Capítulo XXXVIII

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Era estranho. Estranho mesmo, pensar que o mundo ainda girava mesmo depois que Isabella descobriu que estava prestes a morrer. O céu ainda era anil, e as folhas farfalhavam ao toque da brisa ronronante. As estações ainda mudavam e logo as flores de primavera iriam desabrochar. Nuvens ainda passeavam pelo firmamento infinito como palácios voadores e o sol nascia e se punha todos os dias.

Estranho, pensava para si mesma enquanto caminhava pelos corredores com suas pernadas firmes. Aqueles não eram os passos de alguém doente.

Não parecia real. Parecia que a qualquer momento ela se levantaria de seu colchão e descobriria que foi tudo um sonho. Olharia para Alexandre ainda sonolento ao seu lado na cama e diria sabe, eu tive um sonho super esquisito... e ele riria de um jeito belo e desacostumado que só ele sabia fazer. Mas ser examinada minuciosamente por Arlinda todos os dias, e por Abedel aos sábados, era um lembrete de que tudo aquilo era verdade.

A vida seguia em frente com cotocos sangrentos no lugar das pernas, arrastando-se para todos os cantos enquanto cravava seus dedos em carne viva na terra fervente. Cega e cuspindo sangue. Nunca sabendo quando desistir.

Cecilia se tornou sua dama de companhia oficial uma semana e meia após a caçada anual. Veio com uma porção de malas e um bilhete do próprio Duque Meyer:

"Agradeço por colocar minha filha em uma posição de destaque, apesar de não compreender a sua decisão. Farei de tudo para mantê-la na linha mesmo a distância. Espero que não se arrependa de sua escolha."

Isabella balançou a carta aberta e a ofereceu a senhorita Meyer.

- Quer ler? – perguntou com um sorriso provocador.

- Não precisa, eu já sei o que está escrito aí – desdenhou.

Sua Alteza riu.

- Seu pai ama você, sério.

Ela grunhiu – eu sei.

Cecilia e Sua Alteza possuíam um acordo implícito. A jovem havia investido na ideia da Meyer de criar uma boutique, mas como o empreendimento poderia não dar certo já que esta não possuía real conhecimento sobre negócios, ela pediu para que a nobre só revelasse seu investimento caso o negócio vingasse. Caso falhasse, não haveria problema, Isabella serviria novamente como sua investidora anônima. A jovem sabia, por sua experiência com empresas da sua antiga realidade que falhar eram mais fácil que suceder. Poderia levar diversas tentativas até que um negócio realmente se firmasse.

Embora o futuro da boutique ainda fosse incerto, uma deleitosa surpresa a Isabella, foi descobrir que o investimento que tinha feito no Barão Lucien começou a gerar lucros – era obvio que geraria lucros, contudo a jovem tinha em mente a influência que isso poderia trazer para ela e esqueceu-se dessa parte. – Muitos países começaram a demonstrar interesses nessas novas técnicas de Lucien, e até a torre dos magos juntou mãos com ele para ajudar nessa nova empreitada. Muitas pessoas começaram a ter um olhar completamente diferente para com a medicina herbalista graças a isso. E quem começou a demonstrar muito apoio ao seu reinado após o ocorrido foram os plebeus.

As semanas continuaram passando e logo a estação já estava em sua metade. Os jardins voltaram a ser aquilo que ela conhecera quando chegou a esse mundo. Árvores frondosos e fulgentes pelas luzes refletidas no orvalho, ora rutilando em coral, ora em anil, ora em rubro. A grama estendia-se até tocar o horizonte sem muros e chiava com o ciciar das golfadas de ar fresco. Diversas espécies de flores cobriam o chão da maneira mais sublime existente, empertigando-se em seus caules e sibilando se aproxime e me cheire, vamos, se aproxime e me cheire. O mundo vibrava novamente completando o seu ciclo sem fim.

O Imperador VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora