16. Injusto.

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DEVON.

Quando Liam terminou de falar, eu estava estático, o encarando de boca seca e o coração apertado. Ele não pareceu mais abalado do que antes, talvez porque já estivesse abalado o suficiente ou porque já havia se acostumado com essa parte de sua história. Mas eu estava oco, como se não conseguisse acreditar no que tinha ouvido, como se fosse impossível que alguém fosse tão cruel. Eu conhecia a crueldade, já tinha sido cruel, mas mesmo eu ou até meu pai, jamais machucaria uma criança, o próprio filho. Uma mãe? Uma mãe tentando matar o próprio filho? Isso era imoral, um sacrilégio. 

— Não me olhe assim. — Liam meio que pediu, meio que ordenou, depois de um longo minuto silencioso. Eu o encarei confuso. — Como se seu coração fosse explodir de tanta pena. Eu não quero sua pena. 

Ele estava irritado, eu podia ver. Nada que eu dissesse mudaria sua raiva. Aquela fúria desmedida não combinava com seus traços gentis; estava fora do lugar. Ele era sim garoto de amor e as vezes tristeza, mas raiva? Não, raiva não. 

— Foi legítima defesa. Ela era uma drogada que tentou assassinar o próprio filho, te deu a porra de uma overdose e lutou com seu pai quando ele tentou te salvar. Porque infernos ele está preso?! — Eu perguntei irritado. Se ele não queria pena, receberia raiva, porque eram as duas coisas que eu tinha para compartilhar naquele momento. 

— Porque é isso que acontece com as pessoas pobres e latinas nessa merda de país elitista. — Liam zombou se colocando de pé meio tonto, seus passos cambaleantes. — Eu teria me fodido se não fosse por seu pai me dando uma advogada cara, assim como meu pai se fodeo por não ter dinheiro para pagar um bom. 

— Liam, eu posso tentar ajudar e… 

— EU NÃO QUERO A PORRA DO TEU DINHEIRO! — Liam gritou as palavras batendo com as duas mãos no balcão. Eu estremeci; não de medo, haviam poucas pessoas capazes de me dar medo, mas porque ele parecia destruído. Ele não gritava, nunca. Mas só naquele dia já haviam sido duas vezes. Quando o conheci me perguntei o que o faria gritar, mas agora queria não saber. Gritos de ódio não combinavam com ele. 

— Sério? — Perguntei tentando manter a calma. Se eu começasse a gritar também as coisas sairiam do controle. — Pare com essa merda. Você tem uma chance de consertar as coisas, de ter o que precisa e joga fora? Isso não é orgulho, Liam. É idiotice. Com duas ligações meu pai tiraria o seu da cadeia. 

— Claro. — Ele riu com desdém. — O crime compensa se feito direito, não é? Seu pai por exemplo, já fez pior que o meu, mas nunca vai ser preso. 

Oh, ele não fazia ideia. Ele só sabia do que a mídia divulgava, artigos sobre como Thomaz Rizzi poderia ser o chefe de uma máfia italiana com sede nos EUA. Os artigos saiam do ar tão rápido quanto eram postados, mas prints e compartilhamentos continuavam nas redes para qualquer um acessar. 

— Eu sei que você está irritado. — Pontuei. — Mas não fale do meu pai. Eu não aceito que ninguém fale do meu pai, entendeu? 

— Porque você o ama mesmo ele sendo um babaca completo com você. — Liam disse simplesmente. — Eu sei como é.

Eu quis dizer que meu pai não era como a mãe dele. Meu pai era honrado e digno e morreria antes de por a minha vida e a dos meus irmãos em risco, mas não disse. Essa discussão ridícula e sem sentido já estava indo longe demais. Precisávamos parar antes de dizer coisas que gerariam arrependimento. Eu me aproximei de Liam em passos firmes e segurei seus braços com força, puxando-o para mim até poucos centímetros separarem nossos rostos. 

— Chega, Liam. — Eu disse gentilmente, mas com uma firmeza inconfundível. — Eu estou com você, isso tudo é passado, mas nós dois somos o presente. Não vamos brigar por causa disso. 

Ele continuou estático, me encarando sem dizer nada, os olhos negros brilhando com uma imensidão de sentimentos desconexos. Lentamente ele se aproximou até selar nossos lábios, mas não fez nenhum movimento para aprofundar o beijo, apenas ficou ali, roçando os lábios nos meus entre respirações cortadas. 

— Me beije até que eu esqueça. — Ele pediu lambendo meu lábio inferior com a ponta da língua; seu tom era profundo e urgente. — Me beije até que eu esqueça todo o resto. 

Aquilo eu poderia fazer. 

Ainda segurando seus braços eu o puxei para mim e o beijei; Liam inclinou a cabeça e passou os braços sob os meus até tocar suas palmas em meus ombros. Ele me beijou com força, nada gentil como sempre era, sua boca se moldando a minha com urgência e saudade. Eu deixei que ele me beijasse até meus lábios doerem, até que ele esquecesse os demônios internos que o machucavam. Eu deixei que ele usasse minha boca para fugir de seu passado e quando por fim caímos um sobre o outro no tapete da sala, eu parei e me afastei quando ele tirou minha camisa. 

— Você está bêbado. — Pontuei com a respiração ofegante. 

— Isso não é um primeiro encontro. — Liam rebateu me puxando de volta para ele. — Eu sempre te quero. 

Não era um primeiro encontro, mas era uma das primeiras experiências sexuais que trocavamos e eu não queria mesmo ter qualquer coisa com ele bêbado daquela forma. 

Tentei me deixar levar, até tirei sua camisa, mas não conseguia simplesmente ir em frente com aquilo. Ele não estava sóbrio, não era certo. 

Eu o abracei apertado, prendendo os braços dele contra seu corpo e beijei seu pescoço ao rolar e nos deitar de lado. Liam me encarou confuso e tentou erguer os braços, mas eu o apertei mais, impossibilitando o movimento. 

— O que você está fazendo? — Ele perguntou meio letárgico. Eu beijei sua testa. Seus olhos estavam desfocados e sua respiração ofegante; muito bêbado, notei. 

— Protegendo você de si mesmo. 

Aos poucos Liam assentiu, seu rosto assumindo um tom mais profundo de vermelho. Eu o mantive em meus braços e beijei sua testa, roçando meu nariz em seus cabelos sedosos que estavam embaraçados naquela manhã. 

— Solte meus braços, não vou te atacar. — Liam zombou muito mais calmo. Eu ri baixinho e diminui meu aperto, me deitando de costas contra o tapete. Liam pressionou a cabeça no meu peito e acariciou meu estômago com as pontas dos dedos. — Eu acho que…

Eu esperei a continuação da frase por vários segundos até perceber que seu corpo tinha suavizado sobre o meu, sua respiração suave e tranquila. Ele havia dormido, praticamente desmaiado, uma prova do quão bêbado estava. Acariciei seus cabelos, emaranhando meus dedos em seus cabelos embaraçados. Eram longos e cobriam seu rosto, num tom perfeito de preto. Em seu sono, seu rosto ficou sereno, tão, tão belo. 

Ti amo.  — Sussurrei apesar de saber que ele estava dormindo. Nao, não apesar. Disse aquilo porque ele estava dormindo. Também disse em italiano porque tinha a impressão que dizer em inglês tornaria tudo mais real. — Por toda minha vida vou amar você. 

Eu o apertei contra meu peito tentando senti-lo mais perto. Nunca entendi o conceito de amar até conhecê-lo. Nunca entendi como alguém fora da família poderia se tornar tão importante, mas ali, abraçando aquele garoto, eu tinha meu mundo inteiro em meus braços. 

DESTRUA-ME. - Saga Inevitável, Segunda Geração: Livro 2.Onde histórias criam vida. Descubra agora