Capítulo XXVII

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A escuridão engolia todo o corredor enquanto soprava a golfada como a boca escancara de uma besta prestes a devorá-la. Se era um lugar fechado dentro do palácio então por que vento saia de lá? Era uma pergunta sem resposta. Isabella avançou um passo, apoiando sua mão na palma de Alexandre. Ela sentiu seu pé atingir algo macio e afundar levemente. Por que tinha afundado? Sua Alteza olhou para baixo. Não dava para ver muito bem desde que suas pupilas ainda não tinham se costumado ao breu, entretanto aquilo definitivamente era terra. Isabella olhou em volta, percebendo que todo o espaço era pura terra, desde as paredes até o teto. Não era um corredor, mas um túnel circular. E pelas marcas irregulares em sua extensão era obviamente uma passagem subterrânea não natural. Fora cavado por alguém. Talvez muitos alguéns.

O Imperador encarava Isabella certificando-se de que estava tudo bem. A jovem acenou com a cabeça sinalizando para que eles prosseguissem. Sua Majestade soltou a mão da garota e começou a caminhar junto a ela.

As portas de ferro se fecharam atrás de si produzindo um estrondo sem precedente. O barulho ainda se perpetuava em suas orelhas quando Isabella voltou-se para trás alarmada. Alexandre sequer mover um musculo.

- Vamos prosseguir – disse simplesmente.

Não havia bifurcações no túnel, então, apesar da obscuridade, não havia risco de que a jovem se perdesse. Ainda assim, o Imperador a mirava sobre o ombro de tempos em tempos como se para se certificar de que Sua Alteza ainda estava ali.

Com o passar dos minutos, ao passo que seus olhos se acostumavam com a escuridão, ela começou a se deparar com coisas que não vira antes, coisas que talvez deveriam ter sido devorados pelo breu. Havia sangue espalhado por todos os cantos, no chão, nas paredes, no teto. Algumas manchas eram tão antigas que haviam secado até se transformarem em um borrão enegrecido, outras eram quase recentes. Vermelho vivo. Poças que poderiam ter sido criadas há um pouco mais de uma ou duas semanas atrás. A maneira como o sangue fora espirrado mostrava que as pessoas que padeceram ali, não sofreram uma morte tranquilo. Em alguns lugares a vermelhidão se estendia em uma linha reta por uma dezena de metros, indicando que alguém fora arrastado. Em outras zonas, o sangue formava a imagem de um ser humano abstrato, como se seus braços, pernas e cabeças tivessem sido arrancados de seu tronco brutalmente. E ainda havia aqueles espaços onde o sangue fora tão salpicado que Isabella sequer conseguia imaginar o que havia acontecido. Mas o que mais lhe assustou foram as marcas de garras nas paredes. Os espaços entre as unhas do que quer que fosse aquela coisa era do tamanho da cabeça da garota, ademais os orifícios que suas garras formaram tinham quase a largura de seu braço.

O cheiro de ferrugem misturado com o balsamo de terra seca fez com que a cabeça da jovem girasse. Ela sentiu o suor frio escorrer por sua testa e costas, e seu estomago embrulhar. Cenas de carnificina rodopiavam ao seu redor. Era nítido e quase palpável. Os mortos sussurravam gritantes suas dores em seu ouvido, reclamando sobre suas vidas lamentáveis e chorando em autopiedade.

- Eu preciso me sentar – informou caindo de bunda no chão e enfiando a cabeça entre os joelhos.

- O que foi? – inquiriu Alexandre ficando de cócoras.

- É muito sangue.

O Imperador piscou atordoado. – Isso nunca pareceu te incomodar quando eu voltava encharcado de sangue, o que há de errado?

- Você voltando encharcado de sangue e isso são situações diferentes – argumentou entredentes.

- Por que são diferentes? – Isabella não respondeu. – Por que o sangue em minhas mãos são de monstros e não de humanos? – perguntou quase sussurrando – Monstros e humanos não são tão diferentes quanto você imagina, Isabella. O mundo não é dividido entre vilões e heróis. Todos nós estamos lutando para defender nossos próprios interesses egoístas.

O Imperador VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora