Capítulo 35

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Dani chorava e se agarrava mais ao pescoço de Vitória, pedindo para que ela e Ana a protegessem e não a deixassem. A médica, lívida, encarava a assistente social e o homem que a acompanhava com ódio no olhar, pronta para expulsá-los dali.

- Amor, vai com a tia Ana - Vitória, vendo, pela postura de Ana, que aquilo acabaria numa briga terrível, passa Dani para os braços da esposa, que segura a pequena forte, balançando-a e cantando baixinho para ela, numa tentativa de acalmá-la. A cacheada, então, se coloca frente a frente com a senhorita Teixeira, que a encara.

- E a senhora, quem é? - Pergunta a assistente social, audaciosamente.

- Vitória Caetano Falcão, esposa da dra. Ana Clara e advogada - ela diz, cruzando os braços, e a mulher imediatamente muda sua postura. Aparentemente, o nome de Vitória era bem conhecido no meio jurídico de São Paulo.

- Senhora Caetano Falcão, perdoe-me a maneira como abordamos vocês, - diz a mulher, com um falso sorriso - mas precisamos levar a menina. Creio que saiba que esses são os parâmetros legais a serem cumpridos.

- Posso ver suas credenciais e a ordem para levarem a Dani? - Pergunta Vitória, altiva.

A mulher retira da bolsa um papel e mostra a carteirinha de registro profissional para Vitória, que analisa ambos os documentos. 

- Tudo bem - a advogada suspira. - Reconheço que fazem o que foram ordenados, no entanto, quero que estejam cientes de que a avó desta criança faleceu ainda ontem, e ela está obviamente muito fragilizada. 

- Compreendo, mas... - a mulher começa, ajeitando o óculos na ponta do nariz, até ser interrompida por Vitória.

- Vou entrar com uma solicitação para que ela permaneça conosco pelo menos até que o enterro de sua avó seja feito - anuncia Vitória. - E em seguida darei entrada em toda a documentação necessária para darmos início ao processo de adoção.

- O quê?

- Isso mesmo que ouviu. Eu e minha esposa pretendemos adotar a Dani. 

- Certo, mas precisamos levar a menina agora, mesmo que depois tenhamos que trazê-la de volta - fala a assistente social, aparentando impaciência.

- Vocês não vão levar essa criança daqui - diz Ana, séria, agarrando-se mais à menina.

- Um momento, senhores - diz Vitória, se dirigindo até a mesa de centro da sala, onde pega seu iPhone e disca um número. - Alô, Pri? Que bom falar contigo de novo, amiga. Escuta, tô precisando de um favor seu - e sai, para que pudesse falar com mais privacidade, deixando os outros ali na sala, sem entender. 

Minutos depois, a advogada volta, com uma expressão séria.

- Escutem, acabei de falar com a juíza da comarca local da Vara de Infância e Juventude... - começa Vitória.

- Aquela no telefone era a dra. Priscila Albuquerque? - Pergunta a mulher, assustada.

- Exatamente - responde Vitória, com um sorrisinho. - Então, como eu dizia, expliquei a situação para ela e uma ordem será expedida em alguns momentos para que a menor possa permanecer conosco pelo menos até que se realize o funeral de sua avó.

- E como pretende nos entregar essa ordem? - Pergunta o homem carrancudo.

- Nos acompanhariam até o fórum? - Pergunta a cacheada. - Podemos ir lá buscar agora.

O homem e a mulher se entreolham, curiosos, mas acabam concordando em ir.

Lá chegando, são super bem recebidos pela juíza, antiga colega de faculdade de Vitória e uma grande amiga dela. Ela expede a autorização e ainda deixa bem claro à assistente social que a criança ficaria sob a guarda do casal Caetano Falcão até que o funeral de dona Alda acontecesse. Meio a contragosto, eles aceitam a ordem da juíza Albuquerque, e deixam a sala.

- Vi, infelizmente eu não posso estender mais o prazo desse documento - diz Priscila. - Já não é nem algo convencional uma ordem dessas, então, mesmo que você e a Ana queiram dar entrada nos papéis para adotar a Daniella, nesse primeiro momento ela vai precisar ir para o abrigo.

- Tudo bem, amiga - Vitória suspira, dando-se por vencida. - Brigada pela ajuda.

- Imagina - ela sorri para a advogada. - Sempre que precisar, você sabe onde me achar. Boa sorte pra vocês! 

Elas preenchem os documentos necessários para dar início ao processo de adoção e se despedem da mulher, agradecendo-a pelo auxílio e seguindo para o hospital, onde seriam acertados os detalhes para o velório da avó de Dani. Ana e Vitória fizeram questão de custear todas as despesas e, dali a dois dias, acontecia o enterro. A pequena, que passou a cerimônia inteira nos braços de Ana Clara, calada, coloca uma rosa branca ao lado da lápide, dando um último adeus à sua avó, enquanto todos observavam. 

- Vovó, a tia Ana e a tia Vitória vão cuidar de mim - ela diz, de joelhos perto do túmulo. - Elas disseram que não vão deixar ninguém me fazer mal. Pode ficar tranquila aí com o Papai do Céu, que eu tô bem. Ah, e eu vou conversar com a senhora todas as noites quando as estrelinhas aparecerem.

As meninas se entreolham com os olhos marejados, e Dani volta para junto delas. Quando o cerimonialista encerra tudo, elas voltam para casa com a pequena. No dia seguinte, cumprindo rigorosamente o prazo, para enorme irritação de Ana e Vitória, a tal assistente social volta no apartamento do casal, e dessa vez não havia muito o que pudesse ser feito para evitar que levassem a criança.

Sob protestos e lágrimas de Dani, Ana e Vitória, eles levam a menina, mas o casal Caetano Falcão segue logo atrás. Quando chegam lá, a criança se agarra às pernas de Ana Clara, não querendo ir de jeito nenhum. 

- Meu amor, calma - dizia Ana, embalando a pequena em seus braços. - Tu vai ficar aqui só por uns dias, mas é porque essa gente chata precisa que tu fique. Vai ser tipo umas férias, sabe? 

- Jázim tu volta pra casa com a gente, princesa - fala Vitória, acariciando os cabelos da menina. 

- Eu não quero ficar aqui! - Grita ela, em prantos. - Quero voltar com vocês, mamães

Ana e Vitória se olham assustadas e ao mesmo tempo maravilhadas. Aquela era a primeira vez que Dani as chamava de mães, e acontecera tão naturalmente, que a pequena parecia não ter sequer pensado quando proferiu aquelas palavras. 

- Filha, se acalma - fala Vitória. - Logo logo a gente volta pra te levar pra casa.

- Nós vamos voltar pra te buscar, pequena - diz Ana. - Eu prometo. 

- De dedinho? - Pergunta Dani, inocentemente.

- Sim, de dedinho. E não se quebram promessas de dedinho, não é? 

- Não, mamãe - Ana sorri ao ser chamada de mãe novamente. 

Então, a mesma assistente social se aproxima delas, atrapalhando o momento.

- Sem querer interromper, Daniella, você precisa vir com a gente - ela diz.

- Vai, meu amor - diz Vitória, encorajando-a. - Não precisa ter medo. Nada vai te acontecer.  

A pequena abraça Ana e Vitória forte.

- A gente te ama, filha - diz Ana, com a voz embargada.

- Eu também amo vocês, mamães - Dani responde, antes de se afastar e acenar para elas, acompanhando a mulher que viera chamá-la. Quando ela some da vista de Ana e Vitória, elas desabam em lágrimas, completamente desnorteadas. 

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