Apesar de sentirem intensamente a maravilhosa sensação das borboletas rodopiando em seus estômagos, Ana e Vitória perceberam também que seus pulmões clamavam por ar, e assim foram se separando lentamente, buscando prolongar o momento o máximo possível. A neurocirurgiã fazia carinho no rosto da advogada, que repetia o gesto em sua nuca, enquanto davam curtos selinhos.
- Tu não tem noção de quanto eu queria fazer isso – Ana sussurra, mantendo sua testa grudada a de Vitória.
- Ah, é? Pois me diga, doutora – Vitória brinca.
- Desde que vi teus olhos pela primeira vez.
- Se fosse em outra situação eu acharia errado tu querer beijar uma paciente, mas como sou eu, e a recíproca é verdadeira, tenho que te dizer que também tive essa vontade assim que te vi – sussurrada, a voz de Vitória ficava ainda mais rouca, e aquilo era só mais um dos incontáveis traços que Ana amava na cacheada.
- Quer dizer que minha paciente se interessou por mim, huh? – Ana devolve a brincadeira.
- A culpa é sua por ser assim tão irresistível.
Permaneciam abraçadas, o sentimento de segurança mais uma vez invadindo Vitória, acompanhado de gratidão ao universo, por ter colocado Ana em sua vida.
- Eu sou irresistível, é? – Ana brinca, sorrindo de canto.
- Ah, pronto. Agora ela vai ficar toda convencida – Vitória aperta de leve a bochecha de Ana, provocando uma risada nela. – Vamo jantar, vai. Afinal, tu não me convidou só pra me beijar.
- Bem, meio que esse era o objetivo principal, sabe? – Ana diz, rindo, enquanto Vitória arqueava uma sobrancelha.
- Deixa de ser palhaça, Ninha. Eu tô com fome.
- Tá bom, taurina. Vamos jantar.
Depois de uma noite regada a bom vinho e conversas extremamente agradáveis, Vitória teve certeza daquilo que seu coração já vinha tentando lhe dizer há um bom tempo: Ana era seu sol depois de tanto tempo de tempestades gélidas. Descobrira que a médica era um verdadeiro prodígio, e sua inteligência rebrilhava nas mais diversas ocasiões. Ana entendia não só sobre Medicina, mas sobre Literatura, Música, Astronomia ou qualquer outro tema colocado em pauta. Até chegou a conversar sobre Direito com Vitória, que ficou surpresa por seu conhecimento na área também. A conversa com Ana, não importava o tema, nunca ficava tediosa, e as duas percebiam, cada vez mais, que se encontravam nas mesmas ideias, de vida, de gente, de desconstrução. Até pareciam a mesma alma, dividida em dois corpos diferentes, que, apesar do pouco tempo de encontro, não viam mais sentido em se separar. A médica contou que tivera apenas um relacionamento, vindo do Ensino Médio. O rapaz era do Rio de Janeiro, mas se provou alguém detestável ao longo do tempo em que estiveram juntos, e, por ter sofrido com isso, Ana se fechou para qualquer tipo de sentimento com relação a outro alguém por vários anos. Se blindou para não sofrer, o que era totalmente compreensível. Falava que seus alunos de internato e residência a chamavam de coração de gelo, mas que aquilo nunca lhe perturbou, já que sabia do fundo de verdade que existia naquilo. Não conseguia desenvolver interesse por ninguém, isso até Vitória aparecer em sua vida. Contou também que quase não conseguira se livrar do ex-namorado, e que o término conturbado deixou inúmeras sequelas psicológicas, que, aos poucos Vitória estava curando, já que as feridas ainda existiam, mesmo que ignoradas pela médica. Como resposta, a cacheada apenas sorriu e segurou a mão de Ana.
Ao fim do encontro, Ana levou Vitória em casa e desceu do carro para acompanha-la até a porta do prédio.
- Obrigada por tudo, Ninha.
- Eu que agradeço por ter aceitado meu convite. Adorei ter passado esse tempo com tu.
- Eu também. Sua companhia é muito agradável e me faz sentir em casa, como se tivesse em Araguaína de novo.
- Sua companhia é tão agradável quanto – Ana diz, sorrindo. – Tem certeza que não quer que te acompanhe até o apartamento?
- Não precisa. Tu já fez muito por hoje. Sem contar que Júlia ia ficar te enchendo perguntando sobre tudo, ela é muito abelhuda – Vitória revira os olhos, ao que Ana ri.
- Tudo bem, então. Já vou indo, amanhã pego plantão cedo.
- Ah, Ninha, plantão no fim de semana? - Vitória soa levemente chateada.
- Sim, por quê?
- Ia te chamar pra vir pra cá amanhã, pra gente assistir um filme ou algo assim.
- E a Júlia?
- Vai pra casa de praia dos pais, só volta na segunda.
- Realmente eu devo ser muito irresistível pra esse desespero todo – Ana diz, rindo, e Vitória empurra seu braço levemente.
- Palhaça.
- Ei, não se desespera não. Meu plantão é só 24h, pego amanhã às 7h e entrego no domingo, às 7h também. Vou pra casa dormir e depois venho pra cá.
- É sério? – O rosto de Vitória se ilumina.
- Sim. Só tenho plantão de 48h no outro fim de semana. Aí a gente vai se falando.
- Tá bem, dra. Ana Clara.
- Então tá.
- Então pronto.
Ana se aproxima de Vitória, faz um carinho no seu rosto e encosta seus lábios nos dela, que lhe dá selinhos repetidos, a fazendo rir, e a abraça.
- Tchau – Vitória sussurra.
- Tchau – Ana sussurra de volta.
- Manda mensagem quando chegar em casa, tá? – Vitória fala, ainda sem se desvencilhar dos braços da médica.
- Sim, senhora.
Elas finalmente se soltam, e Ana acena pra ela, entrando no carro, dando partida e se misturando aos outros carros do trânsito caótico de São Paulo.
Vitória vai na direção da portaria, ainda sorrindo, quando sente alguém segurar seu braço com força e se vira, pronta para perguntar de quem se tratava. Nesse momento, ouve a voz que vinha habitando seus pesadelos nos últimos dias.
- Quer dizer que você já me trocou rápido assim?
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Sanity Line
Romance"Aqueles olhos... quando os vi pela primeira vez, soube ali que não teria mais volta, e que eu seguiria sua dona para onde quer que fosse..."