Capítulo 1 Parte 2 (Rascunho)

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Na cama, a mãe sentou-se ao lado e fez um carinho no rosto do filho. Inclinou-se e beijou a sua testa.

– Pedrinho, meu amor, não fique zangado com o seu pai – pediu ela, gentil. – Ele não anda bem e não confia nos livros.

– Por quê?

– Há uns trezentos anos, talvez um pouco menos, houve uma época que era proibido ter ou ler livros. As pessoas que usavam livros foram todas levadas por robôs e nunca mais foram vistas. Isso fez muita gente ter medo de livros, muito medo.

– Eu gosto – comentou o garoto. – Tem tantas histórias legais, mas são todas muito antigas, do tempo que ainda nem havia outros mundos!

– Sim, meu amor – disse a mãe. – Ler era perigoso, mas escrever era ainda pior. Hoje não tem mais problema, mas, por causa do medo, os poucos que leem, como eu e você, nunca falam isso. Agora durma para crescer saudável e forte.

Aconchegou o filho nos lençóis e foi para o quarto.

Pedro não conseguia dormir e pensava muito em tudo, em especial na vida que levavam. Na verdade, era a vida que todos – ou quase todos – levavam. O seu pai foi exceção, mas acabou como os demais: obsoleto. Decidido, jurou a si mesmo que não levaria aquela vida... jamais. Ele não seria vencido pela falta de conhecimento e muito menos pelos simuladores. Ele e a Luana seriam diferentes. Devagar e com o conforto daquele pensamento tão determinado, resvalou para o mundo de Orfeu, sonhando com a amiguinha.

― ☼ ―

Como sempre, acordou cedo e arrumou-se sem esperar os pais. Na cozinha, pegou um copo de leite e tomou gelado, como gostava até mesmo no inverno. Pegou o palmtop da mãe e voltou a estudar aritmética, cada vez mais apaixonado pelos números. Ele já era capaz de fazer contas que só os computadores e robôs sabiam e isso era bom, bom até demais. A meio da manhã saiu para a praça, na esperança de encontrar Luana. Ela estava lá, sozinha, e Pedro apressou o passo, feliz de a ver. Quando viu o seu rosto, notou que estava abatida e concluiu que era por causa do irmão. Apesar de ser muito mais velho que ela, o irmão tinha sido um grande companheiro, antes de se entregar aos jogos simulados. O pequeno Pedro estava habituado à solidão porque era filho único, mas a menina não. Condoído, abraçou a amiga que conhecia desde sempre e ela fez o mesmo, começando a chorar no seu ombro.

– Não chora, Luaninha – pediu, ainda mais triste.

– Eu quero ir embora – choramingou. – Quero ficar longe de tudo, desses simuladores, de tudo, tudo, Pedrinho. Dá vontade de morrer! Eu quero morrer!

– Eu sei...

– Olha para essa praça – continuou a pequena –, parece que a gente vive no lixo. Tudo tão feio, tão velho e estragado!

Pedro olhou em volta, como se descobrisse isso pela primeira vez. A praça era mesmo muito feia, os brinquedos parcialmente destruídos, enferrujados, os canteiros com grama muito alta e flores murchas, ainda mais por causa do inverno, e havia lixo no chão, bastante lixo. O menino abraçou-a mais forte e retrucou:

– Você sabe por que motivo eu não costumo ver esta praça feia, Luaninha? – perguntou, olhando no rosto dela. – Porque a pessoa mais linda do mundo inteiro está aqui sempre que eu venho, porque você está aqui, Luana. Sabe, eu juro para você que não vou ser como eles. Eu vou ser diferente e sei que vou conseguir. E também sei que vou casar com você e nós vamos ser muito felizes juntos.

A menina parou de chorar e ficou agarrada ao seu abraço, sentindo o calor humano que ele emanava. Pedro afastou o seu rosto e limpou-lhe os olhos com os polegares, olhando-a derretido. Ela tinha os olhos muito verdes, no momento manchados de vermelho do choro, mas, ainda assim, os mais lindos que ele conhecia.

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