas por tudo o que envolvia ela, eu e a nossa história.

Enquanto ela chorava em meus braços e eu nos dela pude finalmente admitir pra mim mesma que não foi exatamente nossa culpa chegar até aquele ponto. Eu agora era insegura, frágil e medrosa. Ela agora era ressentida, arrependida e descontente.

Não éramos mais garotinhas correndo pelo parque, nem adolescentes brigando de guerra de travesseiros no quarto. Somos duas mulheres, com vidas completamente diferentes, obrigações irritantes, desejos intensos e medo do futuro porque ele nunca fora muito fã da nossa união.

Eu a amei tanto, por tanto tempo, ainda a amo e, provavelmente, sempre amarei. E, por isso mesmo, era mais difícil ainda admitir que estamos nos machucando, estamos vivendo dia após dia desde que nos reencontramos como se fosse o último de nossas vidas porque no fundo tínhamos medo do que viria – porque em algum momento algo viria – nos separar de novo.

Eu não posso lhe culpar por Angèle e nem ela pode me culpar pela australiana, não estávamos juntas, não havia nenhum contrato, nenhum pedido, nenhum acordo que deveria ter sido cumprido. Não havia nada, nada além da nossa própria consciência gritando que aquela pessoa não era quem queríamos de verdade. Mas dói, dói nela e dói em mim.

Dói saber que alguém tentou ocupar o meu lugar, mas dói ainda mais saber que a Lisa e a Jennie que cresceram juntas amando uma a outra não conseguiram fazer dar certo tão fácil assim quanto deveria ser.

Eu machuquei minha Lili.
Ela machucou sua Nini.

E ainda estávamos nos machucando, sem saber como parar e sem saber como fazer parar de doer.

Não pude deixar de observar Lisa intensamente nos últimos dias que a vi: o olhar tão distante, seus olhos sem brilho, seu rosto pálido e seu sorriso escasso. Sequer parecia a mesma garota que sorria o dia inteiro pro nada e dançava pela casa quando mais jovem. Eu não pude deixar de pensar "fui eu quem fiz isso com ela?"

Porque ela me ama e sei que ama, loucamente, como a amo também. No entanto, ainda assim, amar não deveria doer tanto dessa maneira.

Também precisei olhar pra mim mesma, ou melhor, pra quem eu costumava ser e notar que eu nem pude perceber o quanto eu mudei. A líder do clube de eventos da escola, sempre rodeada de gente e carinho agora morava sozinha com um gatinho, eu era terrivelmente confiante e agora eu tinha medo de ser totalmente substituível.

Minha expressão não era a mesma dos meus vídeos enquanto mais nova, eu achava que era a falta da Lisa, mas notei que a falta era de mim mesma. Me faltava paixão por mim e pela minha própria vida, nem mesmo Lisa era capaz de me trazer isso.

Não estávamos indo muito bem com nossas próprias vidas, de que adiantava ter sucesso como repórter ou como dançarina se no final do dia não éramos tão gentis assim com nós mesmas? E isso faz parte do todo, também faz parte de nós e não tem como fugir pra sempre.

E eu, definitivamente, não poderia mais me deixar sentir assim, também não podia deixar com que Lisa fizesse o mesmo consigo.

Era preciso deixar o passado pra trás, mas eu nunca conseguiria fazer isso morando no apartamento em quem haviam memórias de Lisa por todos os cantos, nem vivendo no mesmo lugar que passei toda minha vida, muito menos sendo rodeada pelas mesmas coisas de sempre.

E ela também não faria isso sendo consumida pela minha presença e por tudo o que eu carregava comigo, tudo o que fomos, o que somos e o peso de sempre se questionar o que diabos seremos, pra onde estamos caminhando? Nenhuma de nós sabe de verdade.

Então, eu fiz algo que nunca me passou exatamente pela minha cabeça, não estava planejado, eu apenas o fiz, eu senti que precisava fazer.

...

- Jennie? - ouvi a voz familiar me chamando no sentido oposto e me virei - Estou aqui!

Caminhei em sua direção e me atirei em seus braços recebendo uma gargalhada gostosa e a sensação de estar sendo acolhida por braços amigos.

- Estava morrendo de saudades - ela me apertava em um abraço caloroso.

- Eu também estava Rosie - afastei-me para encarar seu rosto radiante - Você está ótima! Esse tom de rosa foi feito pra você mesmo ein - toquei uma mecha de seu cabelo rosa bebê.

- Obrigada, eu me esforço pra manter-lo - ela sorri grande - Fiquei surpresa com sua vinda, ainda não consigo acreditar.

- Pois é, nem eu, foi tudo muito rápido, mas obrigada por me deixar morar com você por um tempo mesmo assim, você me salvou - agradeço segurando em sua mão enquanto caminhamos até o carro dela.

- Não se preocupe com isso, eu vou amar ter alguém pra morar comigo, minha colega de quarto se mudou e não consegui me acostumar ainda com a casa toda pra mim, gosto de sentir a presença de mais alguém em casa, o timing foi perfeito - explica enquanto coloca minha bagagem em seu porta-malas.

- Então, quais os planos aqui na Austrália?

- Hum, por enquanto, vou tentar uma vaga em alguma emissora pequena, estou pensando em trabalhar menos e ter mais tempo pra mim - explico.

- Que ótimo! Tenho certeza que vai conseguir algo logo e o que quer fazer no tempo livre?

- Não faço a menor ideia ainda, queria fazer coisas novas, tentar algo diferente.

- Humm - ela parece pensar enquanto observo o reflexo da estrada refletir em seus óculos escuros - Que tal eu te ensinar a mergulhar? - sugere animada - É preciso aproveitar as vantagens de se ter uma bióloga marinha como amiga.

- Mergulhar? - eu definitivamente diria não pra aquilo a um mês atrás - Está bem, vamos mergulhar!

- Ótimo, tenho uma nova aluna - ela sorri contente - Mas então, quer falar sobre o que te fez largar tudo e vir pra cá? Disse que me contaria quando chegasse.

- Meio que uma jornada de conhecimento pessoal - respondo e fico surpresa comigo mesma por não ter pensado em Lisa como a primeira opção, apesar de ela ainda ter me cruzado a mente.

- Bom, espero que você descubra muitas coisas sobre si mesma nesse caso - ela ri - E por quanto tempo quer ficar?

- Humm, na verdade, não sei se vou voltar - ela desvia o olhar da pista pro meu rosto por um instante - O que foi?

- É sério?

- Sim, algum problema?

- Não, nenhum - ela sorri grande - Só não esperava essa resposta, por que sinto que ganhei um presente de aniversário depois que você disse isso?

- Porque eu definitivamente sou tão incrível quanto um presente de aniversário - nos entreolhamos entre nossos óculos e rimos daquilo.

- Vai ser divertido te ter por aqui Jennie.

- Eu também acho Rosie.

Girls Secrets (JENLISA)Onde histórias criam vida. Descubra agora