• Capítulo 01 •

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Complexo da Rocinha, dia 18 de agosto, 19h da noite

• Luana •

Ivana: Você ficou louca, Luana? Como você deixa o seu filho sozinho por horas?

Essa é a primeira coisa que eu escuto assim que entro em casa; os berros escandalosos da minha mãe, que está no meio da sala com um pano de prato na mão.

A dor de cabeça que veio me acompanhando o dia inteiro se intensifica, e eu quase xingo em voz alta pelo tamanho da dor.

Luana: Eu tava no trabalho - murmuro.

Ela sabe que eu estava no trabalho. Foi ela que me pediu para arranjar outro emprego - depois que eu perdi o primeiro que tinha conseguido -, porque ela não pode ficar me sustentando pra sempre.

Eu sou menor de idade, então por lei, ela tem o dever de me sustentar e me dar o básico: água, comida, moradia e estudo. Mas não discuti quando ela quis que eu arrumasse um emprego, afinal, Ivana disse que cuidaria do meu filho quando eu não estivesse em casa.

E eu deveria saber essa boa vontade foi só da boca pra fora. Minha mãe nunca faz nada sem reclamar ou me insultar.

Eu sei que ter um filho com 16 anos não foi o plano, nem meu e nem dos meus pais. Mas aconteceu, e até quando ele vão continuar me crucificando por causa disso?

Ivana: E por isso abandou seu filho? - aponta para o chão, onde o Miguel está deitado com algumas almofadas em volta.

Assim que ele me vê, suas gengivas sem dente nenhum aparecem em um sorriso banguela. Meu coração se derrete instantaneamente.

Ele é a minha luz.

Luana: Eu não o abandonei, mãe.

Não quero me explicar para ela, porque é tão ridícula a sua acusação que nem sinto essa necessidade.

Porque eu abandonaria o único motivo que me faz querer levantar da cama todos os dias?

Meu filho foi um erro e veio em uns dos piores jeitos na minha vida, sei disso. Mas nem por um segundo me arrependo de ter tido ele.

Ivana: Ele chorou o dia todo, não calou a boca por nada!

Minha mãe continua reclamando e me criticando, como fez a minha vida toda. Ela nunca foi uma mãe amorosa, que senta e conversa para entender o lado da filha.

Meus pais acham que eu sou ingrata e irresponsável, porque tive um filho com 16 anos e acabei com a minha vida e com o meu futuro.

E os dois fazem questão de me lembrar todo o dia que eu nunca vou conseguir realizar nenhum dos meus sonhos, porque eu estraguei tudo só porque não consegui manter minhas pernas fechadas.

Eu sei que não foi assim, mas eles não se importam o suficiente para quererem me ouvir.

Suas cabeças são fechadas demais para se quer cogitarem que a culpa não foi só minha, já que eu não fiz esse filho com o dedo.

Meu pai me bateu tanto no dia em que contei, que juro ter ficado inconsciente em alguns momentos. Até hoje eu não sei como o meu bebê não morreu por causa disso.

Largo a minha bolsa em cima do sofá, sentindo meu ombro dolorido por ter carregado ela pra subir esse morro todo e me agacho para conseguir pegar o Miguel.

Só de me aproximar, meu filho larga o brinquedo que não para de morder e ergue os braços na minha direção, abrindo e fechando as mãozinhas.

Com um sorriso de canto, o pego no colo, levantando devagar para não deixar nós dois cair.

Luana: Oi, bebê. - sussurro, dando um cheiro no seu cabelo sentindo aquela cheirinho gostoso de nenê - Senti tanta saudade...

Eu sou uma mãe solteira de 16 anos, que mora na casa dos pais nem um pouco compreensivos e que a única coisa que sabem fazer é insultar cada passo que eu dou. Além de que eu praticamente não tenho independência financeira, o que só fode tudo um pouco mais.

Parece que copo que guarda a minha insanidade está a um tris de quebrar e voar toda a loucura que está dentro da minha cabeça para todos os lados.

Eu não aguento mais.

Sérgio: Finalmente a vagabunda chegou! - a voz do meu pai vem distante do corredor, mas logo seu corpo aparece na sala - Porque é isso que você é, uma vagabunda irresponsável.

Sua voz é amarga e sarcástica. Seu sorriso escorre um veneno que eu já estou acostumada a receber todos os dias.

Ivana: Estragou o futuro dela, isso sim. - ri, dando as costas para entrar na cozinha - O sonho de ter o seu salão? Esqueça!

Eu sei, mãe. A senhora faz questão de me lembrar disso todos os dias - penso comigo mesma.

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Luana: Por favor, filho. - murmuro suplicante - Para de chorar, eu te imploro!

Ele não para, continuando a chorar e gritar enquanto eu ando de um lado para o outro no quarto, o balançando.

Já são quase 3h da manhã, e nada do Miguel querer dormir de novo. Depois que acordou com um barulho de algum idiota que passou na janela do meu quarto bebado e gritando, ele não parou mais de chorar.

Para um serzinho tão pequeno e frágil, seu pulmão é forte e bem resistente.

Luana: Filho... - começo, mas dou um pulo de susto com as batidas forte na porta.

A maçaneta balança quando tentam abrir, mas graças a Deus ela está trancada.

Sérgio: Faz essa porra calar boca, Luana. - grita, dando um soco na porta - Se não eu vou entrar aí e vou fazer!

O desespero e o medo tomam conta de mim. Eu sei o jeito que ele resolve as coisas, sempre na base da porrada... Flashes de lembranças da minha infância vem a minha mente, mas eu pisco os olhos rápido para as afastar.

Nunca que eu vou deixar ele tocar um dedo no meu filho!

Luana: Por favor, Miguel. - suplico com a voz embargada, sentando na cama.

Ele continua a chorar e se torna quase inevitável. Começo a chorar junto com ele, pelo puro desespero.

A sensação de estar completamente perdida toma conta de mim.

Eu sabia no momento que descobri que estava grávida que não tenho responsabilidade suficiente para ter um filho, e essa dúvida se torna certeza nesses momentos.

Eu não sei o que fazer! Me sinto perdida, fraca e sozinha. Eu sou uma criança cuidando de outra criança.

Como que eu vou conseguir cuidar desse bebê se eu nem sei cuidar de mim direito?

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Mais uma história minha! Espero que gostem.

Crime PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora