Capítulo 1

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Aos poucos, ela abria os olhos. Sentia dores pelo corpo, especialmente na cabeça, e conseguia ouvir vagamente o barulho de algo pingando, além de vozes conversando ao longe. Notou o braço direito engessado, e, com uma rápida olhada, percebeu hematomas e ferimentos em alguns lugares do corpo. Mas o pior de tudo era a força com que as memórias do que realmente houvera lhe atingiam, fazendo com que temesse pela própria vida.

- Onde... onde eu tô? – Pergunta Vitória.

- Questionamento clássico. Bem-vinda de volta, moça – diz a dra. Ana, feliz por finalmente ver sua paciente acordar.

- Quem tu é? E o que eu tô fazendo aqui, exatamente?

- Calma. Eu sou a dra. Ana Clara Caetano, sua neurocirurgiã. Tu tá no Hospital Geral de São Paulo, e, pelo que eu já percebi, ainda bem desorientada. Não se preocupe, provavelmente isso consiste em efeitos colaterais dos medicamentos que tivemos de aplicar – ela explicava pacientemente, enquanto anotava algo em sua prancheta – Não se esforce. Antes, tu tava na UTI, mas teve uma excelente resposta no pós-operatório imediato, então optamos por te colocar logo na enfermaria. Nós tivemos que realizar uma cirurgia de emergência para a drenagem de um hematoma no seu cérebro, do tipo epidural, que veio de um traumatismo cranioencefálico, do impacto que a tua cabeça recebeu quando tu se acidentou. Por isso raspamos um pouco o seu cabelo no lado esquerdo. Me desculpe, era o único jeito... – ela olha pra baixo, como que se desculpando por ter tido que cortar alguns dos belos cachos dourados da moça.

- Dra., não se desculpe por fazer seu dever. Tu me salvou. Muito obrigada- Vitória sorri docemente para ela.

- Não precisa agradecer, srta. Falcão. Como tu disse, esse é o meu dever, e cumpro ele com todo o amor do mundo - a médica sorri de volta, e Vitória podia jurar que seu sorriso ganhava fácil dos mais lindos que ela já vira.

- Mas tu ainda não me disse como eu cheguei aqui, dra. Caetano – diz Vitória, sem conseguir parar de sorrir para a moça de dentinhos pequenos.

- Por favor, me chame só de Ana - a neurocirurgiã sorri de canto, timidamente. - E tu não lembra?

- Tá bem, mas isso só se tu me chamar apenas de Vitória, combinado?

- Combinado.

- Então, eu lembro de algumas coisas vagas, sabe? – A cacheada abaixa a cabeça, fazendo o olhar doce da médica se concentrar ainda mais em si. - Tipo, consigo me recordar de como caí, mas não faço ideia do que houve depois ou de como conseguiram me trazer pra cá.

- Bom, pelo que eu soube, tu chegou aqui trazida por um vizinho, depois de ter caído de dois lances de escada. Posso saber como esse acidente aconteceu?

- Não foi exatamente um acidente, dra. Na verdade, eu...

Nesse momento, uma enfermeira entra na sala, avisando que havia chegado uma visita para a paciente, que, já em boa recuperação, estava na enfermaria.

- Quem é? – Pergunta Vitória.

- Ele diz ser uma pessoa muito importante pra você. Eu já vou mandá-lo entrar, só...

A velha mulher mal termina de falar quando um homem irrompe no leito como um furacão. Era André.

- Vitória, meu amor! Eu soube o que houve pelo Conrado. Você tá bem, minha vida? Tá bem mesmo?

Ana sente suas esperanças estraçalhadas, e respira fundo, incapaz de fazer outra coisa que não olhar. A enfermeira sai, deixando apenas os outros três ali.

- Já que está acompanhada agora, srta. Falcão, vou deixá-los a sós – diz a médica, se dirigindo até a porta. No meio do movimento, é interrompida por Vitória, que segura sua mão. Um gesto ousado para quem havia acabado de conhecer alguém, mas a cacheada sentia que poderia confiar na moça baixinha, de olhos negros e caídos.

- Dra., por favor, não vá – ela suplica.

- Ora, Vi, deixa a médica ir, ela deve ter mais pacientes para atender. Assim podemos matar um pouco a saudade também – fala André, sorrindo cinicamente.

Nesse momento, Vitória perde as estribeiras.

- COMO ASSIM MATAR A SAUDADE, SEU CÍNICO? FICA LONGE DE MIM! – Ela chorava desesperadamente.

- Mas, eu...

- SAI DAQUI! ME DEIXA EM PAZ!

- Senhor, vou ter que pedir que se retire – Ana intervém. – Está piorando o quadro dela. Tendo passado pelo que passou, não é prudente que se agite dessa maneira.

- Eu não posso sair! Sou o noivo dela! – Ele retruca.

- Eu entendo, mas é pelo bem dela. Por favor, saia ou vou ter que chamar a segurança.

- Não será necessário. Depois eu volto, quando ela estiver mais calma.

- Certo. Agora vá.

O homem barbudo sai da sala, deixando Ana e Vitória sozinhas. A loira continuava a chorar copiosamente, e a jovem médica, que não costumava fazer aquilo, sentiu-se impelida a abraçá-la. E foi exatamente isso o que fez.

- Calma, srta. Falc... Vitória - diz Ana, se corrigindo rapidamente -, calma. Ele já foi, não precisa se afobar – ela falava enquanto apertava a outra em seus braços, com uma voz doce feito açúcar aos ouvidos de sua assustada paciente.

- Eu odeio ele – Vitória finalmente reúne forças para falar, em meio aos soluços.

- Odeia seu noivo? Como?

- Ele não é meu noivo. Foi ele o responsável por eu estar aqui hoje.

- Como assim?

Vitória respira fundo, preparando-se para compartilhar tudo o que acontecera no dia anterior, que virou sua vida completamente do avesso.

- Foi ele que causou isso, Ana. É por causa dele que agora eu tô aqui.

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