Prólogo - Eu sou Lorde Voldemort

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Os ponteiros no alto da Clock Tower mal acabavam de indicar três horas da manhã quando um barulho peculiar – uma curiosa mistura de som de rachadura com o de um ínfimo raio – cortou a noite gélida e seca de outono.

De trás da estátua de Boadicea, uma figura encapuzada, trajando uma longa capa preta, surgiu. A única alma viva na rua, ou – àquela altura – quase isso.

Um sorriso discreto e ladino se abriu no canto da boca do homem quando esse pensamento lhe ocorreu. "A única alma viva na rua", afinal, era uma informação imprecisa e obtusa. Mas quem ousaria chegar tão longe a ponto de entender a piada? Quem ousaria ficar com apenas uma pequena parte da alma dentro de si para, ainda assim, estar mais vivo que nunca?

Ninguém. Ninguém... exceto ele.

Fazia muito tempo que não tinha aquela visão do Palácio de Westminster. Gostava daquela vista; lembrava vagamente o único lugar em que pôde considerar como seu lar. Porém, desde que decidiu mergulhar em estudos e experiências ao redor do mundo, atingindo os extremos da magia e recrutando um número cada vez maior de seguidores fiéis, nunca mais teve a oportunidade de admirar aquele palácio.

Lorde Voldemort não fazia isso, no entanto, pela beleza das luzes, da arquitetura ou da História. Pouco, ou nada, lhe importava tudo isso. Mas aquele era um lugar que representava respeito, poder e imponência. E isso, para ele, era o que realmente importava; era o que lhe fazia se sentir bem.

Estava de volta. Desta vez, em definitivo. E com a certeza de que uma nova Era se iniciaria a partir daquela madrugada, até então típica, de novembro.

O que era um seleto grupo pouco mais de dez anos atrás, quando retornara pela primeira vez para pedir um cargo de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, em Hogwarts, a Alvo Dumbledore, agora já podia ser considerado um pequeno exército.

Ainda pequeno, sim, mas já bastante promissor. E tudo isso, Voldemort sabia, só iria aumentar dia após dia; ano após ano; até que o mundo bruxo estivesse livre da escória trouxa, de mestiços e de abortos. Um mundo limpo, puramente mágico, governado por ele.

Outra certeza era a de que haveria resistência durante todo esse processo. Afinal, "foi-se o tempo em que o Ministério da Magia era comandado por Josefina Flint", que jamais permitiria tais atos como os vistos na última década, pensou Voldemort, imaginando o quão agradável deveria ser bruxo naquela distante época.

O primeiro Ministro da Magia nascido trouxa, Nóbio Leach, tinha saído do cargo há apenas dois anos, em 1968; "uma mancha inigualável na História do mundo bruxo", refletia Voldemort, convicto de esse era um trecho que seria arrancado à força dos livros quando ele estivesse no poder.

Depois de Nóbio, para seguir a desgraça, a atual Ministra, Eugênia Jenkins; que enfrentou os protestos dos puros-sangues contra as Marchas pelos Direitos dos Abortos com rispidez...

Era evidente que, com tanto trabalho da Suprema Corte dos Bruxos para dar espaço aos mestiços e outras raças inferiores, especialmente nos últimos oito anos, haveria resistência frente às propostas de Lorde Voldemort. Mas nada e nem ninguém poderia ser páreo para o que estava por vir, o que o deixava despreocupado apesar do desgosto.

Nenhuma geração desagradava mais Voldemort do que aquela. Achava, no mínimo, ultrajante e nojento o modo como o Ministério havia se voltado contra as tradicionais famílias de puro-sangue para dar lugar a um bando de traidores que apenas enfraqueciam a magia. Toda a plebe agora tinha direitos demais.

Isso para não mencionar Hogwarts que, sob a direção de Dumbledore, corrompia descaradamente as mentes dos estudantes para que acreditassem que todos os últimos acontecimentos eram normais e que deveriam ser aceitos com naturalidade. "Maldito Dumbledore... Se eu estivesse no cargo de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, jamais permitiria a lavagem cerebral que acontece naquela maldita escola", pensou Voldemort com ferocidade.

Mas há muito já não lhe importava o cargo de professor; tomaria tudo aquilo que lhe era de direito e que fora negado durante toda a sua vida, tudo aquilo que desejava, tudo aquilo que merecia. Era afinal, para ele sem sombra de dúvidas, o maior bruxo que já existira.

Com um movimento quase despretensioso, levou as mãos ao capuz enquanto saía do chão, levitando cada vez mais alto. Em certo ponto, já olhando de cima para baixo o relógio na icônica torre, finalmente tirou o capuz, revelando um rosto extremamente pálido, quase fantasmagórico; não possuía cabelo, nem barba ou sequer sobrancelha; os olhos, outrora pretos e bonitos, agora eram vermelhos e sinistros; o nariz também estava diferente de quando era apenas um jovem bruxo recém-formado em Hogwarts, com aspecto gasto e narinas acentuadas que se assemelhavam a fendas.

Olhava para as ruas lá embaixo, correndo os olhos para um lado e para o outro com atenção e paciência, como uma ave de rapina em busca de sua presa, completamente insensível ao frio que fazia naquela madrugada. Finalmente, encontrou aquilo o que procurava e decidiu o que faria.

Se aquele dia marcaria uma nova Era, então não poderia ser nada menos que notável.

Voou como uma assombração na direção de um edifício residencial e retirou das vestes sua varinha; escolheu um andar de forma aleatória, cuja janela estava trancada. Deu uma risada curta, fria e baixa; "como os trouxas são ridículos", pensou, apontando a varinha para a janela sem mencionar uma só palavra.

Numa fração de segundos, o vidro havia simplesmente desaparecido silenciosamente. As pesadas cortinas fechadas esvoaçaram com o vento que vinha de fora e com a entrada de Voldemort, que ainda flutuava sorrateiramente, parando bem acima da cama de um casal que dormia. Ele tornou a apontar a varinha para a janela e, desta vez, o vidro voltou, cessando o farfalhar das cortinas.

Estava na hora... Mal conseguia conter a alegria de ver aqueles dois trouxas dormindo logo abaixo dele, prestes a morrer. E foi então que sua risada, desta vez alta e diabólica, quebrou o silêncio no quarto.

O casal acordou assustado e a visão de Voldemort gargalhando e planando sobre eles não aliviou o terror. Ambos gritaram e se debateram face ao desespero daquela situação. Seria um pesadelo de algum dos dois? Não.

- Avada Kedavra! Avada Kedavra! – Ordenou Voldemort em voz alta, primeiro acertando o homem e depois a mulher.

Dois lampejos verdes irromperam de sua varinha em sequência e iluminaram o quarto num centésimo de segundo. E os gritos de ambas as vítimas cessaram. Suas expressões de puro horror estampadas em seus rostos que não aparentavam ter muito mais que 30 anos. Estavam mortos.

Voldemort contemplou com satisfação o resultado de seu trabalho, antes de finalmente pousar no chão do quarto, aos pés da cama. No entanto, ainda não era o bastante: duas mortes não chamariam a atenção que ele queria, precisava de mais, muito mais. E assim o fez. Primeiro matando a filha pequena do casal que dormia no quarto ao lado, depois cada um dos vizinhos daquele mesmo andar. Todos da mesma forma: acordados, aterrorizados, executados.

Ponderou se valeria deixar sua marca no céu, mas optou por não fazer nada. Gostava da ideia de trazer um pouco de suspense quanto à autoria do massacre. Já imaginava que se divertiria como há muito não fazia durante a semana, diante da confusão dos Aurores, da perplexidade do Ministério e do pânico alimentado pela imprensa. Nova risada.

Agora sim, sentia-se verdadeiramente de volta.


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A Primeira Guerra Bruxa - Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora